segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Poema - Pedro Tamen

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Ardem-me os olhos de tanto me fixar
no presente vivido. Choro
inundando o que nas mãos seguro.
E é com as lágrimas dos dias,
com este pranto reclinado,
que à obra puxo o lustro,
dou brilho à sua vida, à minha.

domingo, 28 de novembro de 2010

Aconteceu...criança pendurada por corda. E por associação Buster Keaton, Pamplinas.

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Deu na televisão uma senhora a fazer descer pela parte exterior de um prédio pendurada numa corda, uma criança para ir, parece, apanhar uma peça de roupa que tinha caído à rua.
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Esta geração conhecerá o Buster Keaton, conhecido por nós pelo Pamplinas? É um actor do cinema mudo, que nunca se ria acontecesse-lhe o que quer que fosse, supostamente cómico. Digo assim porque depois de saber a história pessoal dele, deixei de me poder rir.
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Pamplinas foi uma criança maltratada pelos pais, artistas de circo, e que, para além de tareias, desde muito cedo o obrigaram a fazer exercícios perigosos e muito inquietantes para uma criança. Parece que era obrigado a fazê-los com um ar sério e acontecesse o que acontecesse assim deveria continuar.
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Como actor de cinema, e era ele que fazia também a narrativa, escolhia sempre umas cenas que corriam mal, ridiculamente mal, daí o cómico. Nunca ria...nem chorava. Não expressava emoção nenhuma.
Nos filmes aconteceram quedas graves, com idas ao hospital e lesões extensas. Ele insistia em ser ele, o corpo dele, a fazer aquelas equilibrices, quedas e choques, alguns com traumatismos fortes, visto que chegou a entrar em coma. Nunca quis fazer de conta nem arranjar um duplo, era sempre ele.
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A infância dele marcou profundamente a sua vida. Diríamos que houve uma compulsão à repetição do traumatismo, sem o conseguir resolver.
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E à miúda do prédio, vão salvá-la dum futuro assim? Porque aquilo que filmaram são maus tratos, e aqui a televisão pode ter tido um papel importantíssimo!

sábado, 27 de novembro de 2010

Aconteceu...foto - Fim de tarde de Outono

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...................................Foto - Magda

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Poema - Ruy Belo

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AS IMPOSSÍVEIS CRIANÇAS
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Nesta manhã de Outono dos primeiros frios
mais a caminho da velhice que da minha casa
eu vejo-vos em roda todas a cantar
Impossíveis crianças deixais-me brincar?

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Aconteceu...no século passado, ir buscar água na cantarinha

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Era uma das poucas casas lá da aldeia com água em casa, não da companhia, que ainda não estava instalada, mas com um poço.
No pátio, espaço para onde a casa em L dava, lá estava ele, que não era bem poço, mas uma cisterna grande e larga para baixo, que nunca soube se tinha sido escavada na rocha ou se era mais uma gigantesca pia como as que há por aquelas bandas.
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Cisterna porque recolhia a água das chuvas através de uma canalização montada nos telhados. No início das chuvas essas canalizações eram desviadas e as primeiras águas limpavam os canos. Só as seguintes já eram recolhidas.
Sei que era na Praça da Figueira ou ali perto que se compravam uns peixinhos que faziam da cisterna o seu mar e das impurezas da água o seu alimento.
Tinha uma tampa de folha (ferro?), e um balde com corrente que se mergulhava e puxava. Estava lá um engenho, desactivado, dos que se dava à manivela e a água escorria.
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Logo de manhã cedo, as empregadas, que na altura se chamavam criadas, iam encher as várias bilhas, que ficavam na cozinha e na casa de banho, onde quer por cima do lavatório e da banheira redonda de folha, um depósito de água era cheio. E havia uma torneirinha que abrindo, deixava escorrer a água como se canalizada fosse.
E porque a cisterna era grande e a casa só temporariamente era usada, a água era distribuida a quem a não tinha e ali a queria ir buscar durante a nossa ausência.
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Apesar deste "luxo" na casa da minha avó, o que eu gostava mesmo era de ir, descalça, com uma rodilha na cabeça onde apoiava um cantarinho, com as outras miúdas buscar água lá longe.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Poema - Herberto Helder

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HÁ CIDADES COR DE PÉROLA ONDE AS MULHERES
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Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.

Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada
sobre escada.

MuIheres que eu amo com um des-
espero .fulminante, a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.

Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime - espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.

Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Aconteceu...já nem o cartucho de folha da lista telefónica se pode?

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Um país asséptico, é o que se pretende?
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Novembro, mês das castanhas. Um cheirinho sai do fogareiro da mulher que as tem a assar. Meia dúzia um euro, uma dúzia dois euros. Está tudo mais caro, mas aquele golpe na castanha antes de assar ou cozer é muito custoso de fazer. E assadas é na rua, quando o olfacto se liga com a memória e as glândulas salivares se põem a trabalhar.
Depois é o discurso do costume, saber se estão bem assadinhas, ó freguesa, isto está tão mau nas vendas que até já temos tempo de as assar bem. Ok, então dê lá aí umas, se faz favor. A mulher levanta a serapilheira, escolheu-as que eu bem vi, bem contadinhas e estende-me um cartucho de papel kraft pardo, desenhos de castanhas e com letras impressas:
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........................Castanhas
...........A Estalar, Vindas da Brasa!!
........Delicie-se Com a Nossa Castanha
................Preserve o Ambiente
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Reparo que o cartucho é duplo, do outro lado mas colado está um vazio. É para as cascas, explica-me. E nele está impresso:

.........................Castanhas
...................Mantenha a Tradição
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Sinto-me defraudada. Estão a gozar conosco. Mas a tradição não era o cartucho bicudo, enrolado na mão e feito de páginas de lista telefónica?
E preservar o ambiente não é reutilizar?
Na Wikipédia pode ler-se "Papel kraft é um tipo de papel fabricado a partir de uma mistura de fibras de celulose curtas e longas, provenientes de polpas de madeiras macias..." Pense-se o resto.
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Eu recebi esse mail que por aí circula e que mostra como a minha geração escapou aos maiores perigos! Não estava lá mas a tinta das listas telefónicas do cartucho com castanhas deve ser um deles.
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Não há pachorra!

domingo, 21 de novembro de 2010

Aconteceu...Foto - Raízes, ligação e segurança

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............................................................Foto - Magda

sábado, 20 de novembro de 2010

Poema - Augusto dos Anjos

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Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
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Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Aconteceu...que se pode intervir: criar e aumentar a resiliência, desenvolver a saúde mental

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A ida em anos diferentes aos mesmos sítios permite-nos ter bem a noção da diferença, por vezes superficial. Mas há outras mudanças bem mais profundas que se vão passando nas pessoas.
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No Rio de Janeiro e em São Paulo, há muito poucos bairros sociais. Há nomeadamente na periferia da capital, alguns grupos de prédios de andares, muito altos, sem varandas e pouco apelativos. Depois há uns aglomerados que à primeira vista parecem favelas, mas que por ter arruamentos passaram à categoria de bairros de renda social. E depois há as favelas, construções de 1 ou 2 pisos, sem ordenamento nenhum, que parecem plantadas umas em cima das outras.
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Quem vai observando as favelas por fora, como eu, nota diferença de há uns anos para cá. As casas passaram a ter, muitas delas, telhados de telha, muitos buracos de janela já têm as ditas, de alumínio e com vidros. O crescimento em altura das casas corresponde certamente a melhoria do seu interior. É conseguido à custa dos subsídios que o anterior governo estabeleceu para os mais fracos, economicamente falando.
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Na favela também onde moram muitos trabalhadores e suas famílias, não são só as redes de tráfico de droga como por vezes parece. Era dificil lá entrar e implantar fosse o que fosse. O governo de Lula fez uma distribuição de frigoríficos pelas favelas. Só que nelas não havia electricidade e as ruas e as portas foram-se abrindo para deixar instalar esse equipamento básico.
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Atrás da electricidade, instituições comunitárias e as crianças estão a usufruir disso. Há muito trabalho que lá está a ser feito, com pessoas e sobretudo com as crianças que têm vivências muito traumatizantes e tinham o desenvolvimento parado ou mal dirigido. Equipas diversificadas de técnicos vão fazer crescer as crianças, fazer-lhes chegar a cultura, nomeadamente através da escolarização. Ter outras vivências, é poder pensar-se de forma diferente. É de esperar que uma percentagem delas possam fazer a sua própria nova narrativa, um dia.
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Se a passagem de Boris Cyrulnik, mais uma vez por Lisboa, hoje no Instituto Franco Português, deixou, foi a noção da possibilidade de fazer crescer a saúde mental e a esperança onde às vezes parece não existir. A resiliência, processo tão querido a este médico francês, ensinou-lhe e ele a nós, que se é possível ir desenvolvendo em qualquer idade, quanto mais na infância. É possível recomeçar a vida psicológica e mudar o rumo.
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Ter vivido traumaticamente não é sinónimo de fatalismo. Há que intervir!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Aconteceu...Foto - Ondas

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...................................Foto - Magda

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Poema - Carlos Queiroz

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LEGENDA
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Toda a gente dizia que ele havia
...De ser, nesta vida, alguém;
.......E a mãe ouvia e sorria,
............Contente de ser mãe.
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O menino cresceu; É hoje um homem;
.......E, embora por alguém o tomem,
Quando o vêem passar, dizem: - Coitado!
...........É um poeta...(um aleijado).

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Aconteceu...que as mulheres podiam fumar

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Na rádio do carro estavam a transmitir uma entrevista a um médico. Não a ouvi desde o princípio, mas falavam do cancro do pulmão e da relação com o tabaco. São entrevistas que fornecem informações que podem ser importantes, por exemplo dos perigos de fumar, embora julgue que todos os fumadores têm conhecimento, ou quase todos.
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Tinha lido recentemente e ali também foi focado, que as mulheres portuguesas estão a ser cada vez mais fumadoras. Ora se hoje o cancro do pulmão é predominante nos homens, no futuro esta situação pode alterar-se.
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E a certa altura, o entrevistador afirma que "era uma coisa boa do fascismo as mulheres não poderem fumar" e estou a citar de cor. Não sei a idade do jornalista nem do médico que não se manifestou em contrário.
Acontece que no tempo do fascismo eu era fumadora. Saltei com aquela afirmação. Não, não era proibido as mulheres fumarem, não senhor!
No fascismo havia muitas proibições em que as mulheres eram penalizadas. Foi o caso das enfermeiras não poderem casar, assim como as professoras primárias numa certa época do fascismo.
Quanto ao tabaco, os portadores de isqueiros tinham de ter licença. Podia-se fumar nos transportes públicos, cinema, circo, em quase todos os sítios. Havia anúncios a marcas de cigarros. Nos programas de televisão as pessoas apareciam a fumar. Havia convite ao fumo!
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Era inconveniente as mulheres fumarem na rua, não por proibição mas por regras sociais retrógradas, em que a diferença entre mulheres e homens era muito marcada. Fumava-se na rua sim, faziam-no as mulheres que se conseguiam libertar dessas imposições.
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Estas pequenas desinformações, "uma coisa boa do fascismo" incomodam-me.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

domingo, 14 de novembro de 2010

Poema (extrato) - Jorge de Lima

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(...)
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Há sempre um copo de mar
Para um homem navegar.
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(...)

sábado, 13 de novembro de 2010

Aconteceu...num taxi, viagem com direito a filme de família

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Ipanema, 17h de uma sexta feira. O taxi pára e perante o destino pedido faz o ar mais chateado, e diz que vai ser a 3ª viagem seguida que faz até lá, que está tudo engarrafado, numa franca tentativa de desistência.
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O trânsito nesta zona do Rio de Janeiro é muito complicado. Enquanto não construírem um metro de superfície ou de underground, ou uma linha de caminho de ferro e só alargarem as vias para os automóveis, nada vai melhorar. A Barra da Tijuca continua a crescer em condomínios em altura, para classe média com carro e cada família tem vários carros.
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O taxista tinha um leitor de vídeo no tablier e resolveu mostrar o do 1º aniversário do filho, o Gabriel. De forma contínua, chata e insistente, foi-nos chamando a atenção para todos os pormenores.
Foi uma festa como acho que não é usual em Portugal. Organizada por uma empresa de eventos, em espaço alugado, um animador, imensos divertimentos, piscina de bolas, trampolim, comida e música. Na sala mesas redondas todas de toalha igual e fitas de laçarote e cadeiras vestidas. E imensa comida que enumerou.
Ele havia carneiros feitos em madeira tamanhos natural, com furos no corpo dos quais saíam paus de algodão doce, simulando o bicho real; bonecos de madeira iguais ao Gabriel, em pé; vimos o fato, o cabelo, da mulher, mais o 1º banho dado pela avó, enfim, a viagem nunca mais chegava ao fim.
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E dizia que toda a vida tinha sonhado que quando tivesse um filho e ele fizesse um ano teria uma festa assim.
Durante a viagem nomeou as suas tias e a avó. É possível que conhecer a infância deste homem tornasse compreensível este desejo, espécie de obsessão.
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Foi uma viagem muito chata! Mas fiquei a conhecer estas festas que nem de telenovela brasileira.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Poema - João Cabral de Melo Neto

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TECENDO A MANHÃ
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1

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Aconteceu...curso com diploma para Pai Natal

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Conheci há uns anos um homem, licenciado e já reformado, de longas barbas brancas, que no Natal participa por prazer em festas de Natal para crianças. Uma forma de ser solidário.
Grande, forte e com aquelas longas barbas brancas que lhe descem pelo peito formando, só precisa mesmo do fato e botas para parecer um Pai Natal "verdadeiro". Depois tem um jeito muito próprio, uma capacidade empática com as crianças, que faz o resto. Ele sabe falar-lhes, sorrir-lhes, tem o tacto de ser mais próximo ou mais cuidadosos na aproximação, e claro, distribuí prendas.

A época natalícia provoca um aumento de empregos temporários.
Um destes dias, no Rio de Janeiro, li num jornal de distribuição gratuita que tinha terminado mais um curso de Pai Natal. Achei um espanto, ele há cursos que não me passavam pela cabeça que existissem! 25 novos formandos receberam o diploma. É o 17° curso de uma escola dirigida por um director de teatro infantil, e que ensina aos alunos " postura, maquiagem, interpretação". Não falava de carga horária, pré aptidões e outras coisas assim. Só dizia que, à semelhança de outros anos, estes recém diplomados já tinham trabalho garantido este Natal e que a procura é tanta que nunca conseguem responder a todos os pedidos.
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O Brasil tem estas coisas, será que também resultava em Portugal?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Poema - Olavo Bilac

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UM BEIJO

Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior...Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prémio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto....

domingo, 7 de novembro de 2010

Aconteceu...somos muito importadores...

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Temos uma grande capacidade de entender o outro. Vamos a Espanha e percebemos o espanhol. Eles a nós, nada. Vamos a Itália e tentamos entender alguma coisa de italiano. Eles, a nós, nada. Vamos ao Brasil e entendemos o brasileiro. Eles a nós, à primeira nada, à 2ª perguntam se somos italianos. Temos de os ajudar e tentar falar abrasileirado. Se lhes dissermos bom dia, sabe onde fica o metro? nada. Temos de repetir abrasileirando Oi môço, porr favorr, o metrô? Joía, obrigado.
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Ouvir falar durante todo o dia é a minha profissão e a linguagem uma das minhas armas terapêuticas.
Reparei já há bastante tempo que os meus doentes, pais e filhos, de uma maneira geral não sabiam conjugar os verbos. Dizem por exemplo, eu disse a ela, ao referirem-se à conversa que tiveram com a professora, eu falei a ele, nas conversas com o filho e outras conjugações estranhas. Dei por mim a falar assim de vez em quando para logo emendar, preocupada com o contágio de quem não estudou muito e lê pouco ou nada bons autores portugueses ou boas traduções.
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No concurso dos Ídolos, ouvi um dos membros do júri dizer para um concorrente que não cantava bem "isto não é a tua praia". Achei estranho, certamente uma nova expressão idiomática, pensei.
Sempre tivemos bichas que se formam enquanto esperamos qualquer coisa, tivemos, porque hoje todos dizem filas, não vá algum brasileiro homossexual estar por perto e ofender-se.
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Será que hoje em dia o português e o brasileiro são mesma língua, ou hoje são línguas diferentes? Uma pancada de chuva é a nossa chuvada, uma dúzia de rissoles são doze dos nossos rissóis, e se for só um será rissole, ônibus em vez de autocarro, celular em vez de telemóvel e tantos, tantos outros exemplos. E não podemos perguntar se estão a perceber, teremos de dizer entender e de preferência entendjer.
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Pois agora ficou muito mais claro para mim! Sabia que muitos nomes das crianças de hoje são influência dos nomes dessas inúmeras telenovelas brasileiras que diariamente entram pelas casas.
Mas também andamos a importar as expressões idiomáticas assim como construções frásicas. A importar do Brasil.
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Português e brasileiro parecem, à parte origem longínqua comum, estarem muito diferentes. Para quê acordar uniformizações?

sábado, 6 de novembro de 2010

Aconteceu...foto - Um brinde à beleza

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.................................Foto - Magda

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Poema - Vinicius de Moraes

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CINEPOEMA
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O preto no branco
Manuel Bandeira
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O preto no branco
A branca na areia
O preto no banco
A branca na areia
Silêncio na praia
De Copacabana.
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A branca no branco
Dos olhos do preto
O preto no branco
A branca no preto
Negor absoluto
Sobre um mar de leite.
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A branca de bruços
O preto pungente
O mar em soluços
A espuma inocente
Canícula branca
Pretidão ardente.
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A onda se alteia
Na verde laguna
A branca se enfuna
Se afunda na areia
O colo é uma duna
Que o sol incendeia.
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O preto no branco
De espuma da onda
A branca de flanco
Brancura redonda
O preto no banco
A gaivota ronda.
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O negro tomado
Da linha do asfalto
O espaço imantado:
De súbito um salto
E um grito na praia
De Copacabana.
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Pantera de fogo
Pretidão ardente
Onda que se quebra
Violentamente
O sol como um dardo
Vento de repente.
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E a onda desmaia
A espuma espadana
A areia ventada
De Copacabana
Claro-escuro rápido
Sombra fulgurante.
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Luminoso dardo
O sol rompe a nuvem
Refluxo tardo
Restos de amarugem
Sangue pela praia
De Copacabana...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Aconteceu...em viagem, nomes bons para jogos de palavras

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A auto-estrada São Paulo Rio de Janeiro, tem um rígido controle da velocidade, que no máximo é de 120, mas pode uns metros à frente passar a 80 e logo de seguida a 100 km/hora. Há frequentes postos da polícia. Funciona a "lei seca", um copo de cerveja já acusa no aparelho da polícia. Diz que houve franca diminuição de acidentes com estas medidas.
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Atravessam-se extensas zonas variadas, de serra e de pasto agora seco.
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O carro é sobrevoado por bandos de aves de rapina pretas, asas grandes. São urubus, aves necrófilas, que procuram cadáveres para se alimentar.
Nos pastos vêm-se muito gado. Chamou-me a atenção umas vacas brancas, semelhantes às sagradas indianas. Também estas estavam esqueléticas, o que me espantou. São de facto bois nelori, uma raça zebuína, a mesma das indianas. Gostam do calor e dão-se bem por aqui. O gado no Brasil alimenta-se de pasto, e não de ração, e o facto de se estar numa época "entre safra" faz com que agora não estejam prontos para a engorda. Parece que esta raça nunca ficará gorda como outras qualidades de bois, mas que a carne é muito saborosa.
O Brasil é um grande produtor de carne de vaca. Com os inúmeros puns das mesmas, contribui certamente bastante para o aquecimento global.
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Placas para sair da auto-estrada, com nomes de terras vão aparecendo, umas bem portuguesas como Queluz, Resende ou Penedo.
Outras de origem índia como Itaquaquecetuba, Caraguatatuba, Caçapava, Pindamonangoba, Guaratingueta.
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E pronto, toca a jogar à forca e ganhar.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Aconteceu...arte urbana

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...................................Foto - Magda

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Poema - Manoel de Barros

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EXPERIMENTANDO A MANHÃ DOS GALOS

... poesias, a poesia é

- é como a boca
dos ventos
na harpa

nuvem
a comer na árvore
vazia que
desfolha a noite

raíz entrando
em orvalhos...

floresta que oculta
quem aparece
como quem fala
desaparece na boca

cigarra que estoura o
crepúsculo
que a contém

o beijo dos rios
aberto nos campos
espalmando em álacres
os pássaros

- e é livre
como um rumo
nem desconfiado...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Aconteceu...em viagem, ele há cada história!

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No avião rumo ao Rio de Janeiro, sentou-se a meu lado um homem de meia-idade, aspecto simples e rural.

Ainda estávamos em terra, e toca o telemóvel dele. Ouvi-o atender e surpresa, dar ordens sobre a rega dos tomates e dos pimentos, com pormenor de horário e quantidade de rega.

Manteve o telemóvel ligado e já no ar um novo telefonema e as ordens eram sobre a rega dos pepinos. Confesso que fiquei perdida de riso...e de curiosidade.
Como nenhum tripulante lhe deu nenhuma indicação directa sobre medidas de segurança como o desligar do telemóvel, disse-lhe eu. Ficou aflito e desligou-o, e aproveitou para me contar a sua aventura. Era a primeira vez que andava de avião.


Era de uma aldeia do centro do País e nunca tinha viajado mais do que uns quilómetros em roda da sua terra. Pequeno agricultor, tinha empregado para trabalhar consigo uma brasileira. Aqui falou de uma maneira especial, baixou a voz como se de um segredo se tratasse. Só que ela, na semana anterior, sem aviso prévio e sem que ele percebesse o porquê quis voltar para o Brasil. Disse-me que ela lhe fazia muita falta, tinha quase chorado, implorado para que ficasse, mas ela tinha partido.

Uns dias depois ela telefonou-lhe, arrependida, queria voltar para Portugal, pediu-lhe que ele a fosse buscar. Com o coração aos pulos, dispôs-se a ir, sem hesitar. Arranjou um vizinho que lhe ia tratar de regar as hortas durante a sua ausência. E lá estava ele, já com dois bilhetes comprados de volta para dois dias depois.
Não sabia onde ela se encontrava, só tinha o número do telemóvel. À saída desejei-lhe boa sorte.
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A brasileira tinha-lhe dado a volta ao coração...e à cabeça.
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Quanto aos tomates, pimentos e pepinos, esperemos que o vizinho tenha sabido cuidar.