terça-feira, 31 de maio de 2011

Poema - Teresa Jardim

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CRIME PERFEITO
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O meu gato branco gosta de brincar
com os papéis amachucados
que deito no lixo. Tira-os do caixote
e esconde-os no odor dos ratos, nos vasos
de flores, pelo quintal. Já fiz desaparecer
muitos poemas que não gostava
assim, sem indícios.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Aconteceu...principiante, incompetente ou distraído?

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Um agente da PSP  guarda um supermercado que fica no meu caminho. Está sempre lá um à porta, do lado de fora ou por dentro dos vidros conforme o clima.
Junto ao passeio, bem em frente, sinais de transito delimitam a zona para cargas e descargas.

Para as noites de urgência, um chocolate é sempre uma boa companhia. Cai a noite e quase não há movimento na rua. Parei mesmo à porta no lugar proibido e diriji-me ao guarda, dizendo-lhe que a compra será rápida e pedindo-lhe compreensão.

A conversa que se seguiu foi muito engraçada. Ele não percebeu porque lhe pedia tolerância, não sabia que ali era proibido. Mas mais do que desconhecer, duvidou da minha informação. Convido-o a olhar para o sinal, cuja informação não se distinguia de onde nos encontrávamos. Só viu a silhueta.    Afirmou então que certamente eu tinha confundido os sinais de trânsito porque não havia razão para não se poder parar.

O chocolate estava mesmo junto às caixas, pelo que sem nunca deixar de falar com ele, agarrei o chocolate ,paguei e dirigi-me para o carro.

Confesso que pensei que estava a sofrer praxe, a ser gozada; ou, também podia ser, estaria a ser autorizada sem o ser.  Mas quando arranco com o carro vi o guarda sair do seu posto e ir ver qual o sinal que lá estava. 

É uma estória sem grande história, mas aconteceu hoje. 

domingo, 29 de maio de 2011

Poema - Adília Lopes

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DIÁRIO LISBOETA
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1 de Abril de 2011, 6ª feira
Vi um cão abandonado.
2 de Abril de 2011, sábado
Vi dois papagaios verdes no alto de um choupo.
3 de Abril de 2011, domingo
Vi uma rosa cor-de-rosa no quintal do 14.
4 de Abril de 2011, 2ª feira
Arrumei o casacão no guarda fato.
6 de Abril de 2011, 4ª feira
A Bé gostava de ter um macaquinho.
9 de Abril de 2011, sábado
Quero escrever frases, tagarelar e cantar.
Gosto do solinho. Ver o barómetro.
10 de Abril de 2011, domingo
Descomplicar.
A Leonor tem roupa à janela.

sábado, 28 de maio de 2011

Aconteceu...produtos da horta, alguém quer?

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...........................................Foto - Magda

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Poesia - Luís Filipe Parrado

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Tudo o que o meu pai me disse quando, aos 15 anos, declarei em família que iria começar a escrever poesia
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.................."antes
...................de te sentares
...................à mesa
...................lava bem
...................essas mãos."

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Aconteceu...se tem saúde, toca a descansar!

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"Queremos dinheiro, não queremos trabalho".
Assim mesmo, sem tirar nem pôr, escrito a spray com letra pouco cuidada, numa parede da minha cidade.

Finalmente há alguém que pensa e muito! Trabalho? Pois "se o trabalho dá saúde, que trabalhem os doentes", sempre se ouviu dizer.

Ainda por cima, nesta época em que vivemos, há muitos desempregados e pouco trabalho, se todos trabalhassem, os doentes não melhorariam nunca mais.

Quanto a dinheiro, isso é outra conversa, todos precisamos. 

Há que ser criativos.
Mau, mas a criatividade não é, enquanto processo, um trabalho? Como sair desta?

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Poema - Maria do Rosário Pedreira

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FADO
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Dizem os ventos que as marés não dormem esta noite.
Estou assustada à espera que regresses: as ondas já
engoliram a praia mais pequena e entornaram algas
nos vasos da varanda. E, na cidade, conta-se que
as praças acoitaram à tarde dezenas de gaivotas
que perseguiram os pombos e os morderam.
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A lareira crepita lentamente. O pão ainda está morno
à tua mesa. Mas a água já ferveu três vezes
para o caldo. E em casa a luz fraqueja, não tarda
que se apague. E tu não tardes, que eu fiz um bolo
de ervas com canela; e há compota de ameixas
e suspiros e um cobertor de lã na cama e eu
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estou assustada. A luz está apenas por metade,
a terra trema. E eu tremo, com medo que não voltes.

domingo, 22 de maio de 2011

Aconteceu...todos os anos é a mesma coisa

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É numa pasta onde durante o ano se vão enfiando, que coabitam aqueles papéis, todos misturados, uns de pernas para cima, outros de pernas para baixo, uns pequenos, outros largos, juntinhos. 
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Tantos meses assim, mais de um ano para alguns, ali fechados, espalmados uns contra os outros, imagino que talvez tenham travado   conhecimento entre si, quem sabe se relações de amizade ou mesmo algum namoro. Será talvez por isso que tenho algum pudor e adio, dia a dia, mexer-lhes.
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Chegado a esta altura do ano, essas eventuais relações vão acabar, coitados, outras vão ser construídas, por força da lei, vão ser organizados. Quer queiram quer não, serão separados, classificados por rubricas.
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E eis que falta um, não estava na pasta, terá fugido, tentando determinar o seu destino, mas em vão, acaba por ser encontrado. 
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Todos os anos é assim, uma luta com os papéis,  que há que preencher o impresso do IRS na internet, submeter e enviar. 

sábado, 21 de maio de 2011

Poema - Eugénio de Andrade

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CABEDELO
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As gaivotas
as gaivotas demoram-se no Cabedelo
sabem que o sol também se demora
e só a bruma
hoje virá à tona.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Aconteceu... Porto, sólido e líquido

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................................Fotos - Magda

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Poema - Manuel António Pina

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AMOR COMO EM CASA

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Aconteceu...Há algo de podre no reino da Dinamarca!

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Na minha infância, sobretudo nas épocas festivas, íamos ao Porto onde parte da família morava. Eram umas viagens longas, por estradas estreitas e com muitas curvas  que chegavam a demorar oito horas de carro.

Mas quando outros tios e primos se juntavam, costumavamos ir de combóio, viagem mais curta e muito mais divertida. Para além de nos podermos movimentar, dava tempo para muita conversas, jogos e, imprescindível, uma refeição na carruagem restaurante.

Será uma memória real ou tranformada pelo tempo, condensando várias sensações e escondendo outras, mas as omeletes mal passadas fazem parte das minhas memórias de viagem na CP desse tempo.

Entre olhar para fora e deixar-me prender pela paisagem, viajo dentro de mim e vou escrevendo.  Estou dentro de um comboio da CP.

Leio nos jornais, que têm sido desactivadas linhas e deixado pessoas apeadas. Todos terão de ter carro?

E o preço dos bilhetes, porque será cerca de 4 vezes mais  do que quase a mesma distancia que há dias fiz em Itália? 

Há algo de podre reino da Dinamarca! 


terça-feira, 17 de maio de 2011

Aconteceu...Arte urbana...no chão do cais

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..........................................Foto - Magda

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Poema - Rui Almeida

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O homem que se olha ao espelho sabe
Que vai morrer. Não sabe quando ou como,
Mas reconhece a finitude da vida
- Da sua vida, de cada vida.
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Contempla o processo biológico
E admira-se perante o zelo do tempo
A modelar-lhe a velhice do rosto.

domingo, 15 de maio de 2011

Aconteceu...avó, tu já viste uma pulga?

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Nasci na segunda metade do século passado. Os anos passam. Sei e reconheço  naquilo que me rodeia.
Tenho lembranças que serão vistas como estranhas curiosidades para os mais novos.
Mas a minha idade cronológica não se articula com a minha idade subjectiva, esqueço-me frequentemente dela, tornando-se-me desconhecida. 
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O meu neto, "especialista" em dinossauros, um destes dias perguntou-me, cheio de curiosidade, se eu já tinha visto uma pulga. Curioso desvio de interesse do gigante para o minúsculo. 

Quando eu era miúda havia pulgas, não muitas na minha casa mas esporadicamente aparecia uma que merecia uma caçada especial.
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Não me tinha dado conta que já há muitos anos que não me cruzo com nenhuma.
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As crianças, por todas as razões, confrontam-nos com o tempo.
Naquele momento e na conversa que se seguiu, senti-me pré-histórica, quase um dinossauro.

sábado, 14 de maio de 2011

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Poema - Manoel de Barros

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Pela rua deserta atravessa um bêbado comprido
e oscilante
como bambu
assobiando...
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Ao longo das calçadas algumas famílias
ainda conversam
velhas passam fumo nos dentes, mexericando...
Nhanhá está aborrecida com o neto que foi estudar
no Rio
e voltou de ateu
- Se é para desaprender, não precisa mais estudar
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Pasta um cavalo solto no fim escuro da rua
O rio calmo lá embaixo pisca luzes de lanchas
acordadas
Nhanhá choraminga
- Tá perdido, diz que negro é igual com branco! 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Aconteceu...à chacun sa vérité

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No dia 6 de Maio houve greve geral em Itália, com paralisação de todos os serviços e manifestações na rua.  

Ao cair da noite e depois de uma grande espera, o grupo em que me encontrava conseguiu um táxi.

Os taxistas italianos de uma forma geral são simpatiquíssimos. Conversam, dialogam esforçando-se por ultrapassar as diferenças linguísticas.

Mas este...o taxista era um homem que fazia lembrar o Alain Delon nos seus bons tempos, lindo. Mas ao contrário dos outros era muitíssimo antipático. Não se pode ter tudo... As nossas tentativas para meter conversa eram pouco sucedidas.

De forma seca, e a propósito da greve, deu a sua opinião, são os preguiçosos que fazem greve, os que não querem trabalhar. E pouco mais disse, mantendo-se com um ar arrogante e um silêncio pesado.

Não penso que fosse só a greve que irritasse aquele homem, o seu comportamento deve inserir-se numa forma de ser. Há quem esteja mal com a vida. Pensar, dialogar, rir são coisas essenciais, mas há quem não seja capaz de o fazer.
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É difícil lidar com certas pessoas, o modelo de se relacionar repete-se nas várias relações que têm. Quem com eles se cruza é invadido pelo mal estar que eles transportam.
Todos conhecemos gente assim.

domingo, 8 de maio de 2011

sábado, 7 de maio de 2011

Poema - José Miguel Silva

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FLORENÇA-SIENA
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Concerto para muros e ciprestes
numa escala de colina - não há fífias
na paisagem pós-divina da Toscânia.
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As aves interpretam arabescos
concebidos pelo lápis de Da Vinci,
os rochedos de Ghiberti fazem vénias
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à passagem do comboio, as oliveiras
e as faias são zincadas amiúde
por ferreiros eruditos, e o coro
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feminino dos vinhedos, ensaiando
por Puccini, canta loas afinadas
ao engenho cenográfico do homem.
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A morte, o imprevisto, o tremendismo
natural só comparecem, neste parque
do possível, como artistas convidados
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(embora o Arno, às vezes, se amotine
em regressivas enxurradas de mau gosto,
enxovalhando as racionais disposições),
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e até o próprio Deus, se quer entrar,
compra bilhete, aproveitando, de passagem,
para ver como se faz um paraíso.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Aconteceu...e peço emprestado

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"A mãe de Ossama está ainda viva. Até os assassinos mais condenáveis, aqueles cuja mente não entendemos, aqueles cuja morte chega a ser comemorada, nasceram de um ventre humano. Este é um pensamento óbvio, mas não fútil" . Rui Tavares, no jornal Público de hoje


terça-feira, 3 de maio de 2011

Aconteceu...que me incomoda o despudor

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Estava no intervalo de uma consulta quando, espavorida, uma colega vinda da rua quer-me contar... só ouvi mesmo alguma coisa. Disse-lhe com um ar frio e distante que falaríamos mais logo. Estávamos  a 11 de Setembro de 2001, pouco depois da hora do almoço e ela tinha acabado de ver televisão.
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Nem sempre estamos capazes de tomar consciência, viver certas emoções. Com o que ouvi fiz um movimento de defesa dentro de mim, evitei sentir e pensar. Só mais tarde, fazendo a digestão lenta do assunto, o pude fazer.
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Ontem Bin Laden, considerado o responsável pelo 11 de Setembro foi morto.
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Foi violento ver Barack Obama satisfeito com o feito,   as milhares de pessoas nas ruas Nova Iorque  festejarem a  morte; ler os jornais noticiando-a com o mesmo despudor; ouvir/ver uma apresentadora   excitada que queria ver umas imagens da morte, etc.
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Sempre houve guerras, vencidos e vencedores. O que não havia era o espectáculo mediático, a morte em cima da hora. 
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Cada qual com o seu interesse, poder, dinheiro, seja ele qual for e que motiva o seu rumo. 
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"Todos tiveram pai, todos tiveram mãe (...)" disse José Régio. Isto é frequentemente esquecido.
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À vida humana cada vez se dá menos valor.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Aconteceu...À espera de D. Sebastião?

................................Foto - Magda

domingo, 1 de maio de 2011

Poema - Eugénio de Andrade

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CANÇÃO
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Tinha um cravo no meu balcão;
........veio um rapaz e pediu-mo:
........- mãe, dou-lho ou não?

Sentada, bordava um lenço de mão;
........veio um rapaz e pediu-mo:
........- mãe, dou-lho ou não?

Dei um cravo e dei um lenço,
.......só não dei o coração;
.......mas se o rapaz mo pedir:
.......- mãe, dou-lho ou não?