segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Aconteceu...está cinzento lá fora, não há sol nem ainda nasceram as estrelas

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"Simplesmente Maria" era o folhetim radiofónico que cerca de 40 anos ouvia quase religiosamente a seguir ao almoço
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Andava eu na faculdade, e como muitos outros colegas do meu curso, frequentava pouco as aulas teóricas. Íamos assistir às aulas práticas e pouco mais. Mais tarde, um mês ou ainda mais antes do exame, entrávamos em "estágio", fechando-nos para o mundo, quase com vendas nos olhos e algodão nos ouvidos para não nos distrairmos, a estudar e na data prevista íamos fazer o exame.
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Bom, mas havia uma excepção nesta maratona do estudo. É que a seguir ao almoço, fechados no quarto de estudo, eu e os colegas com quem me reunia para tornar a tarefa mais dinâmica e suportável, fazíamos uma pausa para ouvir esse folhetim. Eram momentos imperdíveis para nós.
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Sendo uma ouvinte tão assídua, curiosamente não me lembro de toda o enredo nem como acabou a peça radiofónica, mas sim do que sofríamos com a protagonista, a Maria, e com a vida dela. O namorado, de quem teve um filho super apaixonada que estava, sendo ela uma criada de servir e ele um estudante de Medicina, tocar-nos-ia em particular?
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Um destes dias, sintonizada num posto de televisão, percebi o porquê. Deu um programa em que foi falada esta rádio novela, falaram o seu produtor e vários actores, alguns dos quais me lembro de ter identificado a voz na altura. E foi referido que o 25 de Abril aconteceu e ainda a rádio novela estava no ar, mas que continuou até acabar.
Eu percebi então porque não me lembro do enredo todo e obviamente nada de como acabou.
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É que a partir desse dia de 1974, deixei certamente de estar atenta aquela história, e o interesse passou para a nossa História.
Só que o progresso conseguido desde então tem neste ano que agora acaba, levado uma enorme machada, pelas políticas seguidas.
Tristeza!
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Bom Ano, Feliz Ano Novo, Próspero (este voto a ficar fora de moda), Um Óptimo Ano, etc, etc, que não quero ser desmancha prazeres. Saúde, isso sim, e que encontremos dentro de nós o sol, a luz e as estrelas que não vemos cá por fora!

sábado, 1 de dezembro de 2012

Aconteceu...a revolta do gato Néguy hoje 1 de Dezembro, aniversário da Restauração da Independência

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Sábado, dia em que o despertador não precisa de me acordar. Faço-o quando o corpo e a mente pede, abro um olho, depois o outro, mas não me disponho a levantar. Pego no computador e leio os jornais, depois no livro que deixei marcado ao adormecer e por ali me fico saboreando o tempo.
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Mas eis que toca o telemóvel, avisando-me que chegou uma mensagem. Levanto-me devagarinho, quase praguejando por aquela interrupção, pego no telemóvel que tinha deixado na cómoda e ponho-me a ler. Então como é, hoje não se come nesta casa? Assinado Néguy.
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O gato revoltado, sozinho lá dentro à espera, um tempo de jejum que lhe deve parecer insuportável. Lá vou ter com ele e um miau de agradecimento se ouve. É que o meu gato, só sabe escrever como nós, de resto só mia, mas com uma entoação que é como se palavras dissesse.
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Aproveito e tomo também o meu pequeno almoço, posto que, me sento, pronta para ler um artigo técnico e chato, na mesa da sala. Como pano de fundo ouve-se Montserrat Figueras, no seu maravilhoso disco "La voix de l´emotion", disco de homenagem póstuma editado este ano.
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E aqui começa nova revolta do gato. Quer estar ao pé de mim, carente como sempre, mas também quer a réstia de sol que ilumina a mesa, razão pela qual escolhi aquele sítio. Eu e as páginas, bem iluminadas pelo sol que entra pela janela, ele e as mesmas páginas, tentando sentar-se-lhes em cima e receber o sol. Ambos disputamos o mesmo sítio. Digo-lhe que se vá, mia mas não se mexe, empurro-o, mia com entoação diferente mas volta e tapa-me o texto, olhando para mim com ar perplexo mas desafiador.
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Levanto-me, vencida, ando pela casa e ele segue-me como um cão. Vai comigo fazer a minha cama, e depois arrumar a cozinha, miando de vez em quando para que eu não me esqueça que ele está ali.
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Posto o que, volto à mesa e às minhas folhas cheias de letras.
O sol rodou e a mesa ficou à sombra. A música mantém-se, conseguirei agora ler?
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Quanto á minha independência, está visto que o meu gato não má quer dar.

sábado, 24 de novembro de 2012

Aconteceu...que cada macaco deve estar no seu galho

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Tou-tou, oiço numa voz fresca e despachada ao atender o telefone. Magda? pergunta. Sim sou eu, mas de quem será esta voz? Ela situa-me, lembrando-me que não apareci no banco apesar de avisada que lá deveria ir. Lá me justifico, peço-lhe que se identifique, diz-me fulana tal, a minha gestora de conta. E porque me continua a interpelar, a Magda quando pode passar por cá esta semana?, pergunto-lhe se nos conhecemos (lembro-me que era um homem, o meu gestor, entidade a que raramente recorro).  Não, de facto não, ela foi substituir o tal já há uns meses mas eu nunca apareci por lá. Informei-a pois que, não a conhecendo, tendo eu 60 anos e sendo a primeira vez que me fala, achava completamente insólito que me tratasse pelo meu nome próprio. Resposta da lambisgóia, estou a ver que não gosta de proximidades! ao que lhe respondi que não gosto é de falta de educação e que quanto às proximidades as escolho eu própria.
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Há uns tempos, uma amiga minha, foi internada para uma cirurgia no hospital onde trabalha. Pergunta do senhor enfermeiro ao preencher o papel "como quer que lhe chamemos, D. Maria ou Sra. Silva? Surpreendida, não se reconhecendo naquela identidade e fragilizada na sua nova posição, ser doente e não médica é uma volta de 180º, lá balbuciou que há mais de 30 anos que é trabalha lá no hospital, serviço tal, e que sempre foi conhecida pela Dra. Alice.
Resultado, passou a não ser nomeada, e até a ser evitada nos trabalhos e aconchegos pelos senhores enfermeiro, que é suposto ter naquelas condições.
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São inúmeros as situações desta tentativa de igualizar o que é necessariamente, chamem o nome que chamarem, diferente.
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Frequentemente encontro, na minha vida profissional, aqueles pais que recusam que eu lhes lembro que são pais. Apressam-se a emendar-me, afirmando que são é amigos. É um trabalho que há que ter, desmistificar este receio de serem responsabilizados, orientadores dos filhos, igualizando e por vezes quase fazendo desaparecer as gerações. Por detrás está por vezes uma enorme confusão entre autoridade e autoritarismo, uma recusa de serem como sentiram os seus próprios pais e os conflitos que terão vivido.
É que criam por vezes situações de grande confusão e das quais, algumas crianças e adolescentes se ressentem.
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Não sei se irei conhecer a tal gestora de conta. Há muitos balcões e com a informatização, certamente irei a outro.
 

domingo, 11 de novembro de 2012

Aconteceu...um espectáculo iluminado, "Iluminações"

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Há uma semana  a esta hora, eu estava no CCB (Centro Cultural de Belém, em Lisboa), a assistir a uma peça de teatro/dança/música (poderei pôr assim?) da companhia profissional residente "Companhia Maior". Esta tem a particularidade de ser composta por artistas com mais de 60 anos, alguns dos quais amadores que nunca tinham pisado o palco, embora o desejassem. Se não estou enganada, uma das artistas tem 88 anos.
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Desta feita, a peça, a 3ª que apresentam, chamava-se "Iluminações", onde textos sobre o envelhecimento e até a morte eram ditos pelos actores e pela encenadora.
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Logo de entrada, e depois de entrar pelo palco, assistimos a um prolongado arrumar e desarrumar de vários objectos que se encontram dispersos, e que a própria encenadora puxa aparentando por vezes algum esforço. Memórias, fragmentos de vida? A cena vai-se repetir já no fim, mas com a participação de toda a companhia.
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A representação, no dia em que fui, demorou pouco mais de 3 horas sem intervalo. Soube depois que na estreia tinha demorado 4 horas sem intervalo. Parece-me, "teoricamente" falando, um exagero.
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Tem momentos do ponto de vista estético muito bonitos, diria quase inesquecíveis, uma semana passada. A luz, as movimentações dos actores, os momentos de dança e alguns textos foram muito bonitos. A vivacidade, a sensualidade, a vontade, a resistência física, a desinibição são aspectos impossíveis de ignorar e de esquecer.
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No entanto, e agora vem a outra face no espectador, eu, foi um espectáculo com momentos muito aborrecidos. Textos demasiado longos, a despropósito (para quê ler o nome de todos os falecidos no desastre da ponte de Entre-os-Rios?), arrastados no tempo e no espaço, fizeram com que por várias vezes os actores ouvissem palmas. Terão pensado que eram aplausos pela cena acabada... ou alguns espectadores terão pensado que a peça estava a acabar? Isto ao fim de 2 horas de cena. Mas não, era mudança de cena e a representação logo continuava.
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Esta companhia tem por base certamente uma atitude anti-depressiva, e com isto não quero dizer que os actores estivessem deprimidos ou que seja uma actividade terapeutica. É sim uma posição positiva, um acreditar nos anos que vão chegar e acreditar que todas as idades podem ser vividas com qualidade e alegria. E muito bem!
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Quanto à duração, que penso não vem dos actores mas da encenação, que pensar? Uma revisão e bastantes cortes teriam tornado o espectáculo bem mais agradável durante a sua exibição.
Escolher, cortar, sintetizar que representa? Para além da escolha, da opção, por vezes difícil de fazer, representa ter de fazer uma opção, um "luto" do que deixamos para trás, uma despedida. Coisa que fazemos constantemente na vida, uns com maior facilidade, outros com menos, e por vezes com muito sofrimento.
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Como as crianças que hesitam entre deixar de ser crianças e serem adolescentes, ou estes últimos que por vezes acedem com dificuldade a serem adultos, ou como os pais que se agarram aos filhos, receando o seu crescimento, ou ainda como aqueles que ficam agarrados a um acontecimento da vida, e impedem-se de prosseguir e deixar as amarras desse passado.
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São divagações que me assaltaram, e que me fazem algum sentido.
O facto de hoje as lembranças da peça serem agradáveis e terem ficado marcados aspectos muito bonitos que guardo dentro de mim, fizeram-me pensar na dores de parto, que  se dizem das piores, mas que, logo que passadas se esquecem, ficando como marca não a lembrança como com esta peça, mas o bebé que iremos investir.
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Só mais uma nota, sendo uma peça com muita música e dança, não deveria o programa referir as peças musicais seleccionadas?

sábado, 3 de novembro de 2012

Aconteceu...solidão e amor perdido

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Sábado passado estava um dia lindo, com sol aberto, calor quanto baste. Não era dia para se ficar em casa.
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Saí e fui-me sentar num banco do jardim, virado para o sol. Começo a ler um artigo que tinha levado, quando oiço uma voz perguntar-me "podemos  sentar?". Levanto os olhos, uma senhora bem arranjada, talvez ainda sem meia centena de anos, e que trazia pela trela uma cadelinha minúscula toda branca e de laçarote rosa no alto da cabeça.
"Podemos?", sai-me pela boca fora, ao que ela me responde "sim, eu e a Ema, que também gosta e precisa", e sentaram-se, ela com a cadelita ao colo.
 
Continuo a minha leitura mas sou atraída para a conversa quase em murmúrio que ela vai tendo para a cadela. Fala como sobre se está bem ali "estás a gostar, não estás Ema?", sobre quem passa "aquela senhora olhou para ti, és muito linda!", ou tratando da cadela como se de uma criança fosse "queres águinha, não queres meu amor"?.
 
A certa altura levanta-se e vai pôr a cadela no relvado onde duas crianças muito pequenas jogam à bola com o pai. A Ema desata a correr e salta para cima de uma delas, que no máximo teria uns 3 anos e que desata num berreiro, assustada. Não fosse o pai pegar-lhe ao colo e a senhora nada faria. Só dizia à criança em pranto, "não tenhas medo, anda para o chão brincar com a Ema, ela gosta tanto!"
 
Não, a senhora não era louca, digo eu num diagnóstico feito à la minute. Certamente muito solitária, e até, quem sabe se com boas capacidades maternais...apesar da indiferença perante a reacção da miúda.
 
Há animais que são muito melhor tratados que crianças! E há tanta criança abandonada, a necessitar de uma família. Os preconceitos, as dificuldades  que existem para a adopção não deveriam ser revistas?
 
Nota : Não me levem a mal o último parágrafo, está escrito de forma leviana, superficial, telegráfica. Só que, cada vez mais, vejo  os animais serem promovidos a gente... e as gentes, a serem tratadas como bestas. 
 


domingo, 14 de outubro de 2012

Aconteceu...vida e morte

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Fez anteontem 40 anos que José António Ribeiro Santos foi morto. Estudante universitário ainda sem 20 anos de idade, militante contra a situação que em Portugal se vivia, recebeu balas disparadas pela PIDE, a polícia política de então, que atirou contra alunos, na faculdade.*
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Mas a minha recordação deste dia está intimamente ligada a isto por motivos muito pessoais.
Eu tinha 20 anos e o meu pai estava muito, mesmo muito doente, por doença cardíaca de que sofria e da qual, meia dúzia de anos depois veio a morrer.
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Em casa lá estava ele, deitado na sua cama, e eu a assistir à consulta do seu médico que mais uma vez e de forma incansável e generosa todos os dias lá ia. Como filha, mas também como estudante de medicina assistia às consultas, e aprendia alguns ensinamentos que, sempre didacta, o Dr. Vasco Ribeiro Santos me ia chamando a atenção, como quando ensinava os seus internos no serviço dos Hospitais Civis onde era director.
 
Pois o Dr. Ribeiro Santos era o pai do José António. Lá estava ele, mais uma vez, a tratar do meu Pai.
 
Agora as minhas memórias confundem-se, não havia telemóveis pelo que não foi na casa dos meus Pais que ele soube da morte do filho. Foi certamente depois. Mas esse trágico acontecimento coincidiu com a hora em que dedicadamente se debruçava sobre o doente, meu Pai, salvando-lhe a vida.
 
Salvou a vida do meu Pai, e a PIDE tirou a vida do filho. Nunca mais pude, emocionalmente, desligar estes dois factos.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Aconteceu..."grões igual a balas"

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É triste! Num mercado ao ar livre semanal no sul do país, procurei legumes secos. E não é que não os há semeados em Portugal?
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Semanas atrás, noutro mercado, desta vez ribatejano, reencontrei um produtor e vendedor de legumes que não via há bastantes anos. A propósito do grão e feijão que se lembrou que eu lhe costumava comprar, explicou-me que desde que a mãe morrera nunca mais tivera. Essa era a plantação dela. E avisou-me, cuidado que tudo o que anda aí, é estrangeiro. Só não me disse que de bem longe, hemisfério sul!

Fotos - Magda
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 Perú











Perú









México

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Aconteceu...que quase forrava o chão com um poema de Wislawa Szymborska


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Andava eu a forrar o chão com jornais velhos - preparava-me para pintar janelas com tinta esmalte - quando se me depara este poema de Wislawa Szymborska num jornal Público de Fevereiro 2012.
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Não, felizmente eu não morri. Mas ausento-me tantas vezes de casa, deixando o Néguy sozinho, que, ao lê-lo, me pus a pensar que se passará com o meu gato quando o deixo no apartamento sozinho? Quando me vou embora, percebe lindamente, logo que me vê a preparar as coisas. Fica mais parado, segue-me sem agitação e vejo-lhe um olhar triste. Pelo contrário, quando chego, aparece logo, às vezes ensonado, ainda com os olhos mal abertos, espera-me à porta de casa, cheirando tudo o que trago e deitando-se depois à porta do meu quarto para lhe fazer as festas atrasadas. Mas, e pelo meio o que se terá passado?
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A tradução foi de Manuel António Pina.
 
GATO EM APARTAMENTO VAZIO
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Morrer não é coisa que se faça a um gato.
Que há-de um gato fazer
num apartamento vazio?
Subir às paredes?
Roçar-se nos móveis?
Aparentemente não mudou nada
e no entanto está tudo mudado.
Continua tudo no seu lugar
e no entanto está tudo fora do sítio.
E à noite a lâmpada já não está acesa.
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Ouvem-se passos nas escadas,
mas não são os mesmos.
A mão que põe o peixe no prato
também já não é a que punha.
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Há aqui qualquer coisa que já não começa
à hora do costume,
qualquer coisa que não se passa
como devia passar-se.
Havia aqui alguém que há muito estava e estava
e que de repente desapareceu
e agora insistentemente não está.
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Procurou-se em todos os armários,
revistaram-se as estantes,
espreitou-se para debaixo do tapete.
Violou-se até a proibição
de desarrumar os papéis.
Que mais se pode fazer?
Dormir e esperar.
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Quando regressar, ele vai ver,
ele vai ver quando chegar.
Vai ficar a saber
que isto não é coisa que se faça a um gato.
Caminhar-se-à em direcção a ele
como que contrariado,
devagarinho,
com patas amuadas.
E nada de saltos ou mios. Pelo menos ao princípio.
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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

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Escrever não é fácil. O branco do papel, agora transformado em écran, é inibitório. As regras da organização do texto, esquemáticas, são inibitórias mas, dizem, essenciais para uma boa qualidade do texto.
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Há quem escreva de um jacto. É verdade, sei-o por experiência própria, nomeadamente quando tenho algum escrito técnico para fazer e que ando bastante tempo com o assunto na cabeça. Por vezes, quando me sento, as ideias expostas em frases aparecem, quase organizadas. Mas isto acontece quando mastigo longamente os assuntos.
Ora aqui no blog, nem sempre é assim. Os textos são, na maior parte das vezes, resultado de um flash, uma vivência quase superficial de uma qualquer coisa. Nem sempre suficientemente interessante, nem bem escrita. E isso deixa-me descontente.
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O tempo, que retiramos para a escrita, nem sempre existe. É necessário criá-lo e por vezes isso é difícil.
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Admiro quem escreve diariamente, com uma escrita escorreita, e com assunto suficiente para interessar.
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Tenho andado muito pouco por aqui. É preciso um pouco de organização para meter no tempo disponível tanta coisa como as que desejo. Mas está-me a apetecer, vou ver se me organizo.

sábado, 15 de setembro de 2012

Poema - Sophia de Mello Breyner

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Como um fruto que se mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro
Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro

domingo, 9 de setembro de 2012

domingo, 2 de setembro de 2012

Aconteceu...cachupa? Moamba? Não há e que tal uma aguardente velha?

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Sábado de Agosto em Lisboa, o Metro ia cheio, gente de chinelos, shorts, chapéus ou cabelo ao vento - Lisboa tem sempre algum vento, chegada a estação dos Restauradores quase todos saíram, andava-se em passos pequenos que não havia espaço para mais.
Turistas estrangeiros, predominava a língua francesa, mas também portugueses como eu. A Baixa estava uma festa!
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Um pouco antes das 13 horas procurei a tenda de África, no Martim Moniz. Tinham cachupa e moamba. Óptimo, vamos a isso. Mas era preciso esperar que a comida estava ao lume. Com uma imperial na mão e encostada ao balcão, fiquei vendo, ouvindo, caramba, aquele sábado era dia de descanso e tinha tempo.
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Duas africanas lá dentro, ao lume, nuns fogões com ar frágil, tomavam conta de duas panelas que estavam ao lume, lamentando-se da falta de força da electricidade... a cachupa nunca mais apurava e a moamba também custava a aquecer.
Palavra puxa palavra, lá foram dizendo que não estavam autorizadas por contrato a usar gás e a electricidade ali "não prestava".
E mais, que na semana a seguir iam aumentar os preços porque a renda era cara.
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Dou-me então conta que havia quem tivesse encomendado antes de mim. Afinal as cozinheiras desistiram de servir cachupa e só havia moamba e a senhora começou a servir, um, dois, três, quatro pratos e a fuba acabou. Reparei então que os tachos eram do tamanho dos que tenho em casa e a fuba, já pronta estava numa taça tamanho saladeira familiar. E agora que a fuba acabou? Vou já fazer mais, e pôs um tachinho ao lume, à espera que a água fervesse. E em resposta disse-me que com aquela electricidade demoraria uma hora.
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Eu estava ali há 40 minutos e ainda ia esperar uma hora?!?!? E parece-me que nessa altura, com as pessoas que aguardavam, não chegaria para mim. Paguei a cerveja e fui à procura de outro sítio. Seguiram-me seis pessoas que também aguardavam, ficando ainda uma fila de gente, na altura já esfomeada.
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Claro que aquelas senhoras devem ter dificuldade em pagar a renda. Pois metem-se a gerir um restaurante sem saber como se faz, como se calcula a comida, e com que antecedência se deve fazer a comida!
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A ideia de organizar um conjunto de barraquinhas com comida de várias zonas é interessante, mas se todas são como esta, funciona mal. É pena!
 
 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Poema - Vitorino Nemésio

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TENHO UMA SAUDADE TÃO BRABA

Tenho uma saudade tão braba
Da ilha onde já não moro,
Que em velho só bebo a baba
Do pouco pranto que choro.

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Os meus parentes, com dó,
Bem que me querem levar,
Mas talvez que nem meu pó
Mereça a Deus lá ficar.

Enfim, só Nosso Senhor
Há-de decidir se posso
Morrer lá com esta dor,
A meio de um Padre Nosso.

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Quando se diz «Seja feita»
Eu sentirei na garganta
A mão da Morte, direita
A este peito, que ainda canta.


sábado, 18 de agosto de 2012

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Aconteceu...fuga no areal

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Pela areia fora, passa por mim a chorar. Da boca bem aberta saía um choro sonoro, forte, enquanto a cara estava toda coberta de lágrimas. Olhei à volta, não percebi se alguém o acompanhava, aparentemente estava sozinho, eventualmente perdido.
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Olhei-o de costas, lá ia ele, pequeno e magrito, talvez uns dois anos, mais mês menos mês. Sigo-o, disposta a socorrê-lo julgando-o perdido.
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Mas reparo que uma senhora que ia na mesma direcção mas bastante mais atrás, acelera o passo e ultrapassando-me, agarra-o.
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Uma da tarde na praia, num dia quente, Algarve com o seu vento levante, que nos afaga com memórias do deserto.
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A criança cruza-se comigo já ao colo da mãe, resistindo e mantendo o mesmo choro intenso e olhando para os terrenos que abandonava. O meu olhar e o da mãe cruzam-se, e sugiro quase como justificando-o que talvez esteja com sono.
A mãe pára e conta-me brevemente que não é nada disso, lá do longe viu uma bola dos senhores que jogavam raquetes e era de ideias fixas, queria-a. Comento ao miúdo, como que querendo-o acalmar, que amanhã ele poderia trazer uma bola para brincar. De forma afirmativa, a mãe diz que não vale a pena, "nunca quer nada do que lhe trazemos, só quer as coisas dos outros". E remata "É a minha sina", seguindo pela areia.
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Fiquei muito incomodada. Julgo que aquela díade, mãe e filho, precisariam de ajuda, mas num brevíssimo cruzamento esporádico de praia, que fazer?
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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Poema - Jorge Sousa Braga

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O VENTO
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Por mais que tente, o vento
não consegue adormecer
se não tiver nada para ler.
Seja uma folha de tília,
de bambu ou buganvília.

É por isso que o vento
arrasta as folhas consigo,
até encontrar um abrigo,
onde possa adormecer.
- arrastou até a folha
onde eu estava a escrever!

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

sábado, 28 de julho de 2012

Acontece...nada é certo, joguemos com o imprevisto

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Há dados adquiridos, ou que julgamos ter, como um Inverno frio e chuvoso e de Junho em diante estar bom para a praia. São experiências antigas, hoje convicções quase delirantes. É que às vezes as contas saiem furadas, e parte do inverno deste ano postei o céu sempre azul. Estamos em Julho, que era suposto ter bom tempo, mas que tem oscilado entre temperaturas muito altas, com os inevitáveis incêndios, chuvas torrenciais com queda de granizo, ou temperaturas de início de Primavera.
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No Algarve, onde as pessoas procuram calor e águas mornas, há desde há uma semana um vento sud-oeste, temperaturas baixas para a época, a exigir um agasalho ao fim do dia como se na costa ocidental nos encontrássemos.
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Mais do que peixe grelhado, ou saladas frias, o que apetece é sopa de peixe bem quentinha, açorda ou xarém, comidas mais de inverno que de verão.
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Ontem começou a Feira da Serra em São Braz de Alportel, este ano dedicada ao medronho e seus diversos usos. Receio que com os incêndios de há 2 semanas nas serras de São Braz e de Tavira, para o ano não haja medronheiro algarvio pronto a dar fruto.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Poema - Pedro Tamen

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Aqui não tenho relógio
nem de corda nem de sol,
que sol não há nesta cave.
Sai-me o tempo destas mãos
tão parcas e corroídas,
desenhando um necrológio
neste sapato, lençol
levitando em asa de ave.
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Prego e prego, sois irmãos
das minhas horas perdidas.


sábado, 14 de julho de 2012

sábado, 7 de julho de 2012

Acontece...que a saúde dos portugueses não pode ser uma treta.

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Sinto que estamos a viver um período da treta. Talvez por isso, o poema do poeta e médico que postei na 5ª feira passada, Ladaínha, me fez tanto sentido.
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"Troikas", "trikas", déficits, cursos superiores tirados à pressão, apoio a entidades privadas, desapoios a entidades públicas, impostos acrescidos para quem não é rico e é só trabalhador, umas inovações estranhas a nível escolar, e uma destruição do SNS (serviço Nacional de Saúde) que, como técnica e utente me toca particularmente.
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Um país que fez uma enorme evolução, apetecia-me escrever revolução a nível da saúde, alguém se lembra de como éramos há quase 40 anos? Hoje atingimos em muitas áreas da saúde níveis europeus nomeadamente a saúde materno infantil , índices de mortalidade, morbilidade infantil, desenvolvimento dos programas de Prevenção Precoce (para o desenvolvimento infantil), etc
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Só que hoje há equipas que diminuíram o número de técnicos, valências que acabaram - professores, educadores, psicomotricistas e outros foram desaparecendo das equipas de saúde mental infantil, deixando-as com menos recursos para actuarem. Pela Carta Hospitalar recentemente conhecida, muitos hospitais vão deixar de ter pedopsiquiatria. Ficaremos quase como há umas décadas atrás.
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A saúde deve ser vigiada. A prevenção é um sinal de qualidade de saúde. Sai cara? Não, pode poupar muitos gastos.
Quem manda parece só querer gente doente.  Não faz nenhum sentido "expurgar das listas dos médicos de família os utentes que há mais de 3 anos não tenham utilizado os respectivos serviços, dando o seu lugar a um utente sem médico de família", como recentemente foi determinado superiormente. Se até nem dão trabalho, porque castigá-los? E se há muitos doentes sem médico, porque não preencher os lugares vagos do quadro médico?
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Ainda ontem necessitei de um item diferente para dar alta a uma criança. É que não tem dinheiro para as viagens até ao hospital, nem para o medicamento diário, que segundo avaliação dos professores, é essencial para a sua integração e aprendizagem escolar. Não ficará melhorado, nem faltou às consultas, só que não pode voltar.
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Os quadros de pessoal devem estar cheios de vagas. Por morte, reforma ou passagem para o privado, tem havido um emagrecimento enorme do quadro técnico, relativamente às últimas décadas. Dizem: preencham-se as necessidades por contratação barata, enfermeiros a menos de 5€/hora, esqueçamo-nos da qualidade, é preciso é pessoal, médicos mesmo se sem grande qualificação específica, sem exames de avaliação que garantam a qualidade do saber e do fazer, que garantam que as chefias o são por mérito! E tantas outras coisas!
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A indignação actual dos médicos não é só salarial, esqueça isso quem assim o pensa. É pela garantia da qualidade dos serviços, pela manutenção do SNS, a bem dos portugueses.
Não há pachorra! Por isso esta semana haverá a manifestação mais evidente para todos, uma greve dos médicos, convocada pelos sindicatos e Ordem dos Médicos. Há décadas que tal não acontece. Hão-de-nos ouvir, e oxalá arrepiar caminhos. Os utentes que nos compreendam.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Poema - Jorge Sousa Braga


LADAÍNHA
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Concha perfumada
Pórtico real
Princesa das flores
Porta misteriosa
Pérola vermelha
Coração de peónia
Pegada de gazela
Pórtico de jade
Palácio de púrpura
Delta negro
Pote de mel
Botão de lótus
Gruta de canela
Porta alada
Flor da lua
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Rogai por nós

quarta-feira, 27 de junho de 2012

domingo, 24 de junho de 2012

Poema - Rui Caeiro

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A estranheza
e a morosidade
tingidas
aqui e ali
de alguma réstia
de deslumbre
dizem que
dizem que
viver é isso
a verdade é
não sei
não sei mesmo
mas algo me dia
a ser mesmo assim
não me admirava
nada

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Aconteceu...que até no escuro se iluminou

Tive sorte!
Pelo telefone soube que no "contnente" como por aqui se diz, choveu, esteve nublado e desagradável.
Logo no dia maior do ano, véspera de verão! 
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Para mim o dia começou bem cedo, apesar do check-in feito pela net. Levantei-me quase de madrugada direcção ao Faial, onde soube que nos dias anteriores o tempo tinha estado mau, com nuvens que tudo tapavam, vento e chuva  e que os aviões andaram com os horários com atraso.
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Pouco tempo depois do avião levantar voo em Lisboa, adormeci para acordar já perto da ilha Pico. E foi uma surpresa, céu estava azul, havia sol, algumas nuvens com o pico do Pico, bem visível a espreitar.
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Dia de trabalho, fim de tarde com sol e uma discreta aragem.
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Só que o dia era longo, como já referi dia maior do ano. Assim, o céu continuou azul, e mesmo perto das 23 horas continuava o Pico a ver-se bem, embora agasalhado com um cachecol de nuvens, conforme se pode ver na foto que se segue.
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Espectacular foi um pouco mais tarde, já a noite tinha caído, e por breves minutos, mesmo na escuridão, o pico do Pico lá estava, ainda visível, até ser submergido no negro que tudo invadiu.
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Há sortes assim, para a vista e as sensações. Se uma lua cheia me invade de emoção, esta beleza hoje também me arrebatou.

domingo, 17 de junho de 2012

Poema - Carlos de Oliveira

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Tão pequenas
a infância, a terra.
Com tão pouco
mistério.
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Chamo às estrelas
rosas.
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E a terra, a infância,
crescem
no seu jardim
aéreo.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Aconteceu...a traição da cerdeira

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"As cerejeiras amadurecem mais perto do
jardim onde embalas o berço das crianças perdidas."
José Agostinho Baptista
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Estamos na época das cerejas. E estão bem boas. Ainda não comi das brancas, as minhas preferidas, rijas e doces. São mais raras.
Vem sempre esta discussão, qual a melhor, a vermelha, a vermelha escura, a branca? Cada um afirma que a sua preferida é a melhor.
Tal como com a zona, qual a que dá melhor cereja? Há os que preferem as da Gardunha, afirmando que as do Fundão são certamente as melhores. Não, diz logo o vizinho, são as de Resende.
Hoje comi de Vila Real de Trás-os-Montes, e quem as trouxe dizia que as desta zona são as melhores.
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Bem vistas as coisas, a boa cereja é mais do Norte. Ouve-se falar da cereja de Beja? de Tavira? de Alcobaça? Pois não, elas precisam de dias e dias de frio e de muita chuva.
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Já vi muita gente magoada por cair da cerdeira, são árvores traiçoeiras, diziam-me, os ramos partem-se com o nosso peso...e eu não tinha escadote justificavam-se.
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Foi assim que fiquei a saber o outro nome da cerejeira.

terça-feira, 29 de maio de 2012

domingo, 27 de maio de 2012

Poema - Ruy Belo

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E TUDO ERA POSSÍVEL
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Na minha juventude antes de ter saído
de casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
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Chegava o mês de Maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela tivesse acontecido
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E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer
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Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

domingo, 20 de maio de 2012

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Poema - Gastão Cruz

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E-MAIL
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Está sob o vidro a pele
é um suor de sílabas
de músculos pulsando
na primavera física
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Queria fazê-la
sair do vidro e simples
atravessar as nuvens
como um calor longínquo
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subitamente perto
com mãos e lábios vindo
encostar-se ao meu corpo
como o ramo do símbolo

domingo, 13 de maio de 2012

Aconteceu...o tempo, esse escultor

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Quando eu olhava para as fotos das comemorações dos antigos combatentes da 1ª guerra, pensava para mim que eram muito velhos, será que ainda se reconheceriam?
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Vem isto a propósito de um almoço a que fui recentemente, para festejar os 35 anos de licenciatura. Embora não estivéssemos todos, o curso era muito grande, lá nos encontrámos perto de 200. A verdade seja dita, há os que reconhecemos e os que não reconhecemos. E teremos conhecido alguma vez?
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Logo à entrada para os jardins, prévios ao salão onde seria servida a refeição, muitos abraços, beijos, muitas perguntas como há quanto tempo não nos víamos, onde estás colocada, ainda trabalhas?
E alguma admiração e um pouco de comiseração perante a minha resposta afirmativa.
Com a minha idade muitos estão reformados do serviço público - médico raramente se reforma do trabalho.
E claro, as perguntas que não podem falhar sobre os filhos e netos.
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À entrada uma colega muito simpática agarra-se a mim, contente, efusiva, beijos e abraços. Eu não me lembrava nada dela mas lá correspondi embora de forma mais discreta.
Quando os cumprimentos amainaram, optei por uma parcial sinceridade, dizendo lhe que lhe reconhecia a cara mas os nomes, sou péssima, já me é mais difícil de fazer a ligação, qual era o seu perguntei. Ela lá me disse, um nome que não me fez tocar nenhum sininho na memória. E perguntei-lhe para confirmar, se ela sabia o meu. Claro! disse sorridente, tu és a Zé!
Podia ter deixado a coisa por ali, mas, com um sorriso nos lábios, não sei porque o fiz, disse-lhe do seu engano.
Talvez pudesse não o ter feito, ela estava tão feliz de "me" rever.
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Assim que nós estamos 35 anos depois de acabarmos o curso, aproximando-nos a passos largos do que imagino serem os encontros dos veteranos de algum feito longínquo.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

sábado, 5 de maio de 2012

Poema - Alberto Caeiro

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Quando tornar a vir a primavera
Talvez já não  me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a primavera nem sequer é uma coisa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Aconteceu...ficam as memórias depois das portas se fecharem

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Caro Amigo,
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Ontem, por volta das 19h, fui ao Colombo buscar o jornal, digo buscar porque para quem compra o Público de 6ª feira e sábado, o de domingo é oferta.
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Entrei pela porta da Fnac, a mais perto de minha casa. Mas antes, como deves estar recordado, há a Bata, sapataria de cadeia internacional, com produtos bastante em conta. No sábado tinha feito o mesmo percurso e nessa loja estavam cartazes a anunciar 30% de desconto para sapatos de homem. Ontem, domingo, os cartazes tinham mudado alastrando o desconto a todos os artigos. Em ambos os dias, talvez algum mosquito invisível fizesse companhia aos empregados.
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É este o nosso panorama, e cada loja que faz estes descontos no início da época é uma loja que não está a conseguir vender. Corre o perigo de encerramento. E são muitas nestas condições. Todos podemos, já hoje, citar várias.
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Mas o encerramento de certas lojas dói. Pelo valor simbólico e não economicista.
Citaste o caso da livraria Portugal, onde durante tantos anos foste assim como eu. Tinha funcionários que tudo sabiam sobre os livros. Querias saber sobre um livro, um assunto, um autor, e ainda fora da era dos computadores eles lá te informavam e te levavam ao lugar certo. Mas as pessoas deixaram de lá ir comprar e fechou. Doeu.
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Quanto à Barateira, que parece que também vai fechar,  poucas vezes lá entrei.  Suponho que era por amor que se mantinha aberta. Mas também o amor deixa de ser possível de suportar. Ouvi dizer que para construir uma garagem. Ali? Deve valer muito esse espaço e os clientes serão poucos.
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Indissociável da livraria/alfarrabista Barateira, sabes, aquele homem muito magro, sério e com ar ausente, de grandes barbas que sempre nos habituámos a ver sentado na Cervejaria Trindade, na mesma mesa e frente a uma floresta de copos de cerveja grandes, "girafas", já  vazios. Faleceu há uns anos. Sempre achei que era ele o verdadeiro apaixonado dos livros.
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Memórias que ligam as coisas ao afecto, por isso e quem sabe se também por ser mulher, mais dada às coisas do coração que às da razão, estes desaparecimentos deixam marcas.
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Um abraço e até à próxima

sábado, 28 de abril de 2012

Poema - A. M. Pires Cabral

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O QUE DIZ O RATO
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Tenho um destino. Nasci
para ver o silêncio - e vou roê-lo
metodicamente.
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até que um dia se invertam os papéis
e seja o silêncio a roer-me a mim.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

domingo, 22 de abril de 2012

Aconteceu...há quem goste de surpresas

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Que esquisito! Abrir o espaço deste blog para começar a escrever o texto de hoje e tudo estar diferente. Sem aviso, sem nada, uma mudança de forma do espaço para a escrita, mais largo e mais curto, numa pagina quase branca e vazia, sem os limites carregados como antes, de tal forma diferente que quase pensei ter-me enganado.
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O impacto perante o inesperado varia muito de pessoa para pessoa. De um extremo poderemos ter os autistas, que necessitam da manutenção do exterior e das rotinas para se manterem calmos, até aqueles que nada os surpreende, fazendo do inesperado conhecido e banal.
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Já me adaptei ao novo formato, já vi o espaço da escrita crescer quando as linhas escritas se aproximam do limite inferior da caixa e já só falta ver como o texto se encaixa no espaço da publicação. Ora vamos a isso.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Poema - Ruy Belo

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DAS COISAS QUE COMPETEM AOS POETAS
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Nas terras onde os sinos andam pelas ruas
há horas surdas sós e sem cuidados
há mar condicionado ao possível verão
e vendem-se manhãs e mães por três ideias
Nas terras onde a música é o fogo de artifício
a camioneta curva a carga sob os plátanos
e à sombra dos lacrimejantes carros
o gato dorme a trepadeira sobe
o soba grita nunca ninguém sabe
a erva cresce  e as crianças morrem
O mar aceita chão a mão do sol
Que plural deplorável o da magna agência mogno
E nas tílias há riscos dos vestidos de retintas raparigas
e o dente resistente número quarenta cheira a pepsodent.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

sábado, 14 de abril de 2012

Aconteceu...no posto de vígia

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"A Horta é um camarote de frente para o Pico, palco de todo o ano" - Vitorino Nemésio
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A varandinha, é pequena, mas tem uma mesa e duas cadeiras. É para lá que vou logo que acordo. É lá que me sento ao fim da tarde quando acabo o trabalho. 
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É que ali, de minuto a minuto, a paisagem muda. E sempre bonita! O Pico, sempre o Pico, ora tapado ora com as núvens a lamberam-no doce ou rapidamente,  vai-se vestindo ou desnudando.
Estes dias, marotas, as núvens tapavam-no. Só ao 3º dia, logo que olhei ele se mostrava. Para alguns minutos mais tarde já estar mais tapado, e mais tarde já só ser visto lá de cima do avião.
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Mas o movimento do porto também é foco de atenção e de grande distração. São barcos a entrarem e a saírem, às vezes quase só os que regularmente fazem a carreira para o Pico e para S. Jorge. Mas estes dias...O próprio porto, tal como o Pico variava, transformando a sua paisagem. Veleiros enormes, caravela de 3 mastros, iates de luxo a fazer pensar nuns Onassis qualquer, fragata da Armada, um enorme movimento permanente. E claro, os barquinhos pequenas das escolas de vela e remo lá da terra.
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Presa no movimento e na paisagem, o tempo perde o sentido, as horas passam e eu, ali fico, como que hipnotizada mas vigil, de máquina sempre à mão, pronta a disparar.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

domingo, 8 de abril de 2012

Poema - Alexandre O ´Neill

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O ATRO ABISMO
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Quando o poeta escreveu: "...o atro abismo!",
Umas vírgulas por ele mal dispostas,
Irritadas gritaram: "É estrabismo!".
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Mas um ponto que viveu no dicionário,
De admiração caiu de costas
E abismado seguiu o seu destino...

quarta-feira, 4 de abril de 2012