segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Aconteceu- dia D de Drummond de Andrade - Poema erótico

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Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem. A noite era quente e calma, e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença,aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci.
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.
Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama, te esperar. Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti, pernilongo Filho da Puta!!!!

Acontece...hoje, Dia D de Drummond (31-10-1902 - 17-08-1987)

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O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Aconteceu...carta ao Manuel com poema de Manuel Bandeira

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Sim, também eu vou partir...para Passárgada? Não! Partir o  pé? Salvo seja, mas foi quase em frente da  estátua do Carlos, mesmo ali num banco do calçadão de Copacabana que o parti há dois anos, não, não tive culpa, não me distraíu embora tenha pensado nos seus poemas, em Minas a sua terra natal, olhar a casa onde morou do outro lado da rua, mas foi só um sapato com uma borracha demasiado aderente, ou que aderiu naquele momento sabe-se lá porquê. Para me prender aí? Difícil, muito difícil, a minha vida é aqui, o meu País com letra grande, pobre País da forma que está, mas já começa a morder as palmas das mãos a quem sente. Olha Manuel, amanhã já, vou revisitar-te.  Inté, como  vocês dizem.


Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo incosenquente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente d
a nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei um burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’agua
Pra me contar as histórias
Que no tempo de seu menino
Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não de não ter jeito
Quando de noite me der

Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

domingo, 23 de outubro de 2011

Poema - César Vieira Dinis

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FORMA PERFEITA
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O que hoje sou?
Lembro-me, então,
daquilo que eu era,
o que quis, em vão,
o que julguei sonhar ou
fingir-me de quimera.
Descubro-me bola de sabão
que logo rebentou
ao pretender-se esfera.

sábado, 22 de outubro de 2011

Aconteceu...o rapaz que quer ser mendigo

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"Graças aos seus dotes naturais, Stepane Arkadievitch fizera bons estudos, mas como era preguiçoso e travesso, saíra do colégio entre os últimos da sua classe. No entanto, apesar da vida dissipada que levara, da baixa classificação que obtivera e de ser ainda muito jovem, ocupava o lugar, bem remunerado, de presidente de um tribunal de Moscovo.
Conseguira esse emprego graças ao marido da Ana, sua irmã, (...) que desempenhava um dos mais altos cargos do Ministério, a que se subordinava o tribunal de que era funcionário."

Pode-se ler este bocado de prosa em Ana Karenina, de Leão Tolstoi.

Não sei qual era o projecto de vida que Stefane tinha para si, ou se tinha, mas arranjaram-lhe este emprego e ele adaptou-se.

Já o Ruben, de 13 anos, não tem um cunhado importante. Anda muito aborrecido com a escola que tem. Não se adapta, aprende pouco, é-lhe oferecido o que não é capaz de realizar e por isso não lhe interessa. Tudo na sua vida escolar é sentido como uma obrigação e um falhanço.
Talvez por isso tem um projecto de vida, "ser mendigo". Para ele isso significa, disse, ser livre.

Este rapaz é um candidato a abandonar a escola. E como ela não o preparou para a vida, talvez ele tenha razão, no mundo de hoje talvez venha a vagabundar, mendigar e quem sabe, entrar em caminhos tortuosos, de risco.
Em vez de liberdade desejada, arrisca-se a que se veja ainda mais preso.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Poema - Sophia de Mello Breyner Andressen

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EM NOME
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Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei

sábado, 15 de outubro de 2011

Poema - Sophia de Mello Breyner Andressen

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BEIRA-MAR
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Mitológica luz da beira-mar
A maré alta sete vezes cresce
Sete vezes decresce o seu inchar
E a métrica de um verso a determina
Crianças brincam nas ondas pequeninas
E com elas em brandíssimo espraiar
Em volutas e crinas brinca o mar

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Aconteceu...viagem de taxi com versos

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A propósito do clima nas ilhas dos Açores, dizem, que todos os dias têm as quatro estações do ano. E talvez assim tenha sido hoje, muito inverno, algum outono, pouco verão e primavera.

A chuva, o vento hoje tornavam a descida desagradável. Aquilo que normalmente é um passeio, rua abaixo, lentamente, deixando o olhar espraiar e ir namorando o mar azul e a ilha do Pico ao fundo, seria hoje pouco apetecível.Por isso, em vez de ir a pé chamei um taxi.

Chegou. O motorista com ar envelhecido precocemente, parecia um pescador, tez queimada, com grandes sulcos verticais. Falador, meteu logo conversa. E como se soubesse que eu gostava de histórias nos taxis, começou a debitar versos.

Não vale a pena correr na vida

Porque a nossa vida é vindimada
Cada casa é uma latada
Vem a morte leva tudo
E a gente fica sem nada.

O senhor Carlos Alberto Miguel é um poeta popular. Durante a curta viagem foi versejando, já parado junto ao hotel onde estou fez várias adivinhas, construídas por ele em verso. E suponho que teria todo o tempo do mundo perante uma ouvinte curiosa como eu sou, não fosse a central de taxis chamá-lo.



quinta-feira, 13 de outubro de 2011

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Poema - Natália Correia

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Sou filha de marinheiros
Pelo mar que também quis,
Pela linha da poesia
Sou neta de D. Dinis.
Aquilo que nunca fiz
É a minha bastardia.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Aconteceu...a cultura serve para alguma coisa?

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Escrevi eu a 9 de Janeiro deste ano que "Ao domingo os museus são gratuitos". São, ainda, mas parece que vão deixar de ser.
Sei, a crise. Mas receio que com o pagamento do bilhete, muita gente altere o programa e deixe de ir "passear" pelos museus, criar proximidade com eles e com as obras de arte.
Mais tarde haverá mais gente menos sensibilizada, mais bruta, analfabeta e outras coisas que só empobrecem um povo.

Não tenho a certeza de qual o país em que estive e cujos museus visitei, em que os visitantes do país tinham entrada grátis. É chato, também achei isso uma vez que paguei, mas é uma defesa dos seus habitantes e do seu nível cultural.
É só uma sugestão, ok?

domingo, 9 de outubro de 2011

Aconteceu...formato médio

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            Foto - Magda

sábado, 8 de outubro de 2011

Poema - Nuno Rocha Morais

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Deveria ser dado que morrêssemos
Com um amor ainda vivo em nós,
Como deveria ser dado a um pássaro
Morrer naturalmente em pleno voo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Aconteceu...mas afinal quem é o adulto?

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Uma onda mais forte, e o puto foi enrolado. Não houve perigo, o pai estava lá, mas o miúdo, pequeno de uns 5 anos, braçadeiras coloridas nos braços, assustou-se e chorou.
Depressa o colo do pai o consolou e ambos continuaram o banho.
Até o pai decidir que já chegava, tinha de ir apanhar sol na areia seca. O pai, que a criança não estava pelos ajustes.
Junto às toalhas e à mãe que estava deitada a bronzear-se ouço o pai a proibir, ele a insistir, o pai a querer que ele brinque com o balde e a pá, a mãe a ajudar o pai, sem efeito. O miúdo desceu para a borda de água como se ninguém estivesse a dizer-lhe que não.
Foi então que ouvi o pai dizer-lhe com o seu sotaque brasileiro, olha vai, vai que eu não vou, e sabe que mais, se vire sozinho!
E assim foi.

Passado algum tempo a mãe vai ao banho e o rapaz aproveita a boleia, dando-lhe a mão e avançando um pouco mais pela água dentro.
Pouco depois saiem e sobem para a toalha, enquanto a mãe explica ao filho que a água está a puxar muito e que ela não pode continuar lá. O miúdo ouve-a e comenta para o pai "coitada da mamãe, ela tem medo, apanhou um sustão!"

E lá voltou ele para a água.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Poema - Manoel de Barros

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Idiotas de estradas gostam de urinar em morrinhos de
formigas.
Apreciam de ver as formigas correndo de
um canto para o outro, maluquinhas, sem calças, como
crianças.
Dizem eles que estão infantilizando as
formigas.
Pode ser.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

domingo, 2 de outubro de 2011

Aconteceu...lembrando Sidónio Muralha

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Pareceu-me ouvir um barulho, não não foi a campainha mas veio da porta. Tenho a certeza, segunda vez, lá está, parece um arranhar.
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Levanto-me, confesso com má vontade, estava tão bem no terraço a apanhar um banho de sol, dirigo-me à porta e abro-a. 
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À minha frente ninguém. Mas olhando para baixo, rente ao chão, lá está ele, preto, com o fato de gala com que anda normalmente, excluindo a camisa branca que nunca põe, mas com as abas da casaca impecavelmente no sítio. Dou um passo para trás e ponho-me em guarda, o que quer da minha casa, pergunto. Não me responde, mas avança. Fecho a porta com estrondo, assustada.
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Que fazer, agora que estou cá só? Ele continua à porta e arranhá-la. Volto a abri-la e sem que eu tenho tempo para dizer alguma coisa, eis que entra sala fora, arrogante, encostado à parede e a dirigir-se para os maples.
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Fico inquieta mas lúcida. A correr vou buscar uma vassoura, das de cabo comprido e tento vassourá-lo nas pernas para que saia.
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Parece que estou a conseguir. Atiro-o para as escadas. Nem quero pensar o que seria deixá-lo entrar, e ele a falar noite fora, com o eco esperado e quem sabe, escondido, para que eu não o possa encontrar nem conciliar o meu sono.
Caí de costas e desce desamparado mais um degrau.
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E então oiço-o gritar:
«Ó senhor, senhor que passa/ eu sou um grilo de raça/ não sou um grilo banal.»

sábado, 1 de outubro de 2011

Poema - António Aleixo

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NÃO DÊS ESMOLAS A SANTINHOS - MOTE

Não dês esmola a santinhos,
Se queres ser bom cidadão;
Dá antes aos pobrezinhos
Uma fatia de pão.

GLOSAS

Não dês, porque a padralhada
Pega nas tuas esmolinhas
E compra frangos e galinhas
Para comer de tomatada;
E os santos não provam nada,
Nem o cheiro, coitadinhos...
Os padres bebem bons vinhos
Por taças finas, bonitas...
Se elas são p'ra parasitas,
Não dês esmola a santinhos.

Missas não mandes dizer,
Nem lhes faças mais promessas
E nem mandes armar essas
Se um dia alguém te morrer.
Não dês nada que fazer
Ao padre e ao sacristão,
A ver para onde eles vão...
Trabalhar, não, com certeza.
Dá sempre esmola à pobreza
Se queres ser bom cidadão.

Tu não vês que aquela gente
Chega até a fingir que chora,
Afirmando o que ignora,
Assim descaradamente!?...
Arranjam voz comovente
Para jludir os parvinhos
E fazem-se muito mansinhos,
Que é o seu modo de mamar;
Portanto, o que lhe hás-de dar,
Dá antes aos pobrezinhos.

Lembra-te o que, à sexta-feira,
O sacristão — o mariola! —
Diz, quando pede a esmola:
«Isto é p'rà ajuda da cera»...
Já poucos caem na asneira,
Mas em tempos que lá vão,
Juntavam grande porção
De dinheiro, em prata e cobre,
E não davam a um pobre

Uma fatia de pão.