domingo, 31 de outubro de 2010

sábado, 30 de outubro de 2010

Poema - Ferreira Gullar

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MEU PAI
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meu pai foi
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem

quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica
Fluminense ele
examinou o estojo com
o nome da loja dobrou
a nota de compra guardou-a
no bolso e falou:
quero ver
agora qual é o
sacana que vai dizer
que eu nunca estive
no Rio de Janeiro

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Aconteceu...há mar e mar, há ir e voltar

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A organização de uma viagem é para certas pessoas, mesmo que sempre prontas para ir, muito complicada. Deixam quase tudo para a última da hora e arrastam-se, em dúvidas, e hesitações sobre o que levar, o que deixar, como arrumar, enfim, é mesmo até ao último minuto.
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Há uns anos, um grupo de quatro amigos, resolveu ir a Paris de camioneta. Como partia às 6h da matina, juntaram-se na casa de uma delas e lá ficaram encostados a tentar dormitar, para depois partir juntos. Acho que não conseguiram, a dona da casa andava para a frente e para trás, à procura do que levar, sem acabar de arrumar...nem deixar descansar. À hora de partir, estava cansada mas tinha conseguido ter tudo pronto.
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Como se movimentos internos contraditórios existissem dentro das pessoas, partir de casa é um pouco a aventura, o afastamento, a perda da base de segurança conhecida. Mas o desconhecido atraí, e a curiosidade, vivida com segurança, pode ajudar a afastar do conhecido, separar.
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Margareth Mahler, psicanalista que estudou o desenvolvimento psicológico da criança e conceptualizou uma teoria sobre as psicoses infantis, descreve a certa altura do desenvolvimento infantil, quando a criança começa a ter autonomia para se afastar da mãe (aqui como figura de ligação e segurança para a criança), como ela se afasta um pouco, olha para trás, avança mais um pouco e depois volta completamente para junto da mãe, às vezes toca-lhe, para depois recomeçar a afastar-se. Este voltar para depois partir de novo, é como se a criança fosse à bomba-mãe encher o depósito de gasolina-afectiva.
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Curiosamente, quando as pessoas viajavam muito de carro, hoje é mais de avião, os receios motivados pelo afastamento eram sobretudo nos primeiros cem quilómetros, nem que ainda faltassem mil. Mas a partir dessa altura era mais a vontade do novo que prevalecia e até já carregavam no acelerador.
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Quando se vai de férias, deve-se encher bem o depósito afectivo antes de partir e ir gastando-o com moderação. Daí a importancia para mim de comer bacalhau com todos na véspera da partida para uma viagem a Terras de Vera Cruz...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Poema - Sophia de Mello Breyner Andresen

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OS PÁSSAROS

Ouve que estranhos pássaros de noite
Tenho defronte da janela:
Pássaros de gritos sobreagudos e selvagens
O peito cor de aurora, o bico roxo,
Falam-se de noite, trazem dos abismos da noite lenta e quieta
Palavras estridentes e cruéis.
Cravam no luar as suas garras
E a respiração do terror desce
Das suas asas pesadas.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Aconteceu...a dificuldade de decidir aumenta quando pressionados de forma inadequada?

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Vivemos de vez em quando situações que deixam dentro de nós sentimentos vários.
Quer na vida pessoal quer na profissional, temos frequentemente de fazer a análise de situações e tomar as resoluções que nos parece mais adequadas. Quanto maior é a necessidade de decidir, mais necessitamos de ser habilidosos na avaliação.
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Se trabalharmos em certas profissões, como os médicos intensivistas, que lidam com a vida e a morte no momento, é necessário decidir ao segundo. É preciso uma cabeça muito organizada e espírito frio.
Noutras, em que a vida e a morte não estão tão presentes, poderemos ter de atender a outros factores, alargando o campo da observação.
É o caso das situações com certo tipo de jovens, sem limites, com problemática pessoal, familiar, escolar, policial e jurídica de longa data, e que por já terem ultrapassado o comportamento admissível, são levados aos médicos e aos serviços de saúde como recurso último.
Nem sempre os serviços de saúde são a solução.
Apanhados nessa onda, somos postos à prova. Temos de decidir, não ao minuto mas na hora, ali.
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Porque há sempre outros lados, passamos por frios, ouvimos críticas que começam por ser a Portugal, depois aos serviços de saúde e acabam em nós.
Não é boa técnica exigir insultando, amedrontando com ameaças veladas. Podemos ficar contaminados com os sentimentos de injustiça que nos estão a fazer viver. Exige um maior trabalho psiquico de quem recebe a desqualificação continuar a analisar objectivamente para depois decidir.
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Há situações mesmo lixadas, não tem outro nome. E temos mesmo de as viver, seja qual fôr a hora do dia ou da noite, basta chamarem-nos e sermos nós quem tem de responder.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

Poema - António Maria Lisboa

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POEMA DO COMEÇO
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Eu num camelo a atravessar o deserto
Com um ombro franjado de túmulos numa mão muito aberta
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Eu num barco a remoa a atravessar a janela
Da pirâmide com um copo esguio e azul coberto de escamas
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Eu na praia e um vento de agulhas
Com um Cavalo-Triangulo enterrado na areia.
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Eu na noite com um objecto estranho na algibeira
- trago-te Brilhante-Estrela-Sem-Destino coberta de musgo.

sábado, 23 de outubro de 2010

Aconteceu... hehe, toca a beber vinho onde o IVA vai subir menos que no leite com chocolate


“Em virtude do Orçamento de Estado, houve aumento do IVA de 6% para 23% referente ao leitinho com chocolate que é fornecido, pelos estabelecimentos de ensino públicos, ao pequeno-almoço dos alunos. Por este motivo passa a ser disponibilizado aos mesmos, pela manhã 1 pacote de vinho tinto/branco que mantêm a taxa de IVA a 13%.”

Era de supor que anedotas como esta começassem a circular. Acredito que o leite servido nas escolas, a bem da obesidade infantil, seja simples e sem aditivos.
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Quando eu estava no Serviço Médico à Periferia, numa zona vinhateira, o vinho fazia parte integrante da vida das pessoas desde tenra idade. Os choros dos bebés eram acalmados com uma “boneca”, chucha artesanal feita com um quadradinho pequeno de pano dentro do qual era colocado açúcar, e cujas pontas eram presas com um atilho. Molhado em vinho, era dado como chucha à criança, que acalmava e dormia.
Antes de ir para a escola, e para "alimentar" e aquecer, um bocadinho de vinho com açúcar.
Quando já trabalhavam, parte dos pagamentos da jorna era feito em vinho. Como diziam os trabalhadores rurais, a força vinha "a poder do vinho". Era "um garrafãozinho" de cinco litros, que era bebido durante o dia.

Obviamente que quem se lixava era o fígado e vi pessoas de pouco mais de vinte anos a morrer com cirrose hepática.

Nessa altura não havia tantas crianças cujas professoras se queixavam com queixas de hiperactividade e deficit de atenção como hoje em dia. Algumas, as das "bonecas", até seriam mais paradas e sonolentas. Sabemos como o álcool nas crianças queima as células do cérebro, depois as do fígado. As crianças não aprendiam, un point c´est tout!

Se a blague dos pacotes de vinho fosse verdadeira, que diriam os laboratórios da indústria farmacêutica que vendem psicoestimulantes, usados para os meninos que não param quietos? Portugal, que não quer nunca estar atrasado em nada… tenta aproximar-se em percentagem do uso nos EUA.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Poema - Manuel António Pina

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COMPLETAS

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Aconteceu...no Serviço Médico à Periferia - 6

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Há imensas acontecimentos que nos inquietam e perante os quais reagimos de forma absolutamente ridícula. Queremos livrar-me de qualquer maneira do incómodo, seja de como fôr, nem que seja um grande disparate.
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Já aqui falei várias vezes da minha experiência médica no início da minha vida profissional, na Beira Alta, durante o Serviço Médico à Periferia. Esta será mais uma história desse tempo.
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Um dia, para azar meu, tenho de acudir inutilmente a uma criança que levaram ao posto de saúde onde eu estava a trabalhar. Foi uma enorme trapalhada, movimentação, choros, gritos e a minha total impotência porque já chegou cadáver.
Foi muito complicado para mim gerir os sentimentos de me confrontar com esta situação.
Mais tarde tive de preencher uma certidão de óbito, também pela primeira vez. Como a criança tinha sido atropelada, pus como causa de morte provável traumatismo ou coisa parecida, não me lembro muito bem. O que sei é que nesse dia à tarde, ia eu na rua e um homem aproxima-se de mim, apresenta-se, era o Delegado do Procurador da Republica lá na terra e informa-me que eu teria no dia a seguir de ir fazer a autópsia ao miúdo.
Juro, má informação minha, mas eu não sabia que isso era uma ordem. Certamente que fiquei aflita, tanto mais quanto achava não saber fazer tal coisa, tinha visto uma e de má vontade durante o curso. Não achei pois melhor resposta do que dizer que não podia porque já estava com um compromisso.
Para a justiça não há outros compromissos, só os dela, e eu vi-me ali numa situação que, percebi depois, seria uma nódoa na minha carreira profissional.
Eu que achava que não ia conseguir. e se ainda estava muito incomodada com a situação que se tinha passado de manhã, como aguentaria uma outra?
Felizmente que uma colega e amiga ofereceu-se e foi autorizada a substituir-me.
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Mas a espontaneidade, coisa óptima em certas circunstâncias, pode, se usada como fuga sem a análise e o conhecimento das situações, ser uma inimiga.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Aconteceu...foto - a janela do 5º andar

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....................................Foto - magda

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Poema - Gonçalo M Tavares

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CONSELHOS INÚTEIS

Não é um roubo retirares da paisagem
uma andorinha ou uma cadeira, mas não é simpático.
Daí a considerares o que digo um convite à imobilidade,
parece-me exagero.
Move-te, sim, mas acrescentando
coisas e assuntos à paisagem onde entras. Eis só.

domingo, 17 de outubro de 2010

Aconteceu...falar para partilhar e pensar ou para despejar, não é a mesma coisa

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E blá blá bli, blá blá blá, a Francisca não se calava. As frases saiam, juntas umas às outras. O discurso era imparável e factual! Coisas actuais, antigas, tudo servia para ela falar. Impossível interromper, fazer um comentário, uma pergunta, um esclarecimento, aprofundar o assunto. Espera, deixa-me contar, dizia, e continuava. Ela queria era falar. Queria ou precisava?
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Um cansaço começava a invadir-me. As palavras dela começaram a misturar-se, parecia que andavam em espiral, do cocuruto da minha cabeça, desciam até quase aos pés, ia ficando pesada, perdendo o sentido às frases e um grande sono a invadir-me.
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Estamos sós naquele canto mas na sala há mais gente. Que vai observando a cena e percebendo que vou entrar num sono comatoso.
E o Pedro aproxima-se pé ante pé e senta-se ao meu lado, como que autorizando-me a adormecer.
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Não sei quanto tempo dormi.
Soube mais tarde que ela não deu pela troca de interlocutor, e continuou a falar, exactamente no mesmo ritmo e continuando no mesmo ponto onde estava quando "falava" comigo.
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Acordei. O Pedro afasta-se e a Francisca continua a falar. Depois diz-me, que bem que me soube, precisava mesmo que alguém me ouvisse.
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Falar para que alguém ouvisse, disse ela, mas deveria ter dito falar para despejar em ti algo incómodo sentia dentro dela. Por isso ficou mais aliviada. E eu cansada, o sono foi a minha salvação! Terei sonhado?

sábado, 16 de outubro de 2010

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Poema - Alexandre O ´Neill

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A VIDA DE FAMÍLIA

a vida de família tornou-se bem difícil
com as contas a pagar os filhos a fazer
ou a evitar a ranhoca a limpar
a vida de família não tem razão de ser
não tem ração de querer

a vida de família jangada da medusa
é o tablado da antropofagia

mas ficam os retratos cristo virgem maria
e os sobreviventes, que vão chupando os dentes

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Aconteceu...vários olhares sobre uma mesma situação

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As cenas transmitidas ontem pela televisão, da libertação dos mineiros chilenos, apareceram numa conversa que hoje tive com jovens.
Foi curioso, todos tinhamos visto. De facto, foi uma situação tão emocionante, que era quase impossível ignorar.
Cada qual sublinhou depois o que mais o impressionou.
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O Tiago, bastante racional e que assim se defende das emoções, referiu que foi fabulosa a actuação da empresa de salvamento, empresa estatal chilena, montada durante o regime de Salvador Allende. Criticou a falta de condições dos mineiros e dos patrões que querem tudo pelo mais barato, mesmo que com menos condições de segurança para os trabalhadores.
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A Inês achou que o mineiro que tinha 19 anos de idade, menos do que a autorizada para trabalhar no interior das minas, devia ser castigado porque tinha mentido. Se lá ficasse teria sido bem feito.
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A Sofia, mostrou-se horrorizada, que ela não teria sido capaz de lá estar, e dizia com uns gestos teatrais e trejeitos na cara que devia estar tudo cheio de minhocas, e de baratas. E começou a falar dos seus medos das aranhas, e como grita logo por alguém quando vê alguma, como ia aguentar lá em baixo?
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O Júlio, falou no medo da morte. Ali sozinho, sem família... o isolamento, com o medo que tem do escuro, não teria aguentado. E ficou em silêncio, talvez assustado só da ideia, mas também à espera do que os outros diriam disto.
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Só faltava o Abílio falar. Conheço-o bem. Frágil e inseguro fartou-se de fazer troça da Sofia e do Júlio. Mariquinhas, menina, ele que começou a querer fazer “parcourt” para vencer o medo e mostrar-se forte aos olhos dos outros! Só que ao fim de poucas tentativas caiu e partiu um pé...
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Há situações em que é normal ter-se medo, porque o medo pode ser uma arma de defesa pessoal.
Foi uma experiência muito complicada pela qual aqueles homens passaram. Claro que são homens habituados a correr perigos, o trabalho deles é um perigo constante pouco ou nada reconhecido pelos empregadores (li que um mineiro no Chile ganha cerca de 300€ por mês, sendo a vida tão cara como em Portugal).
É provável que alguns vivam situações de stress post traumático, com rememoração da situação frequente e de forma incómoda, dificuldade em dormir com sonhos de repetição e outros sintomas.
Mas terá sido muito importante para manter a calma durante o tempo em que estiveram lá em baixo a segurança e confiança que o chefe do grupo soube transmitir.
Tal como um comandante de um navio que está a fundar-se, foi o último a sair.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Aconteceu...que o jardim começa a amarelecer

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.....................................foto - magda

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Poema - António Ramos Rosa

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DO LADO DA MELANCOLIA COM AS ÁRVORES DAS ESTRELA
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Em lucidez plana de espaço silencioso
e de tensão repousante estão as árvores do sangue
com as suas aves brancas e seus diademas brancos
Os tendões da atenção sustentam a coluna branca
sob a chuva deslumbrante que as pombas atravessam
com frescor estalidos que vão quebrar a cal

Estão as árvores do sangue em tensão repousante
e dir-se-ia que vêem a lua vacilante sob a chuva
e que respiram o odor da chuva o odor lento
e fresco da terra de humidade vermelha
e um navio sob uma nuvem passa na lentidão da chuva
enquanto um pássaro no parapeito de um terraço
desfere duas notas de fina felicidade

O silêncio das árvores vem de um ouvido azul
e perfuma o espaço de deslumbrante solidão
Há uma plácida harmonia entre as árvores dos campos
e as ténues árvores das ramificadas artérias
Ouve-se o que se esconde o seu pudor vegetal
e os nomes levantam-se como vagas ondas
e pousam lentamente como melancólicas aves
de um Outubro em que brilha um sol cor de laranja

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Aconteceu...o Ministério da Educação não EDUCA as crianças e os jovens no comer bem

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Cheguei só agora a casa, tarde, e acabei de comer um prato de sopa, que estava muito boa. Não fui eu que a fiz, mas sei que tinha vários legumes passados, entre eles abóbora (estava amarela), e sei que não tinha batata, porque cá em casa não é uso pôr. A nadar estavam espinafres, ou seriam nabiças? Que bem me soube!
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É um fenómeno curioso o facto das crianças a partir de certa idade, deixarem frequentemente de gostar de sopa e de fazerem uma fita para a comer.
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Também é curioso que uma boa sopa de legumes, sendo dos alimentos mais ricos, não seja uso em muitas casas.
Sei que os legumes são caros, mas por 8-10 € faz-se uma boa panela que dá para várias pessoas ou para vários dias se a freguesia for pequena. E se levar um punhado de feijão, grão, lentilhas e outros legumes que tais, até tem calorias que podem compensar a falta de carne e peixe.
Portanto, é um alimento muito completo, relativamente barato e que não dá assim tanto trabalho a fazer.
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Coitado do meu Pai, com as suas regras, que dizia "Quem não tem fome de sopa, não tem fome de mais nada", e depois corrigia para apetite, porque dizia ele que fome é de oito dias. E era pegar ou largar.
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Fiquei arrepiada com uma notícia de li um destes dias. O Ministério da Educação terá assinado contrato para máquinas dispensadoras de alimentos, a pôr nas escolas.
Parece-me que andamos para trás. Sei o que se pode comprar nessas máquinas, tínhamos uma no serviço, que para além de tudo, gerava cenas entre os pais e os filhos pedinchas. Ali se encontravam pães com aditivos, chocolates, leites com chocolate, bolachas cheias de calorias e garrafas de água, quando a água da torneira é, pelo menos em Lisboa, de muito boa qualidade.
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Quem quer inventar máquinas dispensadoras de sopa fresca e de saladas, leite simples e iogurtes, tudo produtos do dia?
Quem sabe se não fazia negócio.
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Ou, e porque não seguir o exemplo da Inglaterra, onde o Jamie Oliver anda a ensinar nas escolas como comer bem?

domingo, 10 de outubro de 2010

sábado, 9 de outubro de 2010

Poema - Filipa Leal

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ODE LOUCA
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Todos os homens têm o seu rio.
Lamentam-no sentados no interior das casas
de interior e como o poeta que escreve a lápis
apagam a memória como a sua água.
Os rios abandonam os homens que envelhecem
longe da infância, e eles choram
o reflexo absurdo na distância.
Por vezes enlouquecem os rios, os homens,
os poetas nas palavras repetidas
que buscam uma ode que lhes diga
a textura. Todos procuram o mesmo:
um lugar de água mais limpa
ou um espelho que não lhes negue
a hipótese do reflexo.
O rio sofre mais do que o homem,
o poeta,
porque dele se espera que nos devolva
a imagem de tudo, menos de si próprio.
Todos os rios têm o seu narciso, mas poucos, muito poucos,
o simples reflexo das suas águas.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Aconteceu...que as formigas não eram almas do outro mundo

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Sentada à minha secretária, vejo um risco preto, oblíquo, móvel, que vai do chão até à janela. É um enorme carreiro de formigas.
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Aconteceu-me há uns anos uma situação caricata que vou relatar. Estava numa consulta a conversar com os pais de um rapaz que tinha umas alterações do pensamento e da percepção, via umas coisas que só ele via, e que o estavam a deixar perturbado e à família também. Acontece que pai e mãe tinham compreensão distinta da situação. Para a mãe, o filho estava doente, para o pai, homem rural, estava possuído e nem percebia que valesse a pena a consulta.
Por hábito, aceito sempre, inicialmente, as opiniões dos pais, e interesso-me por elas. Por isso estávamos a ter uma conversa sobre esses assuntos exotéricos, de almas, bruxedos, relacionadas com a cultura e a vida do pai.
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Lembro-me bem que foi o primeiro dia de frio desse ano, pelo que, a certa altura me levantei e arrastei o aquecedor para mais perto de nós.
Quase em simultâneo se vê um objecto estranho que estava debaixo do aparelho, branco e coberto de coisas minúsculas pretas que se puseram em movimento e encheram e coloriram de preto parte da parede. Não era um carreiro, era uma enorme mancha difusa, milhares de formigas, uma coisa como eu nunca tinha visto.
Abri a porta e um chamei com urgência, quiçá um pouco alvoroçada, uma auxiliar, que veio e trouxe um spray dizimador. Pais e eu aguardamos o fim da operação em pé para continuar a consulta.
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E não sei se por hábito com as aflições do marido "crente", se por alguma inquietação minha, a mãe tocou no meu braço, agarrou-me e disse-me "Calma doutora, são só formigas!".
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E eu fiquei. Mas parece que preciso outra vez do spray.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Poema - Casimiro de Brito

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MEUS PENSAMENTOS SÃO NÓMADAS
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Meus pensamentos são nómadas
e vagarosos
como a água que vem da montanha
e não sabe nada
do coração dos homens. O meu, por exemplo,
tem a leveza do vento
e corre para casa como se fosse
um cão que precede
os passos do dono.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Aconteceu...muitas rotundas para os carros e uma escola quase sem recreio para as crianças

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Dizia-me ontem um habitante da cidade de Viseu, com orgulho franco e sorriso rasgado, que a cidade já tinha 170 rotundas. Percebi que o progresso se mede em redondéis, prédios altos, centros comerciais e outros que tais.
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No mesmo distrito, em Tarouca, levaram-me a visitar por fora a nova escola primária, edifício de boa construção e grande. Gradeamento à volta, mas... onde é que está o recreio? Lá me mostraram um bocadinho de terreno que ficava ali até ao portão. E que, como as crianças não cabem lá, o recreio é faseado.
Mesmo assim não dá para correr ou jogar à bola.
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Diariamente ouvimos as senhoras professoras, a queixarem-se das crianças turbulentas, hiperactivas. Muitas vezes encaminham as crianças para o médico especialista na esperança que saia de lá com um remédio que o torne mais quieto.
Depois de ver aquele espaço minúsculo, fiquei com vontade de sugerir a construção de uma rotunda sem carros mesmo ao pé da escola. E sem escultura, só aplanada, com uns apetrechos de brincar, umas balizas, uns cestos de basquetebol, marcas no chão para se jogar à macaca ou ao avião, e espaço, espaço para que as crianças possam brincar, correr e gastar de forma satisfatória as suas energias nos intervalos escolares!
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Virá daí mal ao mundo se transferirem uma das rotundas de Viseu, e a cidade ficar só com 169?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Aconteceu...exposição de Tapiès

Uma exposição da obra gráfica de Tapiès está no Museu do Douro, na Régua. Cheia de simbolismo, valeu a pena ir ver.
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....................................................Foto - Magda

domingo, 3 de outubro de 2010

Poema - Fernando Assis Pacheco

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Por cada mil pobres só um rico
aqui está um assunto a ponderar
atenção ao comércio de víveres
servido pela rede ferroviária
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não vejo virtude na miséria
Deus pode ter-se equivocado
se precisarem de exterminar alguém
não esqueçam os tropas e os advogados

sábado, 2 de outubro de 2010

Aconteceu...capacidade empática

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Os pais da Ana e do Pedro andaram muito tempo desavindos. Poucas conversas entre eles, entremeadas com discussões e gritos, que depois tentavam abafar ao lembrarem-se dos filhos.
Os irmãos, de menos de 8 anos, abrigavam-se no quarto, assustados, e tentavam apoiar-se mutuamente.
Esta relação entre os irmãos era uma forma de sobrevivência
Duraram algum tempo estas zangas e guerras entre os pais, até que resolveram separar-se. Virados para si próprios pouco falaram com os filhos sobre o assunto, e os miúdos foram para casa dos avós, numas férias prolongadas.
Os pais foram tentar a vida, separadamente para longe. Muito de vez em quando apareciam.
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Dois anos se passaram. Um dia a mãe veio avisar que tinha arranjado namorado e casa e levou a Ana com ela. Foi muito difícil a despedida dos irmãos.
Quinzenalmente ela vinha passar o fim de semana com o irmão e os avós.
Nessa altura brincavam muito. Falavam pouco da sua situação de se encontrarem separados. Para o Pedro, a mãe tinha preferido a Ana. Ela também pensava o mesmo e sentia-se mal com isso.
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Certo dia, estando a brincar no jardim, ouviram um miar aflitivo. Foram procurar e era um gatinho pequeno, muito bonito, amarelo às risquinhas. Estava sozinho. Os irmãos aproximaram-se e ele não fugiu. Deixou-se acarinhar, calou-se por breves instantes.
A Ana, toda entusiasmada, propôs logo ao irmão levá-lo para casa. Vem connosco, disse ela, os avós vão deixar de certeza, tratamos dele e ficaremos com um gato para brincar.
O Pedro hesitou. Então, dizia a Ana, qual é a tua, não gostas da ideia?
Depois de mais um bocado em silêncio, o Pedro sugeriu naquela voz baixa e doce que por vezes tem, vamos buscar leite e uma manta. Quem sabe se a mãe volta para o buscar? A Ana aceitou.
Quando no dia seguinte voltaram ao jardim, o gatinho já não estava lá. O Pedro ficou contente e sorriu de forma discreta e enigmática.
A mãe gata tinha voltado para buscar o seu filho. Talvez um dia...