domingo, 31 de janeiro de 2010

Poema - Maria Eugénia Cunhal

.
Prefiro
As flores que nascem ao acaso
Ao perfume das rosas
Que se mandam comprar porque é domingo.

sábado, 30 de janeiro de 2010

aconteceu...histórias com médicos

.
Contaram-me hoje esta história, atendendo ao meu pèzinho. Achei-a deliciosa.
.
Havia um médico de aldeia, que perante perguntas que lhe faziam sobre as doenças contagiosas, "ó doutor, isso pega-se?", costumava responder que a única certeza que tinha é que as fracturas não se pegavam.
.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

aconteceu...um filme - 1

.
Para ir ver "O Laço Branco", é melhor estar preparado para sair de lá com um murro no estomago.
É um filme a preto e branco e a fotografia é muito bonita.
Mais do que diálogos entre pais e filhos, ouvimos ordens, certezas, juízos e punições. Há uma enorme rigidez, as emoções são contidas e os silêncios pesados. Assistimos a violência verbal, agida e preversidades.
É interessante e rico do ponto de vista psicológico e sociológico.

A história passa-se numa aldeia do Norte da Alemanha, no período imediatamente anterior à 1ª grande guerra.
As crianças que vemos retratadas no filme serão mais tarde os adultos da geração nazi

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

2 Poemas - Adília Lopes

.
1 -
Quando estou contente
amo toda a gente
quando estou triste
tudo me resiste
.
2 -
Escrevia
porque estava sozinha
e queria estar
com pessoas.
.
Depois
estava com pessoas
e queria estar sozinha
para escrever.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Aconteceu em viagem - 7 - Douro Internacional

Foto - Magda
Freixo-de-Espada-à-Cinta foi um nome que desde miúda me divertiu..

Mantenho nas viagens a mania de ir anotando nomes de terras por onde vou passando, pelo som estranho de algumas palavras. Foi o caso de Caçarelhos, Palaçolo, Palancar, Ifanes, Constantim, Sonhoanes, Variz, Ventozelo e Zafa. Tudo à volta da mesma zona, do Douro Internacional.

Onde nasceu a senhora? Na Variz, diz ela. Sorrisos de quem ouve.
.
Para além da sonoridade das palavras há os sítios, a paisagem, os sons.
.
Que paz se sente lá do cimo do Penedo Durão! Vista larga sobre o Douro, aves de rapina com as suas grandes asas a voar bem lá no cimo. Um grande silêncio faz-nos companhia.

Contaram-me que o compositor Eurico Carapatoso vai para lá sentar-se nas férias. Aquele lugar mágico, acredito, pode permitir inspirar-se.

Parece que nasceu ali perto, numa terra também de nome engraçado, Escalhão. Eu nunca tinha ouvido falar.
Maior que a avaliação que fiz à chegada, com alguns edifícios interessantes, calhou estar quase sem gasolina e cheia de fraqueza. Já era tarde para almoçar, tive receio de ter me ficar por uma sanduiche. Mas eis que na bomba de gasolina me apontam um restaurante numa rua sem outras construções.
.
Situado onde antes foi um lagar de vinho, as paredes de pedra estão enfeitadas com objectos de lagar. Alguns recortes de jornal emoldurados dão conta de, por várias vezes ter sido citado e elogiado.
.
Estava um dia muito solarengo. Da parte de trás, um pequeno quintal e duas mesas debaixo de um telheiro. Por aí fiquei, com uma música de fundo, portuguesa, muito bem escolhida, Zé Mário Branco, Sérgio Godinho e outros companheiros destes. .

Na extremidade do quintal uma casa pequena com um letreiro à porta dizia "massagens de azeite", restos de uma feira. Explicaram-me que foi uma ucraniana quem teve a ideia e montou o "stand"..

A comida da região faz parte das minhas viagens.
Não como em quantidade mas sou apreciadora da boa comida e dos bons vinhos. E neste restaurante tudo isso havia.

Entrada de farinheira assada com pão torrado com flôr de sal e fundo de azeite. Um arroz de carne muito bem feito e uma boa sobremesa. Vinho engarrafado da região, muito bom, que me penitencio de não me lembrar do nome.

A comida é parte integrante da cultura e somos surpreendidos quando menos se espera...como naquele dia.
.
Lagar de nome, este não tinha nada de insólito.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Poema - Maria Eugénia Cunhal

.
Deixa ficar a cinza nos cinzeiros
E as flores murchas nas jarras.
Não dês ordem às coisas.
A cinza ainda é um resto de presença
E as flores recordação.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Aconteceu...a propósito de uma notícia - 5

.
"Médicos recusam que enfermeiros possam prescrever medicamentos, como em Espanha", pode-se ler no jornal de hoje.
Seguem-se afirmações dos bastonários das respectivas ordens. E no jornal on-line comentários vários dos leitores contra os médicos, coisas que estamos habituados.
.
Essa notícia, fez-me lembrar um episódio da minha infância.
.
Quando eu era miúda não havia máquinas de lavar roupa. Havia umas lavadeiras que, de burro ou carroça, percorriam certas zonas de Lisboa para ir buscar às casas a trouxa das roupas, depois de escrito o rol.
Levavam a roupa, tratavam de a lavar, corar, secar e traziam-na de volta por passar a ferro. Conferido o rol, as nossas criadas, hoje empregadas domésticas, passavam-na a ferro.
.
A nossa lavadeira era a D. Maria. Vivia na zona de Sintra, e dizia que a correnteza de água onde a nossa roupa era lavada era a melhor de todas. Nunca nos queixamos.
.
Era uma mulher simples, tratava a nossa porteira por D. Emíla, e a Viscondessa do 5º direito por D. Amála. Não dava importância aos iis. Não me lembro como tratava a minha mãe, que era médica, mas veremos que a tinha em consideração para usar em parceria, alguns dos seus conhecimentos.
.
Um dia, a D. Maria chega com um panarício num dedo. Pede para falar com a minha mãe e queixa-se-lhe que já fez o que era habitual, umas rezas à meia noite, ao luar, com duas penas de galo cruzadas em cima do dedo doente. Só que não estava a evoluir tão bem como o esperado. Queria a ajuda dela, para lhe receitar um besunto (vulgo pomada), para ajudar às rezas.
.
A minha mâe não se fez rogada e lá lhe deu o que ela pediu.
.
Quando a roupa voltou lavadinha e a cheirar a sabão, agradeceu a receita, porque tinha começado a pôr a pomada e repetido as rezas e a situação tinha-se resolvido. Ou como ela disse, o besunto ajudou muito às rezas.
.
A notícia que enfermeiros possam prescrever medicamentos tal como em Espanha, assim como nos EUA os psicólogos já o fazem, inquieta-me.
Para além de diluir as várias competências de uma equipa, receio que não prescrevam só penas de galo.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Poema - Manuel Bandeira

.
CÉU
.
A criança olha
Para o céu azul.
Levanta a mãozinha,
Quer tocar o céu.

Não sente a criança
Que o céu é ilusão:
Crê que o não alcança,
Quando o tem na mão.

Manuel Bandeira

sábado, 23 de janeiro de 2010

aconteceu estar a ler - 3




.


Ainda a propósito do 2666


Sacrofobia, gerirofobia, clautofobia, agorofobia, necrofobia, hematofobia, pecatofobia, clinofobia, tricofobia, verbofobia, vestiofobia, iatrofobia, ginefobia, ombrofobia, talassofobia, antofobia, dendrofobia, optofobia, pedifobia, balistofobia, tropofobia, agirofobia, cromofobia, nictofobia, ergofobia, decidofobia, antropofobia, astrofobia, pantofobia, fobofobia.
.
Durante duas páginas e picos uma psiquiatra e um polícia que têm um caso, num dos encontros têm uma conversa em que enumeram e definem estas fobias todas que estão ali transcritas. Está bem, há gostos para tudo embora às vezes seja difícil de os entender.
..
Continuo a ler este "tijolo" de 1000 páginas.
Aumenta a minha curiosidade sobre o porquê do sucesso do livro. Irei perceber?

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Poema - Maria do Rosário Pedreira

.
Que é das palavras? Como chamar
por quem as esconde se, sem elas,
nem o silêncio tem nome?

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Aconteceu...a propósito de uma notícia - 4

.
O que não se faz em nome da "ciência"!
.
Ouço na RTP1 que uma criança, cujos pais andam em conflito pela sua guarda, é retirada pelo juíz da casa da mãe e internada num lar, com afastamento quase total do seu meio habitual.
.
Não sei os contornos da situação, mas ouço 2 pedopsiquiatras e 2 psicólogos (um deles com formação em medicina legal), advogados, todos mais ou menos de acordo quanto ao disparate da medida tomada pelo juíz.
.
A institucionalização de uma criança é a mais grave medida que se pode defender, e sempre depois de todas as outras se terem mostrado inválidas. E parece não haver dúvidas que não é defensável para este caso.
.
O que um juíz, de 30 anos de idade fez, certamente sem apoio de uma opinião técnica, ninguém consegue compreender e todos acreditam que não só não será bom como será muito mau para a criança.
.
SAP, Sindrome de Aleanação Parental, descrito nos anos 80 por Gardner, só é sindrome no nome (não é uma doença) e está na moda. Na boca de todos, desde os jornalistas, pais, psicólogos, advogados e alguns médicos.
.
Uma criança filha de pais separados recusa ir ao pai? É um SAP!
Sem nenhuma dúvida para alguns, que papagueiam sem pensar. Mas não há só branco e preto, há muitas outras nuances que é preciso ter em conta.
.
Gardner na altura defendeu que a criança nesta situação deveria ser retirada ao progenitor aleanador "conforme o grau" da situação. Não foi comprovada a vantagem desta medida.
.
Alguns anos mais tarde Gardner suicidou-se. Remorso insuportável?

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Poema - Gonçalo M. Tavares

.
CONSELHOS INÚTEIS

Não é um roubo retirares da paisagem
uma andorinha ou uma cadeira, mas não é simpático.
Daí a considerares o que digo um convite à imobilidade,
parece-me exagero.
Move-te, sim, mas acrescentando
coisas e assuntos à paisagem onde entras. Eis só.

Gonçalo M. Tavares

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Aconteceu em viagem - 6 - Sicília





Um dos quartos do Hotel Art.
Contemplar pela janela para fora do quarto. Fora de nós? Que fazer com a projecção?
E para dentro de nós, onde nos sentamos, como encostarmos as costas? não ficaremos desamparados?
Mas estéticamente é de facto muito bonito!

Aconteceu em viagem - 5 -Sicília

Parede do hall do hotel - Foto Paulo Mendo

Aconteceu ficar no Art Hotel Atelier Sul Mare, em Castel di Tusa na Sicília que tinha no hall de entrada estes desenhos nas paredes e papel-jornal no tecto .

Logo a entrada justificava o nome e o mote: arte.

É descrito como um hotel-museu de arte contemporânea onde o artista põe a sua obra à disposição do hóspede, para despertar emoções e meditações: "el viaje del espíritu", obra essa que só fica completa depois de vivida por quem lá entra e fica.

É curiosa esta forma de falar da arte, uma vez que raros museus nos deixam tocá-la. Como sentir certas esculturas se não pudermos escorregar as nossas mãos por ela?

Para a decoração das partes comuns e de alguns quartos tinha sido pedida a colaboração de artistas.

Os quartos eram extremamente originais. Lembro-me de um que tinha perto do tecto um conjunto em fila de televisões e uma cama no meio do quarto, enviesada, o mais minimalista possível. Era no entanto muito desconfortável: a luz era dada pelas televisões (com uma imagem parada), o interruptor era junto à porta, não havia mesa de cabeceira para pôr fosse o que fosse e as almofadas rapidamente iam parar ao chão. Seria o desamparo que era suposto despertar?

Quando em viagem, defendo que a gastronomia, escolher o típico da zona, deixar-me invadir pelos odores, sentir e saborear os diversos paladares faz também parte da cultura que se apreende.

Ficar neste hotel foi um acrescento moderno numa viagem a uma zona mais conhecida pelas suas ruínas históricas.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Poema - Maria do Rosário Pedreira

.
Este foi o nosso último abraço. E quando,
daqui a nada, deixares o chão desta casa
encostarei amorosamente os lábios ao teu copo
para sentir o sabor desse beijo que hoje não
daremos. E então, sim, poderei também eu
partir, sabendo que, afinal, o que tive da vida
foi mais, muito mais, do que mereci.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Aconteceu...estar a ler 2 - A propósito da diferença


Foto da Compª Marie-Chouinard -retirada da net


“Que sinal é esse que tens na testa, não parece natural, Pode ser que não pareça, mas já nasci com ele, Dá a impressão que alguém te marcou, O velho das duas ovelhas também disse o mesmo, mas estava enganado, tal como tu estás, Se tu o dizes, Digo-o e repeti-lo-ei quantas vezes forem necessárias, mas preferiria que me deixassem em paz, se eu fosse coxo em vez de ter este sinal, suponho que não mo fariam notar constantemente”
Caim, José Saramago

Dou-me conta de como é diferente a forma como as pessoas com quem me cruzo me olham desde que ando com pé de gesso e canadianas.
Ainda vêm longe e começam a mirar-me primeiro por baixo, depois o olhar sobe, mira as canadianas e quando estão perto olham-me fixamente nos olhos.

Ouço frequentemente os lamentos de mães de crianças perturbações do desenvolvimento, e com comportamentos diferentes dos habituais. Queixam-se, algumas com sentimentos de vergonha, de como nos transportes públicos, nas lojas, as pessoas olham para os seus filhos, franzem as sobrancelhas e acabam por ouvir comentários onde as crianças passam por malcriadas e eles por pais que não sabem educar.

Contaram-me no outro dia uma situação curiosa. Uma senhora aproximou-se de uma criança com paralisia cerebral, numa cadeira de rodas dizendo “coitadinho”. Resposta pronta da criança, olhe que eu chamo-me Pedro!

A diferença é quase sempre incómoda ao próprio mas também ao outro.

Henrique Amoedo director artístico do Grupo “Dançando com a diferença”, companhia onde se misturam bailarinos com vários tipos de deficiência com outros sem, afirmou que o trabalho que faz lhe permite lidar com o seu próprio preconceito, porque também ele não está fora disso. Considera aliciante descobrir as potencialidades em cada bailarino. O trabalho da dança permite ao bailarino deficiente modificar a sua visão de si próprio, ajudando-os a lidar com as suas dificuldades, sentir-se melhor, aceitando-se.

No palco cruzam-se deficientes motores em cadeiras de rodas, com bailarinos invisuais, mentais como portadores de trisomia 21, vulgo mongoloídes, apoiados por bailarinos "não deficientes"..

Com estes espectáculos o Henrique Amoedo pretende também ir mudando a forma como as pessoas se confrontam com a deficiência dos outros.

Já pude assistir a espectáculos deste grupo. É um grande trabalho!

Assisti também ao que a Companhia de Marie-Chouinard apresentou em 2008 no CCB, um espectáculo de certo modo provocador, confrontando-nos com corpos deformados e com movimentos estranhos.

Apoiados em próteses como canadianas de várias alturas os corpos dos bailarinos transformavam-se ficando com formas muito diferentes das habituais.

Foi um espectáculo de rara perfeição técnica e beleza.

Muitos trabalhos destes, que nos ajudem a lidar com o diferente, sem negar as diferenças, podem vir a ser muito importantes numa sociedade ainda preconceituosa e rejeitante como aquela em que vivemos.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

2 Poemas - Adília Lopes

.
..
1-.

Tenho nós
dentro de mim
que tenho
de desatar..

Tenho nós
dentro de mim
que me estão
a estrangular
.

2 -.

Há portas
que é melhor
fechar
para sempre

Há portas
que é melhor
não abrir
nunca

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Poema - Cristina de Matos Barreiros

.
Son pied blessé emprisonné dans une importante coque rigide
Elle reste coincée à la maison par les intempéries hivernales
Se soumettant ainsi aux aléas d’un sort qui la rend invalide
Pendant quelques longues semaines qui lui semblent bancales.

Imprévu, ce repos imposé la prive de ses patients habituels
Qui impatiemment espèrent à l’hôpital son retour prochain
Pour déverser des problèmes qui resteront confidentiels
Et lui faire sentir l’importance de son indispensable soutien.

Dans les taxis elle qui aime papoter avec les chauffeurs
Echanger, les taquiner pour mieux les cerner et découvrir
Devra attendre que la pluie daigne se retirer en douceur
Pour reprendre plus loin des activités diverses avec plaisir.

Heureusement le site des anciens l’aide à passer le temps
En entretenant de part le monde des amitiés sincères et solides
Tout en se disant que cet hiver humide dure bien longtemps
Et qu’il lui serait fort agréable d’en sentir un départ rapide.

Cristina de Matos Barreiros


Recebi ontem uma mensagem privada cujo título era Petit cadeau.
Lá dentro estava este poema.
Muito obrigada Cristina.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

aconteceu...a propósito do "desenhar durante a escuta -1"

.
A propósito do desenho que postei há dois dias com o título “aconteceu…desenhar durante a escuta”, alguém me perguntou se tinha a ver com as escutas telefónicas, coisa que no último ano esteve na moda.
Não, não, não tinha a ver com essas escutas, mas com aquela escuta do outro que comigo fala, e para a qual tenho, na tentativa de o compreender, de estar atenta, com a chamada "atenção flutuante". Porque enquanto o outro associa nós flutuamos, "acordando" quando algo de especial faz um eco, eventualmente quando os nossos inconscientes se encontram e algo se torna consciente.

Desenhar sempre me ajudou a captar a atenção. Nas aulas do liceu, os meus riscos nem sempre foram bem interpretados. Estaria distraída.
Muitas vezes são riscos, simétricos ou não, curvos ou direitos, sem nenhum aspecto estético. Outras vezes fica giro. Essa não é a finalidade do acto de riscar.
Já nas reuniões de serviço estão mais habituados e já terei contado, alguma vez, que nem sempre o que parece desatenção o é.

O pedagogo e psicólogo Eduardo Claparède (1873-1940), médico neurologista e psico-pedagogo, defendeu numa das suas teses que o bocejo não era um sinal de desinteresse mas uma forma de criar novas condições para se manter interessado. No fundo a oxigenação aumentada do cérebro pelo bocejo, provocaria uma estimulação cerebral, revitalização e um aumento da capacidade de estar atento.
Portanto quando bocejamos estamos a tentar estar atentos e não a deixarmo-nos adormecer.
.
Há nesta explicação uma mudança de sinal muito importante e despenalizadora.
Ora ainda bem!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Poema - Maria Virgínia Varela

.
.
Foto de Sarah Moon
.

SOU

Sou como a onda que rebenta na praia,
Sou como a pedra que rola no monte,
Sou como o vento que bate na vela,
E sou como a água que brota da fonte.
Sinto o meu peito a arder de saudade,
Sinto este amor que já não vale nada,
Sinto o vazio das noites compridas
E preciso de força p´ra seguir esta estrada.
Vejo a alegria nos olhos dos outros,
Vejo a tristeza bem dentro de mim,
Vejo o vagar com que passam os dias
E será que esta vida vai ser sempre assim?
Gostava de rir como dantes fazia,
Gostava de voltar à casa da partida,
Gostava de dar um abraço apertado
E olhar bem de frente sem ter medo da vida.

Maria Virgínia Varela

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

domingo, 10 de janeiro de 2010

aconteceu estar a ler - 2

.
(...) "Certa vez o tal Bobby tinha saído num barco e naufragara. Como pôde, agarrou-se a um tronco que andava por ali a flutuar, um tronco milagroso, e esperou que o dia chegasse. Mas de noite a água cada vez era mais fria e Bobby começou a gelar e a perder forças. Cada vez se sentia mais fraco e embora tivesse tentado atar-se com o cinto ao tronco, por mais esforços que fizesse não conseguiu. Contado parece fácil, mas na vida real é difícil atar o nosso corpo a um tronco à deriva. Então, resignou-se, pensou nos seus seres queridos (aqui referiram um tal Jig, que podia ser o nome de um amigo, de um cão ou de uma rã amestrada) e agarrou-se com todas as suas forças ao tronco. Então viu uma luz no céu. Julgou, ingenuamente, que se tratava de um helicóptero que tinha saído para o procurar e pôs-se a gritar. No entanto, não tardou em reparar que os helicópteros fazem um som de hélice e a luz que via não fazia esse som. Passados uns segundos apercebeu-se de que era um avião. Um enorme avião de passageiros que ia cair directamente no sítio onde ele estava a flutuar agarrado ao tronco. De repente, desapareceu-lhe o cansaço todo. Viu passar o avião mesmo por cima da sua cabeça. Ia em chamas. A uns trezentos metros donde ele estava o avião espetou-se no lago. Ouviu duas ou talvez mais explosões. Sentiu o impulso de se aproximar do sítio onde tinha acontecido o desastre e assim fez, muito lentamente, porque era difícil manejar o tronco como se fosse um flutuador. O avião tinha-se partido em dois e só uma parte é que ainda flutuava. Antes de chegar, Bobby viu como se afundava lentamente nas águas novamente escuras do lago. Pouco depois chegaram os helicópteros de salvamento. Só encontraram Bobby e sentiram-se defraudados quando este lhes disse que não viajava no avião, mas que tinha naufragado no seu bote, enquanto pescava. De qualquer modo, ficou famoso durante um tempo, disse aquele que contava a história." (...)

in 2666, de Roberto Bolano, p 281, 2009 Quetzal Editores, Edição Especial
.
É esta forma minuciosa, pormenorizada mas de leitura fácil, com pontas frequentes de humor, que nos agarra à leitura. O peso real do livro é que a dificulta.
.
O bold é meu. Acho uma delícia a expressão do sentimento dos pilotos salvadores.
.
Associei com os nossos noticiários, o escandalo vende sempre mais, salvar alguém de um naufrágio de bote é menor que de uma queda de avião. Mesmo assim, o naufrago "ficou famoso".

sábado, 9 de janeiro de 2010

Poema - Maria do Rosário Pedreira

.

O gato lembra-se de ti nos intervalos. Espera
de olhos acesos as histórias que nos contas.
Passeia-se inquieto sobre o meu parapeito e eriça
o pêlo, cumplice, quando pressente que regressas.

Chegas sempre de noite. Sei quem és e ao que vens
e ofereço-te o silêncio de um pequeno quarto recuado,
as sombras das traseiras na minha pele, o tempo
de repetir um gesto inevitável. Ouço-te contar
a mesma lenda com lábios sempre novos. Aprendo-a
e esqueço-a. Nunca a saberemos de cor, o gato ou eu.

Depois partes. Levas contigo a tua voz, mas a música
fica. Eu fecho as portadas devagar. O gato mia baixo
à janela. Ninguém acena: guardamos com os outros
o segredo das tuas visitas. Ambos. O gato e eu.
.
Maria do Rosário Pedreira

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

aconteceu... a propósito de uma notícia - 3

. Fotografia - Magda


Um passeio pelo Parque Natural do Douro Internacional é para se fazer lentamente.
.
Hoje relembro Miranda do Douro e o passeio de barco pelo rio. Muitos espanhóis, alguns outros europeus, poucos portugueses.
.
O guia pede que durante o passeio não se faça barulho. É um passeio virado para ver e ouvir.
.
O barco vai andando pelas águas do rio que corre num vale escavado, de águas profundas e rodeado pelas arribas.
.
A palavras do guia vão chamando a atenção para algumas coisas. Depois cala-se.
.

Um silêncio espantoso, tranquilizante.
.
Chama-nos a atenção para ninhos de cegonhas pretas. Ficamos a saber que as cegonhas voltam todos os anos ao seu ninho, mas se ele tiver sido mexido, abandonam-nos e vão fazer noutro sítio uma nova casa para nidar. Frequentemente os intrusos são caçadores selvagens.
.
Lá no alto vê-se um grifo, mais além algumas águias de espécies diferentes. Estão a voltar depois de um período de em que tinham desaparecido.
.
Procuramos lontras nas águas. Vemos duas cabecinhas. Têm rareado nos últimos tempos, também são cobiçadas pelos homens.
.
A proteção do Parque tem evitado muita dizimação.
.
Leio há dias uma notícia do Público, informando que desde outubro não há vigilantes no Parque do Douro Internacional. Mas então, como é, classifica-se mas não se dá continuidade à proteção?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

aconteceu hoje -1

.

Pai, hoje postei um poema teu datado de 1953
Tinha eu 1 ano.
Sempre te preocupaste com o sofrimento dos outros
As dificuldades de quem nasce em berços parcos.

Entrei hoje na idade que tinhas quando morreste,
Eras de facto muito novo para morrer
Na altura não tive completamente esta noção.

Não sabes, já cá não estavas,
Mas a Mãe também foi embora neste dia
No dia dos meus anos
Mais uma coisa que nos uniu,
Como se isso fosse preciso...
.
Convosco dentro de mim
Sinto uma sombra de tristeza, mas
É com prazer que olho para os meus filhos
Para os meus netos
E vejo que a vida continua.
.
Magda

Poema - Henrique A. Jorge

.
NO CIRCO
.
Entram os palhaços no redondel
riem os adultos e riem as crianças,
e dos sapatos grandes do faz-tudo
saem coelhos e pombas brancas.
Faz-se um silêncio longo
com o homem do trapézio a baloiçar nas alturas.
Mas na ponte de ferro que atravessa o rio
da escarpada encosta
ninguém liga ao pintor de fato de macaco,
e na casa que sobe quase às núvens
no trolha que caminha em traves.
Mas no jornal e todos os dias
leio em silêncio o que ninguém repara:
horas sombrias...
.
Henrique A. Jorge (1920-1978)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

aconteceu...a propósito de uma notícia - 3


Imagem retirada da Net

.

Esta imagem de uma santa com cara de gata estava à porta do Gat Hotel, ali para os lados do Rossio.

Tive conhecimento disso através dum programa de televisão em que foram entrevistadas pessoas que passavam na rua do hotel.
Pretendia-se saber qual a reacção a esta "virgem".
Houve várias que se sentiram ultrajadas, indignadas nas suas crenças, outras acharam engraçado, interessante.
.
Tinha combinado com umas colegas minhas dos Anciens, todas amigas ou donas de gatos, uma peregrinação ao Hotel, seguida de um chá.

Faltava combinar o local de partida e para ser a sério quem sabe se seria a pé, pelo menos desde o metro ou do parque de estacionamento do carro...
.
Num passeio de reconhecimento depara-se com o nicho vazio.
.
Informação recolhida na recepção: atendendo aos protestos, a direcção resolveu tirar a escultura.
.
Que tristeza! Que mediocridade! Um bom exemplo de como somos tão pouco livres, tão conservadores por baixo de uma capa de modernice!

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Aconteceu...no Serviço Médico à Periferia – 2

.
Ao jantar, a auxiliar de acção médica pôs o tabuleiro na mesa de apoio e levantou a tampa do prato aquecido para eu ver o bom aspecto da comida. Pergunto-lhe com alguma ironia se não há vinho para acompanhar o piteú, ao que ela me responde com um ar muito sério que “no hospital não se serve vinho” e aponta-me para a garrafa de água de Fastio que está a meu lado na mesa-de-cabeceira.

O meu pensamento transporta-me de imediato para o meu Serviço Médico à Periferia.

Uma vez que Moimenta da Beira não tinha hospital, as urgências eram feitas em Armamar, vila situada bem em cima do rio Douro. O hospital, oferecido por um “brasileiro” da terra era um bom edifício e razoavelmente equipado. Enfermarias para cerca de 50 doentes, homens e mulheres, salas de cirurgia, de dentista, de radiologia, e maternidade.
As enfermeiras eram religiosas. Havia também um funcionário sem formação específica que às vezes era porteiro, outras vezes auxiliar de acção médica e que também conseguia fazer radiografias a ossos longos em pessoas magras. Médicos seniores, nenhum, só nós os policlínicos, P3 como nos alcunhávamos, no 3º ano depois de ter acabado a licenciatura e no 1º com autonomia clínica.
Como devem perceber, não eram usadas parte das potencialidades existentes no hospital.

No meu 1º dia de urgência, tive de internar 5 doentes. Nenhum dos casos que internei era grave, mas as distâncias e os poucos transportes levava-nos a deixar no hospital estes casos com a finalidade de fazer algum tratamento que noutras condições se faria em ambulatório.

E ao recolher os dados clínicos, a todos perguntei sobre os seus hábitos alcoólicos. Bebiam todos um garrafão por dia. Perante tal coincidência e mais uma vez pela minha falta de cultura local, optei por pensar que "garrafão" era um regionalismo. Longe de mim saber que da jorna faziam parte 5 litros de vinho que eram bebidos durante o trabalho!

Essa noite não poderá nunca ser esquecida. Os tais doentes do garrafãozinho entraram todos em estado de privação, com agitação psicomotora, estado confusional, tremor, um deles teve mesmo alucinações, enfim, quadros de delírium tremens. Um, grande e forte, tentava apavorado, em pé em cima da cama, apanhar bichos que só ele via na parede.E todos no mesmo quarto!

Eu e a minha colega, que embora não estivesse de urgência me fazia companhia, uma agarrada ao telefone a pedir indicações a um colega da psiquiatria, a outra a fazer cumprir as instruções, lá conseguimos sedar os doentes e resolver a situação.

Escusado será de dizer, claro está, que ficou instituído a partir desse dia “dieta alcoólica” para certas pessoas, um copo de água cheio de vinho a cada refeição.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

aconteceu hoje - 1

.
Talvez por estar a ler o 2666, puseram-me no quarto 206. Era o número que emparelhava melhor.
.
O desenho do Vicente já não está cá,.
O novo gesso todo branquinho aguarda outro momento de inspiração.

Poema - João Farelo

.
ESPERANÇA

Será a esperança uma ilusão
Neste mundo em destruição,
Ou é a esperança algo real
Em que valha a pena acreditar.
Será...a motivação para mudar?
Ter esperança é ter fé;
Acreditar na mudança;
Pois o estado constante
Ganha demasiada importância,
Esperança é algo Universal
Sentida por todos como tal.
Todos têm a esperança
Que se deixe de matar
Pois a esperança é acreditar
Que cada dia que passa
O homem luta e desespera
Para melhor se compreender
Pois não há dúvida alguma
Que a esperança é a última a morrer!

João Farelo (1980-2001)

Este poema foi-me enviado pela Maria Vírginia Varela de quem postei O Tempo no dia 22 Dez 2009.
Dizia no pequeno texto que me fez chegar (...)"poesia escrito pelo João, poucos meses antes de partir. Publica-o em sua memória e em homenagem ao seu pai Mário Nuno, meu grande amigo de sempre."

domingo, 3 de janeiro de 2010

aconteceu estar a ler - 1

.
(...) "Escolhia A Metamorfose em vez de O Processo, escolhia Bartleby em vez de Moby Dick, escolhia Um Coração Simples em vez de Bouvard e Pécuchet, e um Conto de Natal, em vez de Um Conto de Duas Cidades ou de As Aventuras Extraordinárias do Sr. Pickwick. Que triste paradoxo (...).
(...) Já nem os farmacêuticos ilustrados se atrevem com as grandes obras, imperfeitas, torrenciais, as que abrem caminho no desconhecido. Escolhem exercícios perfeitos dos grandes mestres. Ou, o que é a mesma coisa, querem ver os grandes mestres em sessões de esgrima, mas com combates a sério, nos quais os grandes mestres lutam contra aquilo, esse aquilo que nos atemoriza a todos, esse aquilo que nos acobarda e verga, e há sangue, feridas mortais e fetidez." (...).
.
Imagem retirada da net
.

No Inimigo Público de 9 de Outubro 2009 pôde-se ler:

“Dois mil seiscentos e sessenta e quantos?”
“Intelectuais pedantes não gostam que o título seja “2666””
“A Bola garante que Jorge Jesus seja Roberto Bolano”
“Código do cartão multibanco da maioria dos portugueses é 2666”
“ TVI ainda não sabe como enfiar à má fila referências a Roberto Bolano nos “Morangos com Açúcar””
“ Figuras públicas pediram reforma antecipada para ler 2666”

A mim bastou-me ser Natal, oferecerem-me o livro e ter muito tempo livre pelo pé partido que me obriga à imobilidade.

Da leitura hei-de ir dando notícias, mas sem saber sempre para onde se vai, ora com tonalidade mais depressiva ora irónica, a leitura é agradavel e prende. O livro é que é um tijolo pesado e pouco prático. Vou na página 271.



sábado, 2 de janeiro de 2010

aconteceu no Serviço Médico à Periferia - 1

.
Faz hoje 30 anos que iniciei o Serviço Médico à Periferia (SMP), numa vila do norte frio de Portugal, a mais de 300 quilómetros de distância e por más estradas.

Para quem não sabe o que isso foi, direi que foi uma tentativa de dotar de médicos zonas pouco ou nada cobertas na área da saúde. Era no 3º ano depois terminado o curso de medicina e antes de se iniciar a formação para especialista, e tinha a duração de 1 ano.

A colocação era feita por escolha voluntária de uma terra e depois por sorteio quando o número de inscritos ultrapassava as vagas. Nesse dia a sorte não estava do meu lado e fui saltando de terra em terra até ficar lá longe de Lisboa, numa terra da qual nunca tinha ouvido falar.
Li depois bastante sobre esta zona, também conhecida por Terras do Demo, uma vez que Aquilino Ribeiro por ali nasceu e muito escreveu sobre ela.

Eu e uma colega, que nos conhecíamos relativamente pouco, saímos de Lisboa, comigo a guiar, com o espírito de quem vai para uma missão, obrigatória, quiçá para ambiente de guerra.

Passei por casa dela para a buscar e a mãe confidenciou-me que tinha estado para chamar o médico porque a filha de noite só vomitava e sentia que ia morrer…

A viagem fez-se em silêncio.

Os psicanalistas que interpretem, mas em vez de irmos parar a Moimenta da Beira, no distrito de Viseu, fomos parar a Aguiar da Beira, distrito da Guarda. Encontramos uns grandes pedregulhos e ficamos aliviadas ao fazer os quilómetros que nos separavam do verdadeiro destino, supondo que teria de ser melhor.

Fomos para lá obrigadas, mas ao fim de pouco tempo estávamos integradas. Aprendemos a gostar das coisas simples da vida, das gentes, das comidas, das paisagens, das festas populares. Fizemos amigos que se mantêm até hoje.
O regresso, um ano depois também foi triste, uma parte de nós ficou por lá.

E tal como no filme que referi no escrito de ontem, e a propósito das diferentes linguagens, vou recordar um doente que vi no 1º dia de consulta. Começou por me dizer que a razão da consulta era por “ir muito ao campo”. Lisboeta que sou, e jóvem que era, não achei que isso fosse muito grave e fiz-lhe ver as vantagens do campo e do ar puro. Ao que ele me disse que eu não teria percebido bem, e quis ajudar-me dizendo que “dava demais do corpo”.
Iinterrompi a consulta e fui perguntar à senhora enfermeira que me dissesse qual o significado destas frases, e depois do o saber pareceu-me óbvio, o homem estava com diarreia!

Lição nº 1, passar a estar atenta às diferentes formas de denominar as mesmas coisas, e à cultura local, o que só nos enriqueceu
.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

aconteceu...um filme "Bem-vindo ao norte" - 1

.



Hoje estive a ver o filme "Bem-vindo ao Norte", com título original de "Bienvenue chez les Ch'tis", realizado por Dany Boon.

Comédia que me fez sorrir e até rir.

Trata-se da ida de um funcionário dos correios para o norte de França, local com cultura e linguagem diferente. Contrariamente ao esperado ele adaptou-se com muito prazer e uma excelente integração.

Ainda bem que vi o filme na versão original, em francês e sem legendas. É que a tradução, conforme se pode ouvir nesse pequeno extrato do youtube, não transmite toda a confusão que um sotaque diferente pode criar.

Bartoon - 1º de Janeiro 2010

- Este dia 1 de Janeiro tem as suas vantagens
- Que vantagens?
- As pessoas costumam acordar muito mais tarde
- Dá menos tempo para as coisas correrem mal