quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Poema - Carlos Drummond de Andrade

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Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente...

Para você,
Desejo o sonho realizado.
O amor esperado.
A esperança renovada.

Para você,
Desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puder sorrir.
Todas as músicas que puder emocionar.

Para você neste novo ano,
Desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
Que sua família esteja mais unida,
Que sua vida seja mais bem vivida.

Gostaria de lhe desejar tantas coisas.
Mas nada seria suficiente...
Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes e que eles possam te mover a cada minuto,
Ao rumo da sua FELICIDADE!!!

Carlos Drummond de Andrade

aconteceu em viagem...Capadócia -Turquia 1

. Viagem de balão sobre a Capadócia
Foto - Magda 2007
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Aconteceu na Capadócia poder subir alto e de forma suave por forma a poder ter uma perspectiva alargada do que nos rodeia.
Mas mesmo sem balão precisamos de deixar de olhar só para o nosso umbigo. Há todo um mundo à nossa volta e cada dia é um novo dia.

Poema - Miguel Torga

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Recomeça...
Se puderes
Sem angustia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Neste caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
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E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
onde, com lucidez, te reconheças...
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Miguel Torga

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

aconteceu ... a propósito de uma notícia -2

.Família núclear em crescimento
Desenho com lã e papel de jornal com cola
Desenho e foto - Magda
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Há uns dias postei a propósito de um título de um jornal : “Educar as crianças como cães é um alívio para muitos pais”.

Quis ser ligeira, e se calhar fui demais. Tentei ter ironia com a história que contei, mas de facto o assunto é muito importante. Acho que tenho o dever de o retomar.

Para educar um filho é necessário criar uma relação, de amor e respeito mútuo. É criar-lhe um ambiente de confiança, de estímulo. É ajudá-lo a desenvolver as capacidades para escolher o seu caminho e deixá-lo progressivamente ir criando autonomia. É compreender as suas particularidades, o seu ponto de vista, aceitar as suas escolhas.
Estar disponível para para o ouvir e compreender

Nasce uma criança com todas as capacidades? Claro que não, embora com muitas, como tem sido demonstrado por vários elementos da comunidade científica. Mas com potêncial para que se possam ir desenvolvendo na relação com os pais. Esta começa muito provavelmente antes dele nascer, ainda só na fantasia deles.

Criar um filho é contribuir para o crescimento de uma pessoa que um dia será mãe ou pai. E que terá um modelo relacional interiorizado que irá repetir com quase toda a certeza.

Só treino? Peguemos no exemplo da aquisição esfincteriana. A criança pode de facto aprender a usar o bacio por treino. Mas também pode fazê-lo porque entende que isso dá prazer à mãe (pais). Não é por acaso que se exclama perante um belo cocó “mas que lindo presente!”. O motor da aprendizagem foi um prazer partilhado.

Ora um cão é ensinado por técnicas comportamentais que usa o reflexo pavloviano, treino estímulo, resposta e recompensa. Não se está atento ao seus desejos, sentimentos, humor. Educa-se da forma que nos dá jeito, para ser sossegado e fazer-nos companhia, para ser agressivo e lutar e ganhar nos combates com apostas, para nos fazer companhia quando queremos fazer caminhadas, etc

Definir regras, estabelecer limites, transmitir valores será educação canina? Claro que não!

Mas há pais para quem os filhos são vistos como espelhos deles próprios, prolongamentos de si.

Para esses, treinar os filhos, "limar arestas" pode ser o que imaginam ser a educação.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Desenho - Vicente

.Desenho no pé de gesso da avó Magda
por Vicente, 4 anos 7 meses

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Poema - Nuno Júdice e Escultura de Jim Dine

. Jim Dine, Two Big Black Heart, 1985, bronze


PARADOXO ORNITOLÓGICO

Um dia, um homem transformou-se em pássaro e
voou à volta da mulher que esperava que um
pássaro se transformasse em homem.

Nuno Júdice

domingo, 27 de dezembro de 2009

aconteceu ... a propósito de uma notícia - 1


Título num jornal de ontem: “Educar as crianças como cães é um alívio para muitos pais”.

“Não esquecer que todos os mamíferos têm uma matriz de funcionamento semelhante", afirma um pediatra muito conceituado.

"É difícil admitir, mas a verdade é que muitas vezes só funcionamos com a cenoura à frente do nariz", afirma uma psicóloga.

A Mãe da uma amiga minha tentou pôr-lhe uma trela-para-crianças quando andavam na rua. Tinha medo que ela fugisse.


E ela ela investiu tão bem o papel que mordeu a perna de uma senhora!

poema - Carlos Drummond de Andrade

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QUALQUER TEMPO
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Qualquer tempo é tempo.
A hora mesma da morte
é hora de nascer.

Nenhum tempo é tempo
bastante para a ciência
de ver, rever.

Tempo, contratempo
anulam-se, mas o sonho
resta, de viver.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

aconteceu em viagem - 3 Açores

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Em cima da mesa de um restaurante na ilha de S. Miguel estava este postal.
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Os Açorianos compreenderam a possível birra do menino.
Nada como um ananás para reconfortar a criança.

E com vantagens acrescidas.
Diz no verso que:

-Acelera a cicatrização
-Reduz o colesterol
-Melhora a circulação
-Previne a osteoporose e as fracturas ósseas
-Tem acção anti-inflamatória e anti-cancerígena
-Contribui para uma dieta equilibrada
-Previne a secura da pele
-Tem acção antidiurética

Já se vê, para o meu pèzinho, ananás todos os dias!

poema - Luísa Ducla Soares

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AO MENINO JESUS

Hoje é dia de Natal
Mas o menino Jesus
Nem sequer tem uma cama,
Dorme na palha onde o pus.

Recebi cinco brinquedos
Mais um casaco comprido.
Pobre menino Jesus,
Faz anos e está despido.

Comi bacalhau e bolos,
Peru, pinhões e pudim.
Só ele não comeu nada
Do que me deram a mim.

Os reis de longe trazem
Tesouros, incenso e mirra.
Se me dessem tais presentes,
Eu cá fazia uma birra.

Às escondidas de todos
Vou pegar-lhe pela mão
E sentá-lo no meu colo
Para ver televisão.

Luísa Ducla Soares

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

aconteceu no Natal - 1

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Não gosto do Natal comercial, nem da obrigatoriedade de festas de data fixa.
Aqui há uma mais de uma dúzia de anos, resolvemos fugir de Lisboa e fazer só os quatro, uma coisa diferente, um Natal simples na aldeia.

Tenho uma casa de construída pelo meu bisavô na parte velha de uma pequena vila ribatejana. Sendo uma casa simples é interessante, toda ela virada para um pátio central metade coberto e onde uma cisterna recolhe a água das chuvas. Um dos lados do pátio comunica por um arco com um pequeno jardim, que lhe dá uma noção de extensão verde, agradável.

A cozinha é grande, hoje tem lá a mesa de comer e comunica com uma divisão que tem uma lareira grande (fumeiro), onde quase nos metemos dentro.
Quando eu era criança faziam-se enchidos que ali eram fumados.

Perguntei na padaria como era hábito festejar o Natal e explicaram-me, bacalhau com couves, fritos que se faziam à lareira e missa do galo lá para a meia-noite.

À volta da lareira com um fogo bem espevitado e depois do bacalhau, a massa das filhoses (que fizeram o favor de me dar prontinha) foi sendo frita uma a uma, numa frigideira em cima de uma trempe poisada por cima das brasas. Retiradas do azeite eram envolvidas em açúcar e canela e comidas quentinhas, acompanhadas de café de cevada com canela. Coisa simples e tão saborosa!
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Cumprimos quase tudo, porque quando nos demos conta, tínhamos deixado passar a missa do galo.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Poema - Maria Virgínia Varela

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O TEMPO
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É atrás do tempo que me escondo
Quando sinto a saudade dentro de mim,
E, ali fico quieta...mas à espera
Que esta dor um dia tenha fim.
No doce enleio das recordações,
Oiço as palavras que uma boca murmura,
Sinto o teu cheiro no ar que me rodeia
E um abraço cheio de ternura.
Tento esquecer a hora da partida
Que levou todas as minhas alegrias,
E espero que o tempo me ajude
A tornar as noites noutros dias.
Mas o tempo está ali entre nós,
A lembrar tudo aquilo que perdi.
Contos os dias que já passaram,
Só não sei quantos faltam....
Para chegar a ti..!

aconteceu no taxi - 6

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Mais uma vez chamo um taxi.
Depois daquela experiência de apanhar um na rua sem marcação, e em que me sai um chauffeur bêbado, agora só quero taxi com reserva prévia, como aliás é meu costume. Pelo menos sinto-me mais segura, que têm a quem prestar contas, são uma cooperativa de sócios com regras (refiro-me aos taxis da Autocoop que são os que chamo).

Desço as escadas lentamente com o apoio das canadianas e o taxista com um grande sorriso recebe-me e abre-me a porta.

Então está melhorzinha? Quando me disseram que era para aqui pensei logo que devia ser a senhora.

Eu não me lembrava dele, não teria havido história marcante ou nesse dia em não estava disponível para estar atenta.

Pois, disse para me refrescar a memória, andou no meu carro quando foi ao Hospital de Jesus. Ía pôr o gesso, já foi há uns tempos.

Pois já, quase há 2 meses e continuo com o osso sem calcificar!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

domingo, 20 de dezembro de 2009

aconteceu no taxi - 5 Chauffeur alcoolizado

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Ao sair do Restaurante Valenciana, faço sinal a um taxi com a minha canadiana no ar. Talvez não seja muito bonito, mas agora é um prolongamento das minhas mãos. Ele ía em sentido contrário e estranhei que não estancasse, como normalmente fazem. Parou já depois da rua de Campolide. Depois deu a volta.
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A Joana e eu entramos e dissemos para onde queríamos que nos levasse.

Ele estava a fumar e disse qualquer coisa sobre não estragar o carro, (as canadianas?), pelo que eu, que nem sou militante activista anti tabaco comentei que era bom que ele não estragasse os nossos pulmões. Sem grande vontade lá apagou o cigarro e deitou-o pela janela fora.
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Nitidamente a viagem tinha começado mal...mas isto ainda era só o princípio.

Logo nos primeiros minutos percebemos pela forma como guiava, às curvas, quase a bater nos passeios, que alguma coisa não estava bem. O diagnótico foi imediato, o homem estava completamente embriagado!
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Vi a Joana, em silêncio, a começar a mandar mensagens de telemóvel. Estranhei mas estava mais preocupada com o motorista e a nossa viagem.
Meti conversa...sobre as operações stop. Com voz arrastada e empastada, as sílabas a enrolarem-se na língua explica que não vai haver, em Lisboa é só às 5as e 6as feiras, ora estavamos num sábado. E se houvesse,arrisco, faziam teste ao alcóol? Sem dúvida, responde e eu estava feito, lixado, que estou cheio de vinho. Só vinho tinto, que não gosta de outras bebidas. Não sei se acredite mas...
Mais uma guinada e no banco de trás somos atiradas para o lado.
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Ai, ai a minha hérnia! gritava a Joana por cada guinada que o carro dava.
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E o homem continuava despudoradamente a falar, que tinha bebido uns copos, uns 4 precisa, e eu pergunto-lhe tamanho penalty? pode ser, sim desses grandes e mais uns tantos acrescenta.
E sabe, um destes dias a minha filha foi apanhada numa operação stop na 24 de Julho e ficou toda chateada comigo por não a ter avisado. Ía depressa, pergunto-lhe eu, não, você não está a ver bem, ela também ía com os copos.
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Somos novamente sacudidas e passamos uma tangente a uma paragem de autocarro.
.Ai, a minha hérnia, gritou novamente a Joana.
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A saída do eixo norte-sul para a 2ª circular foi um pesadelo. Parecia que o carro não iria dar a curva. Apontado ao separador lateral da curva, só mesmo no último momento e com uma guinada rápida a volta é dada.
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"Ai a minha hérnia!" .
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Já na Estrada da Luz novamente uma paragem do autocarro passa junto da nossa janela. Aproximamo-nos do meu bairro, um bairro classe média, é aqui neste buraco que mora comenta ele sem esperar resposta.

Saio ainda meia perplexa e a Joana continua viagem.
Ao chegar telefona-me logo. Conta que apesar de ser quase meia noite, e depois do taxi passar uma rasante a um autocarro, este terá apitado com força e longamente.
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Fiquei a perceber que as mensagens da Joana eram gritos de socorro para a Vera que tinhamos acabado de deixar.

Estamos loucas ou quê? Porque em vez de mandarmos parar e sairmos, ficamos e continuamos a viagem?

Quanto a mim não tenho dúvidas, senti-me uma jornalista em pleno campo de batalha,mesmo no meio de fogo cruzado, alheia aos perigos, à procura da melhor reportagem.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Poema - Duarte Mata

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POEMA À AVÓ MARGARIDA

Querida Avó!
Querida Avó Margarida!

Já sabia que a Família, os amigos e os
colegas gostavam muito de ti.
Mas, também os Senhores que fazem os dicionários?!

Imagina que no Dicionário vem que és uma “Pérola”, uma “Flôr”
E que dentro das flores és uma “Bem-Me-Quer”!

Nunca me tinhas dito que vinhas no dicionário!
Quem são estas Senhores do dicionário que te
Conhecem tão bem?

Já nem me atrevo a procurar o sinónimo de “sexta-feira”.
Deve lá estar escrito concerteza “Dia dos Netos”!

Também podia estar o “Dia da Avó Margarida”...
...mas eu não Os conheço!

Vou precisar de umas décadas para organizar as
Nossas memórias, Avó! Mas temos tempo, Avó!
Agora temos tempo!...

9 de Janeiro de 2006

poema - Maria do Rosário Pedreira

NATAL (À Avó)

ficou vazio o teu lugar à mesa. Alguém veio dizer-nos
que não regressarias, que ninguém regressa de tão longe.
E, desde então, as nossas feridas tem a espessura
do teu silêncio, as visitas são desejadas apenas
a outras mesas. Sob a tua cadeira, o tapete
continha engelhado, com a tua ida.
provavelmente ficará assim para sempre.
no outro Natal, quando a casa se encheu por causa
das crianças e um dos nós ocupou a cabeceira,
não cheguei a saber
se era para tornar a festa menos dolorosa,
se era para voltar a sentir o quente do teu colo.

Maria do Rosário Pedreira

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

aconteceu no taxi - 4 O fadista

Pára sem me olhar. Digo-lhe para onde quero ir e arranca o carro.
Cá está um dos que não fala, pensei.


Vejo-o por trás, parece pequeno e magro, cabelo muito bem penteado talvez com um pouco de brilhantina (escrevi brilhantina e não gel, curioso, talvez porque o homem tinha um ar de antigamente) e um bigode escova preto. Guiava com cuidado.

Ele não falava mas havia um rádio de onde saía fado.
Arrisco “isto é a nova estação Amália?”. Na mouche, a língua destravou.
Criado no bairro Alto, desde miúdo frequentou o ambiente do fado, aos 13 anos já ajudava por vezes na Adega Machado, despejando uns cinzeiros, fazendo uns recados.


Uma noite um americano deu-lhe uma gorjeta gorda.
Ao chegar a casa entregou o dinheiro à mãe. O pai viu e acusou-o de o ter roubado e obrigou-o a ir devolver. Foi com ele à adega e o Machado deu um raspanete ao pai, seu bêbado, achas que o teu filho é ladrão? Tu devias ter orgulho no teu filho!


Continuou com o tio Alfredo, que conheceu tão bem, e mais este e aquela. E lembra daquela vez que estavam lá no Machado uns tipos da PIDE, a senhora sabe quem eram e o tio Alfredo não queria cantar e eles queriam ouvi-lo. Então mandaram-lhe uma nota de dinheiro, e eu interrompo e digo “e ele não cantou à mesma”, ri-se, cantou, claro que cantou!

Do rádio continuam a sair fados. Atiro “este é o Tristão da Silva?” Parece-me o Maurício diz ele. Não lhe disse que nem sabia que havia um Maurício. Que ele começa a falar na nova geração de fadistas, uma categoria. E conta com um enorme orgulho que um dia destes uma senhora mandou-o parar e ele viu logo que era a Ana Moura. “Não desfazendo”, é uma frase que acho uma enorme piada “é uma senhora a sério, inteligente, culta, e que voz!” “E imagine só a coincidência, não é que começa aqui no rádio a tocar um fado cantado por ela? Não me volta a acontecer outra assim, ai isso não”.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

vídeo - me gusta leer

Achei este vídeo muito interessante.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

aconteceu no taxi - 3 A culpa é das mulheres

Foi o 1º taxi em que entrei com separador, por um quadrado de abertura comunica com o cliente . Chauffeur de boné à Lenine, e de conversa imediata.Estava um dia gelado e uma conversa parece que nos aquece.

Naquela profissão desde 1976, vai-me explicando que "isto está muito mau", referindo-se ao lucro de um taxista. Lisboa tem cerca de 4000 taxis, o mais caro não é comprar o taxi é o alvará. Por isso muitos taxistas, como ele, fazem-se sócios de cooperativas que lhes "alugam" o alvará. Há várias modalidades, no caso dele deu o carro, paga as despesas do carro, seguro, oficinas, gasolina, e fica com cerca de 40%do dinheiro do dia.

Mas, diz ele, quando começou a trabalhar em 4, 5 horas fazia o que faz hoje, 70 a 80 € por dia ilíquidos. "Isto está mau" vai repetindo. Lamenta-se não ter ido para a polícia, isso é que tinha sido bem visto, e estava quase reformado. Assim, quando o fizer, vai ficar com "300€ por mês,já viu?", tenho de concordar que é pouco.

Conta da filha, enfermeira, com vários empregos, comprou casa, carro, tem de ser.Mora na periferia de Lisboa e perde horas em bichas.

Como ela, diz, toda a gente tem carro, para que precisam de taxis? "Olhe a senhora, se calhar só precisa por andar assim com o pé". Condescendo, é verdade.
Quer-me convencer das vantagens do taxi, porta à porta, sem pagar estacionamento, nem seguro, nem... Todas as casas agora têm vários carros, nem é só um!
Estamos a chegar ao meu destino e ele faz uma análise sociológica da questão "A culpa é das mulheres, antes eram só os homens que tinham carro"!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Poema - Maria do Rosário Pedreira

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Aconteceu em viagem - 2 Bichinho (continuação)


Eis a nota da comanda de que falei ontem.

Aconteceu em viagem - 2 Bichinho


foto retirada de oyo.com.br

O Tempero da Ângela é um excelente restaurante de comida mineira no Bichinho, como lá dizem.
Na verdade a terra chama-se Vitoriano Veloso mas é mais conhecida por aquele “petit nom".
Não fosse um amigo meu, português!, que por lá tinha passado e certamente teria perdido aquele que foi o restaurante onde melhor comi por aquelas bandas!

Não havia muita gente a comer nas mesas que ficam debaixo do telheiro. Um casal, uma mesa de família, pais 4 filhos já avançados na refeição e nós.

Dentro de casa, um grande fogão de lenha serve de mesa aquecida para buffet mineiro. O almoço deve ter sido lá cozinhado. Tachos e tachinhos de barro, que a comida é variada.
Feijão tropeiro, couve mineira, abobrinha estufada, tutu mineiro, frango com ervilhas e quiabos, lombo assado, torresminho, batatinhas assadas, cada uma com melhor aspecto que a outra.
Para além de um buffet de saladas, de sobremesas e licores.
Preço fixo e barato. É só agarrar no prato e servir do que se quer as vezes que nos apetecer.

Em cima da mesa e desde o início fica o papel “da comanda” onde se vão inscrevendo as bebidas, que não estão incluídas no preço.

E de repente levanta-se um burburinho vindo da mesa da família. Percebemos que discutem a conta, então não eram 14 reais por cabeça, perguntam com irritação? Pois é, nenhum dos membros tinha visto o que está escrito no fim do papel “Atenção: cobramos taxa de desperdício”. Todos tinham deixado restos de comida nos pratos, de forma generosa. Falam todos ao mesmo tempo, discutem, de facto não querem pagar.
Mas regras são regras. E pasmem, não é que a mãe, de forma vagarosa, acompanhada por caretas como quem está a tomar colheres de óleo de fígado de bacalhau, colher após colher, prato após prato limpa os restos todos!

domingo, 13 de dezembro de 2009

Poema - Maria do Rosário Pedreira

QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosário Pedreira

sábado, 12 de dezembro de 2009

aconteceu em viagem - 1 - Tiradentes


Foto - Magda

Pelas ruas de pedra irregulares, a charrete vai andando aos saltos controlados.

O Reginaldo começou nisto de levar os turistas a visitar a sua terra aos 9 anos. Hoje tem 21 anos mas parece à vontade uns 30.
O cavalo é o mesmo, tem agora 12 anos. No começo era tão bravo que ele sentado fingia guiar mas à frente o Rodrigo, parceiro da mesma idade, segurava o cavalo.
Até que o cavalo foi amansando e puderam fazer escala de serviço, um trabalhava outro folgava.

O Reginaldo é um homem crente e muito religioso. Contou várias histórias de verdadeiros milagres, nomeadamente o desaparecimento de um nódulo na mama da sua mãe depois dele ter feito um pedido ao padre Reginaldo de Curitiba.
Essa fé fê-lo ligar a rádio e ouvir a missa dita pelo tal padre durante e enquanto nos explicava a história da sua cidade. De vez em quando benzia-se.

Numa das folgas o Rodrigo foi tomar banho ao Rio das Mortes, que passa aqui em Tiradentes, afogou-se e morreu.
Desesperado com a perda do amigo, o Reginaldo clamava "Ó Rodrigo, Rodrigo!" e a cada chamamento desesperado o cavalo virava a cabeça e olhava para ele.

Por isso o cavalo ficou a chamar-se Rodrigo.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

aniversário de Manoel de Oliveira

Manoel de Oliveira faz hoje 101 anos. Parabéns! A televisão bem podia passar hoje um filme dele, mas parece que não o vai fazer. Apetecia-me rever o Aniki Bóbó.

Poema - Carlos Drummond de Andrade


Foto - Magda


QUADRILHA

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

aconteceu no taxi - 2 Azeite bom

Psiuu, taxi! o carro pára ...chauffeur de uns 60 e tal anos, rádio aos berros nas notícias que vão acabar pouco depois. Apaga o rádio. Silêncio. Aproveito para perguntar se tinha havido alguma notícia de geito, diz-me que pouca coisa, conta-me só da votação da oposição em conjunto numa proposta do Bloco. A música da sua fala foi-me familiar, e pergunto-lhe situando-o na zona da Sertã (este é um exercício que adoro fazer). Confirma que é de perto, Proença-a-Nova, mas que é chauffeur de taxi em Lisboa há quase 40 anos. Nesta época da azeitona vai lá à apanha todos os fins de semana. Está um bocado aborrecido calcula que vai sair azeite de 0,5º e ele gosta pelo menos de 1,2º, "senão não sabe a nada". Já no ano passado saiu com 0,6º. Fala-me de alqueires, do lagar novo lá da terra de que é sócio. E a conversa esprai-se pelos azeites, do colega que fez tropa em Angola e lhe deu um garrafão mas que não lhe toca que fica com o estomago a arder, do outro de Valpassos que também não sabe a muito, do capitão do agrupamento da tropa, hoje advogado em Vila Franca que lhe compra 80 litros por ano, mais o... e o ..., e a cunhada do G.S.M que gosta muito mas compra só 1 garrafão de cada vez.
Obviamente que vou provar do azeite. Fiquei de lhe telefonar depois do Natal, um garrafão para começar a 5€/litro.
Nome do motorista? Tinha de ser, Cristóvão!

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

poema - Manuel Bandeira


Foto - Magda


CÉU

A criança olha
Para o céu azul.
Levanta a mãozinha,
Quer tocar o céu.

Não sente a criança
Que o céu é ilusão:
Crê que o não alcança,
Quando o tem na mão.

Manuel Bandeira

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

aconteceu no taxi - 1 Barro à parede?

Entro no taxi e ele nem se vira. Apercebo um boné à Americana, um cabelo pouco espontado, homem muito magro.
Sou eu que tenho de meter conversa, a propósito do trânsito, cansaço de guiar na cidade. Não foi necessário mais, daí e ficar conhecedora de muitos factos da sua vida, emigração nos EUA, no Canadá, todos os irmãos com cursos mas ele que nunca gostou de estudar, as suas dificuldades de adaptação aos vários sítios, enfim, pouco mais tive de intervir.
Mas dois apontamentos vos deixo.Conta-me que de dia é motorista de taxi, de noite vigilante no Ministério da Educação. Comento "Então, não dorme?" "Claro que sim, acha que os 500€ que recebo como segurança é para estar acordado? Para isso tinham de me pagar muito mais!"
Explica-me que não tem casa. A mulher não o quis mais e pô-lo na rua.
Estamos a chegar ao meu prédio. Pára o carro, vira-se para trás e diz-me "sabe minha senhora, o que me faz falta? Arranjar uma senhora para me fazer companhia".

Aqui há tempos conheci 2 crianças com o pai e a madrasta. Fiquei a saber que a mãe das crianças abandonou o marido e os filhos. O homem, taxista, é dias depois mandado parar por uma senhora que lhe pede para o levar à rua X; só que antes de lá chegar conta-lhe que está a vir de assinar o divórcio e pede-lhe que páre o carro e beba um café com ela antes do fim da viagem, que ela precisa de se acalmar. Bebem o café e ele cumpre o resto da viagem. Chegados à morada do destino ele sobe com ela e nunca mais de lá sai. Foi esse casal que tive à minha frente.

E eu pago e saio apressadamente, não vá o diabo tecê-las!