quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Aconteceu...ir ao cinema


Ontem fui ver o filme "Alma Clandestina", realizada pelo José Barahona. Trata-se de uma história verdadeira, da Maria Auxiliadora, a Dorinha, brasileira, que participou na luta contra a ditadura militar no Brasil em 1964. Presa e barbaramente torturada, acaba por ser banida do Brasil, acabando em Berlim sem quaisquer documentos e sem possibilidade de os fazer. Com todo o sofrimento acumulado e sem perspectivas de futuro, acaba por se suicidar aos 31 anos. Extractos de imagens do tempo das ditaduras militares da América Latina, brasileira e chilena, e extractos de entrevistas de pessoas que a acompanharam nesse percurso, é um filme muito emocionante. A actriz extraordinária, que eu não conhecia, Sara Antunes.
Impossível não se impressionar e não ter medo que, ao contrário do que se diz, a História se repita.
Bem oportuno!

sábado, 27 de outubro de 2018

"Pra não dizer que não falei das flores"


Em 1980 fui sozinha ao Brasil. Sozinha no avião, que no Rio de Janeiro tinha o meu tio António,irmão do meu pai, à minha espera e que me acompanhou na minha estadia.
O Brasil vivia então numa ditadura militar que se iniciou em 1964 e acabou em 1985. 
Numa ida com ele a um barzinho, noite dentro, pedi se cantavam uma canção que eu gostava muito, escrita em 1968 e posteriormente proibida. 
Vários homens levantaram-se e ficaram de guarda do lado de fora da porta. Foram tomar conta da rua, ver quem vinha e se necessário avisar para pararem de cantar.
Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores, de Geraldo Vandré, tem uma toada de hino e letra de resistência.
Foi muito emocionante, como todas as canções de resistência são, ainda mais naquela circunstância. Uma música que mais tarde foi cantada por muitos outros artistas, como pela Simone.
...



Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,

Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
Pelos campos há fome em grandes plantações Pelas ruas marchando indecisos cordões E acreditam nas flores vencendo o canhão
Quase todos perdidos de armas na mão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Há soldados armados, amados ou não Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
De morrer pela pátria e viver sem razão Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
A certeza na frente, a história na mão
Nas escolas, nas ruas, campos, construções Somos todos soldados, armados ou não Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não Os amores na mente, as flores no chão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber, 
Caminhando e cantando e seguindo a canção Aprendendo e ensinando uma nova lição Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Ainda sobre a Avó Elvira


Consultando papéis, vi ontem que faleceu em 7 de Maio de 1983. O tempo que tem a sua profecia!

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A profecia da minha Avó Elvira cumpriu-se


A minha Avó Elvira ...
Lutando contra o progresso tecnológico, é na casa dela, em Lisboa numa perpendicular à Avenida Fontes Pereira de Melo, que com 2 empregadas, a de fora e a cozinheira, me lembro de ver a manteiga numa tigela de água com uma espátula fininha dentro. De ver o peixe a salgar e depois de molho para o dessalgar. Não queria o frigorífico.
Não teve durante muito tempo fogão a gás quando já todos tinham. Na lareira da cozinha estava  um lindo fogão de ferro, que ladeando o forno, tinha umas gavetas altas e salientes em latão com torneiras em baixo onde havia sempre água quente. Dava um trabalhão este fogão, e coitadas das criadas, como eram chamadas, tinham de o pôr a brilhar com solarine "coração" todos os dias antes de se deitarem. Funcionava a briquetes de carvão. 
É da casa dela que me entra pelas narinas da memória o cheiro à roupa passada a ferro de carvão. 
Até que a certa altura, por insistência dos filhos, passou a ter frigorífico, fogão a gás canalizado, ferro eléctrico e outras coisas modernas. 
Inicialmente com alguma desconfiança ...
E com os produtos alimentares, exigente, tudo fresco, quer da horta quer do mar, frango e coelho de capoeira, fruta só da época e assim por diante.
Conforme o progresso avançava, começou a achar menos gosto aos grelos, às batatas do merceeiro, à carne cujos animais tinham sido alimentados também com farinhas, dizendo "já quase não sabem a nada!". Nunca me lembro de a ouvir queixar do sabor do peixe.
Mas perante tanta modernice, como classificava algum progresso, exclamava no seu tom afirmativo, alto e teatral "Ainda um dia havemos de comer plástico!" 
Ela não comeu, morreu antes disso.
Mas hoje, quando li no jornal Público* "Pela primeira vez, estudo quantificou e caracterizou microplásticos encontrados em fezes humanas", mais do que a preocupação, claro que existe, deu-me uma saudade enorme dela! Infelizmente a sua profecia cumpriu-se.
*Jornal Público, 24 Out 2018 p. 27