quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Poema - Pedro Tamen

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Quando, ao cair da noite,
zumbe lá fora algo que não conheço,
será talvez o roçagar das nuvens
ou o ar agitado por um aceno
que me chama para longe deste banco.
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E de repente choro
tentando não molhar a paz evanescente
que as minhas mãos seguram incompleta
e que um dia, perfeita, falará
ela própria comigo, meu destino.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Aconteceu...há quem respigue para comer...sem IVA por enquanto!

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Oiço sempre que posso, as crónicas do Fernando Alves na TSF. Muitas vezes falar de coisas que desconheço, outras, como hoje, falou de qualquer coisa que estou farta de saber, a fome em Portugal e a inúmeras pessoas que andam à procura de comida nos caixotes do lixo. Sentimo-nos muito incomodados, são situações que nos envergonham.
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Há alguns anos dei um passeio pela Serra de Santo António. Terras pobres, cheias de pedras e de grutas, a população teve de se virar para a indústria das lãs, mantas, camisolas, o que safou muita gente. Pouca agricultura, só algumas vacas e cabras, as salta-catrepa como se diz em "calão" míndrico.
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As pedras fazem muros, umas em cima das outras, para separar propriedades. Ou cobrem extensões de terreno, com formas diversas, modeladas, os lapiás. Algumas fazem autênticas bacias, as pias, umas maiores outras mais pequenas, onde as águas da chuva se guardam e servem para os animais matarem a sede.
Outras, mais estreitas e com alguma profundidade, serviam para guardar o bagaço da azeitona (o que resta depois de espremida a azeitona para a feitura do azeite), e que, misturado com sal para conservar, ia servindo de alimento ao porco.
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Ao ir espreitar um desses buracos, uma velhota toda curvada, aproximou-se com curiosidade. E foi ela que nos explicou o que era a cova do bagaço. E solicita, ofereceu-se para nos ir mostrar umas enormes pias que ficavam num terreno particular mas onde ela podia nos levar.
Custou-nos aceitar porque ela era tão velhinha, que imaginamos o esforço que ia fazer, pelo caminho fora a pé. Insistiu, e lá fomos.
A certa altura, baixa-se ainda mais (dobrada já ela estava) e apanhou do chão qualquer coisa que meteu no bolso. Fiquei curiosa e mostrou-me, era uma fava, um bago de fava. E disse-me que teria caído quando transportaram outras que por ali teriam sido debulhadas, e que era tão boa como as outras. Havia de a comer.
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Da televisão que só oiço, sai a voz dos nossos dirigentes a apresentar as medidas económicas "para compensar o deficit".
Respigaria algum deles uma fava do chão? Não me parece, mas receio que a taxassem!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Poema - Vítor Nogueira

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GEOLOGIA
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Às vezes são homens de bem
empurrados para esta vida,
resquícios da erosão da montanha,
paisagens antigas
enterradas no gelo.
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Nada está garantido
numa geologia tão frágil. Este chão
pode virar-se sem aviso.
Ainda assim, sejam bem-vindos,
fiquem tristes à vontade.

domingo, 26 de setembro de 2010

Aconteceu...em 1975, numa assembleia convocada pela comissão de moradores

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Daqui a pouco ficarei presa em casa. As ruas serão temporariamente fechadas. Vai passar a procissão!
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O último domingo de Setembro é o último dia da feira, falei nela no princípio do mês quando começou.
Relembro que durante um mês, em plena cidade, a feira atrapalha os moradores. É barulho, sujidade, mais trânsito, falta de lugares para parquear, diminuição da segurança, sei lá, um rol de coisas.
Quem não é morador adora-a, vêm carros cheios com famílias inteiras, saem abraçados a alguidares, edredons, barros, flores, loiças. Enquanto lá se passeiam lambuzam-se com algodão doce, farturas e uns coiratos.
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Hoje a feira não é o que era. Pressões várias e a junta de freguesia, assembleia e Câmara têm tido a sensibilidade de a limitar. Muito menos barraquinhas, o interior do jardim (um mimo!) mantém-se livre delas podendo ser usado pelas crianças e os idosos que habitualmente lá jogam cartas, já não há a parte dos carrinhos de choque, dos microfones aos gritos. Já só tem muita gente aos sábados e domingos.
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Claro que não se pode acabar com ela, digo eu agora, é um acontecimento de cultura popular com séculos de existência. Mas porque não há-de durar só uma semana, esta mesma em que se realiza a procissão?
A feira acabará hoje à noite.
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Memórias de 1975
O pavilhão gimnodesportivo está cheio. É preciso empurrar os da frente para conseguir um lugar, as cadeiras estão já estão todas ocupadas, há gente a pé nas partes laterais. Um sucesso a resposta à convocatória da Comissão de Moradores. Ponto único da ordem de trabalhos, acabar com a feira!
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Atrás da mesa e encostados à parede, soldados do regimento mais próximo com espingardas de cravos na ponta.
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"Vai-se dar início à assembleia, aceitam-se inscrições" diz o presidente da mesa que irá gerir quer o tempo, quer o tema.
Muitos inscritos, uns a favor outros contra, e eis que a Glórinha, nome fictício, pede a palavra. É uma figura conhecida do bairro. Maneta, alcoólica e mais outras coisas que se dizem por aí, começa por dizer-se muito limpa. Limpa? Mas a que propósito virá tal coisa? Mas ela continua comparando a higiène dela com as senhoras da Comissão. O presidente intervém "Minha senhora, relembro-lhe o ponto que estamos a discutir. Por favor não se desvie dele". Mas ela insistia e de repente levanta a saia, onde por baixo não havia cuecas, para mostrar a tal limpeza. Foi uma enorme confusão!
Gritos na sala, mães a tapar os olhos dos filhos, os soldados sem saber que fazer, o Presidente a querer, sem conseguir, manter a calma na sala, uma debandada geral porta fora, aos empurrões. Lá dentro, a comissão, os soldados e umas poucas dúzias de participantes.
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Acalmados tentou-se recomeçar a reunião. Mas a maior parte dos participantes não tornou a entrar. Ficou-se sem quórum suficiente para uma decisão daquela grandeza. Deu-se por terminada a assembleia.

sábado, 25 de setembro de 2010

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Poema - José Tolentino Mendonça

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A ESTRADA BRANCA
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Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto.
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folhas tremiam
ao invisível peso mais forte
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Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Aconteceu...acusações infundadas, desculpas públicas

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Já houve tempos em que as páginas dos anúncios e da necrologia faziam parte da minha leitura de um jornal. Não me perguntem qual a graça, nunca comprei nada através desses anúncios. Quanto à necrologia havia qualquer coisa mágica, supersticiosa, como se tivesse a necessidade de ver que não havia ninguém conhecido, até mesmo próximo. Deixei-me disso.
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Hoje não sei como, dei comigo a ler um anúncio. Emoldurado dentro de um rectângulo preto, era um pedido de desculpas, o que me parece que não é muito habitual. O nome da pessoa, trabalhadora no sítio tal, que pedia desculpa à Sra. D. Fulana a que se seguiam vários apelidos, por a ter acusado do roubo de 50€ no local do emprego. E seguia-se um rol de mais desculpas e lamentos por lhe ter causado tanto incómodo, e etc. e tal.
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Aqui há uns anos, estive no Grande Hotel de umas termas a tratar da minha sinusite e a descansar. Um dia de manhã saio do quarto, dei as minhas voltas, e eis quando sinto alguém muito perto de mim. Eram dois homens, eventualmente familiares entre si e também eles hóspedes do hotel. Desculpamo-nos mutuamente pelo discretíssimo encontrão, quando de repente percebo que o meu porta moedas, grande com espaço para notas e cartões, de uma pele verdadeira e muito bonita, tinha desaparecido. Tal como 1 mais 1 são 2, julguei ter logo percebido quem mo tinha surrípiado da mala.
Dirigi-me à recepção do hotel, onde me conheciam bem pois há anos que para lá ía, e perguntei se conheciam aqueles senhores, se sabiam quem eram, mas sem dizer a razão. Não conheciam, eram novos lá no sítio, estavam há poucos dias. Hesitei, se devia já contar o roubo.
Eu tinha a certeza de que tinha saído do quarto com o porta-moedas e eles tinham sido as únicas pessoas a estar perto de mim. Tinham sido eles quase com toda a certeza!
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Com o coração aos saltos de sobressalto e excitação, que não há nada que mais me irrite do que ser roubada, subi ao quarto para pensar o que fazer. A camareira ainda não tinha passado a fazer a cama e as arrumações. Resolvi puxar as orelhas à roupa da cama para me deitar um pouco e sossegar. E nesse movimento de levantar os lençois, ei-lo que lá o encontro, escondidinho, certamente caído quando o ia a meter na mala.
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E se eu tivesse acusado os tipos, mas que grande embaraço que tinha sido!
Será que teria havido no jornal um pedido de desculpas minhas para limpar a honra daqueles hóspedes manchada com um falso testemunho meu?
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"Nunca tenho dúvidas e raramente me engano"? Não, felizmente!

Aconteceu...cartoon

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Poema - Alberto Pimenta

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SUGESTÃO

já tentaste praticar o bem
fazendo mal?

já tentaste praticar o mal
fazendo bem?

já tentaste praticar o bem
fazendo bem?

já tentaste praticar o mal
fazendo mal?

já tentaste praticar o bem
não fazendo nada?

já tentaste praticar o mal
fazendo tudo?

já tentaste praticar tudo
não fazendo nada?

e o contrário, já tentaste?
já?

seja qual for a tua resposta,
não sei que te diga
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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Aconteceu...numa esplanada

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Fiz com a minha mãe, desde que me lembro, um exercício criativo que nos divertia imenso. Sentadas numa esplanada ou noutro lugar público, elegiamos uma das pessoas que nos rodeava e inventávamos-lhe a "sua" história. Tirávamos-lhe a "fotografia" e imaginávamos como ela seria, como teria sido, qual a profissão, a vida familiar, e até o feitio. Às vezes um futuro. Este jogo dava-nos um enorme prazer e uma grande cumplicidade. Nesta invenção, muito de projectivo era lá posto.
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Chamei-lhe jogo criativo. De facto já aconteceu encontrar pessoas que ficam completamente bloqueadas com ele, incapazes de criar uma personagem a partir da observação de alguém a quem se tiram algumas características.
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Também já encontrei quem ficasse escandalizado com ele, achando ser um acto de cusquice, o que não é de todo, porque se trata de fantasia.
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Mas também o acto de cusquice é em algumas situações divertidíssimo. E é cada vez mais fácil de o fazer, eu diria mesmo impossível de não o fazer. Todos os dias encontramos gente que fala alto de intimidades ao telemóvel. Ficamos a saber os problemas da família, os enganos dos vizinhos, as trapalhadas com os amigos, as gracinhas dos filhos, etc.
Há uma enorme falta de pudor com o telefone ambulante.
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Escrevo este pequeno texto numa esplanada a céu fechado num centro comercial, enquanto espero umas fotocópias.
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Não os vejo porque estão atrás de mim, mas sei que são três homens, na casa dos cinquenta/sessenta anos, que se encontraram bastante tempo depois de uma época de fadistia que viveram em comum. Estão eufóricos e dos seus telemóveis ligam para outros do mesmo grupo com quem tiveram grandes farras, passam o telefone de mão em mão e combinam encontros. Vou sabendo, por ouvir, as histórias das suas farras.
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Cusca? De todo!

domingo, 19 de setembro de 2010

Aconteceu...foto - Fim-de-tarde

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.......................................Foto - Magda

sábado, 18 de setembro de 2010

Poema - A. M. Pires Cabral

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Quando um dia - é fatal -
pousar sobre os meus ombros
aquele assíduo, rigoroso abutre
que voa sem rumor em círculos cautos
como a tirar as medidas do meu corpo -
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saibam todos que para esse tempo
tenho ainda alguns gestos de recurso
(que não revelo), com que espero
morrer mais comodamente.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Aconteceu...que às vezes sentimos que fazemos pouco

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Está na ordem do dia, proteger crianças de serem abusadas, batidas, negligenciadas pela família. Organizações, muitas delas estatais ou com apoio estatal, recolhem e têm por missão ajudar a crescer com dignidade quem a não tinha na sua família de origem.
Também mães e filhos são recolhidos e escondidos para se verem livres de maus tratos, enquanto se tenta que reorganizem a sua vida e possam encarar o futuro de outra forma.
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Mas frequentemente vemos instituições superlotadas, onde crianças e jovens convivem quase colados com outros e já com marcas maiores; os cuidados que prestados são só no sentido básico, alimentação, cama e roupa, sem atender às necessidades emocionais de cada um.
Instituições onde, por terem seres mais frágeis, são abusados, quer sexualmente como temos visto, mas também na sua dignidade.
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Um miudito africano queixava-se que o monitor lhe chamava sempre ó preto! Está bem, ele é preto, mas porque não chamava aos outros ó branco?
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Uma mãe com uma filha, acolhidas em casa abrigo para proteção devido aos maus tratos que recebiam do marido e pai, eram insultadas pelas auxiliares da casa. A miúda tinha na ausência da mãe castigos severos, sem explicação. Eram criticadas. Ameaçadas de serem postas na rua como retaliação. Será isto proteger?
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Outros queixam-se que os monitores "chamam nomes à minha mãe" como eles dizem, quando algum disparate ocorre.
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Temos uma sociedade com algumas organizações sociais e de solidariedade, é verdade, mas há que seleccionar e formar quem nelas trabalha. Os funcionários sem qualidade são uma minoria, mas é preciso fazer alguma coisa, a bem das pessoas em situação de fragilidade.
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E é bom lembrar, que as crianças de hoje serão adultos amanhã. Serão pais e serão mães. E que modelo terão dentro de si, se o modelo dos pais fôr repetido pelos que os acolhem?

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Aconteceu...Pôr-do-sol na marina

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............................Foto - Magda

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Poema - Ana Hatherly

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A PALAVRA ESCRITA
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A palavra-escrita
é um labor arcaico: sulca enigmas
venda e desvenda
o sentido do gesto
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é uma imagem detida
recolhida do mais fundo cinema íntimo
onde o verdadeiro
é um ser invisível
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O cinema do mundo está aí
onde houver ilusão
onde houver vontade de ver
mesmo que seja só o nada

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Aconteceu...subsídio aumenta 50 cêntimos?? Obrigadinho!

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Estou furiosa! Estas coisas dos computadores tem muito que se lhe diga e eu nem sempre saberei bem o que faço com esta máquina.
Tinha aqui escrito um texto sobre o valor do dinheiro, e, pimba, apagou-se! Nem no rascunho o recuperei.
Por isso vou tentar, abreviadamente, repor as ideias do dito.
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Falava no engano que o valor em euros causa, eventualmente por ter, em muitas coisas como no supermercado, valores de só um digito. Pêra a 1,2€, frango a 2,2€, leite a 0,60€, mais isto e mais uma promoção, e até parece que achamos que isto hoje está barato. Chegando à caixa para pagar, tal como o ditado que diz "grão a grão enche a galinha o papo", o nosso cesto está caro.
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De quanto vale hoje em dia uma banal gorjeta, por exemplo no cabeleireiro, onde são logo a três pessoas, a ajudante que lava, a manicure e a cabeleireira que corta e penteia, um euro a cada faz três ou seja seiscentos escudos. Que menos que um euro "não se dá a ninguém".
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Ao arrumador dos carros a quem não costumo dar mas quase toda a gente dá uma moedinha. E como tem medo que o carro vá aparecer com um risquinho, não vai dar menos de 1 €.
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Isto veio a propósito de ter ouvido uma notícia hoje anunciando que o subsídio para os livros escolares dos mais carenciados tinha subido 50 cêntimos. 50 cêntimos?? Ou se precisa ou não, mas isto parece uma brincadeira de mau gosto!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Aconteceu...nuvens ao pôr-do-sol

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..........................................Foto - Magda

domingo, 12 de setembro de 2010

Poema - Cesário Verde

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DE TARDE

Naquele "pic-nic" de burguesas,
Houve uma cousa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

sábado, 11 de setembro de 2010

Aconteceu...os piqueniques da minha infância

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O dia começava cedo para os adultos, que era preciso fritar os croquetes e os rissóis, fatiar o lombo já assado na véspera, as tartes salgadas e doces, não esquecer o pão, as febras, o sal e os limões, os chouriços cortados em rodelas não completamente separadas, para que o lume não as faça cair quando abrirem e começarem a pingar, e o bolo de laranja. As bebidas no congelador um bocado, vinho tinto, cervejas, um garrafão meio de água a congelar, depois é só acabar de encher e a água ficará fresquinha pelo dia fora, o frango e as ervilhas já estão estufadas, vamos lá pôr o arroz e esperar que levante fervura para embrulhar em jornais e chegar lá pronto e quente, é melhor levar uns pacotes de batatas fritas que sempre sabem bem, ai que já me ia esquecendo dos termos com café e o outro com chá, isto está quase, a salada de tomate que aguenta ir temperada, fresquinha vai saber muito bem. Melão e melancia bem fresquinhas, que a casca protege do calor. Estará a faltar alguma coisa?

O fogareiro e o carvão já estão, a cesta dos pratos, dos copos e talheres, fica tão giro, mais a toalha grande dos quadrados, vermelha e branca, e os guardanapos de papel vermelhos a condizer.

Já lá estão as mantas para pôr no chão? As redes para pendurar nos pinheiros? As cadeiras de lona? Como é que isto tudo vai caber no carro?

Eram assim os piqueniques, na altura escrevia-se pic-nic, da minha infância. Na casa dos amigos dos meus pais, movimentos semelhantes deviam existir, e juntos, adultos e crianças passávamos um dia muito divertido nos pinhais lá para o lado do Guincho.

No fim as cinzas do fogareiro eram deitadas já murchas para o chão. E com grande divertimento, os rapazes, não fosse alguma ter ficado viva, regavam-nas com o seu xixi, todos ao mesmo tempo e debaixo de uma grande risota.

Na volta, a excitação de um dia de aventura passada, o sono enchia-nos e adormecíamos até Lisboa.

Nota- O Pedro e Miguel já não me podem ler mas eram os meus grandes amigos e companheiros, treinavamos subir às árvores, aventuravamo-nos pinhal fora à procura de tesouros, a seguir os caminhos de alguma bicharada, ouvir e procurar adivinhar qual o pássaro que assim cantava...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Poema - Nuno Júdice

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SOBRE O POEMA
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As palavras caem, como a estrela
cadente que vi uma destas noites, e
desenhou uma linha nítida no meio
dos astros que não deram por ela.
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É possível que os versos sejam
como essa estrela cadente, e ninguém
repare na sua linha exacta, quando
olha para as imagens do poema.
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Mas há palavras que caem
no meio dessas imagens, e antes
que desapareçam deixam o sulco
de uma ferida que não cicatriza.
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Molho a caneta na tinta dessa
ferida, e vejo a palavra secar
no papel, como o brilho da estrela
cadente que se apaga no céu.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Aconteceu...Querido mês de Agosto...na 2ª circular

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É muito divertido este país no mês de Agosto, como bem retratou o filme, embora por detrás do enredo manifesto estivesse o drama, na relação pai-filha, artistas que alegram as festas.
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Em certas praias, o espaço para as toalhas é escasso, o mar está pejado de gente, de tal forma que ao longe parece uma multiplicidade de pontos pretos, vulgo cabeças se vistas de perto. Há bichas para os supermercados, no mercado do peixe somos empurrados contra as bancadas com o cheiro a agarrar-se-nos à roupa. Se usarmos carro, a ida e a volta é feita em marcha lenta. Sua-se litros! Que maravilha!
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Como o filme "Aquele Querido Mês de Agosto" mostra, terras quase abandonadas de gente durante o ano inteiro, ficam cheias dos que ganham a vida lá por fora, a festejar, romarias, casamentos, microfones nas praças a ecoarem música e publicidade; as janelas sempre fechadas das maisons abertas, mais uma obrazita.
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E em Lisboa? Quando hoje de manhã, demorei vinte e cinco minutos para fazer quatro quilómetros, pela 2ª circular, pára, pára, arranca, dei comigo a lembrar-me como foi Agosto, o mês que há dias acabou.
Ruas sem movimento, lugares de estacionamento havia o que se quisesse, doentes poucos que estão de férias, mas que grande diferença!

E não foi por não haver gente em Lisboa. Museus cheios, com aumento das visitas guiadas tal a procura, espectáculos esgotados, pessoas a passear pelas zonas mais interessantes da cidade.

Ai meu querido mês de Agosto em Lisboa!
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PS: Talvez os que ficaram em Lisboa, a fazer praia na Caparica, bichas para as camionetas, calor, ou nos carros, horas para atravessar a ponte, esses certamente não viveram as minhas boas experiências, mas espero que tenham tirado partido das deles. É que a vida é dura para alguns, conheço miúdos para quem as férias, foi ficarem fechados em casa. Esses sonham com o regresso da escola, aos amigos, nem sempre às aulas que no entanto também fazem parte da escola.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Poema - Miguel Torga

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MAR SONORO

Rumor das ondas, música salgada,
Eterna sinfonia
Da energia
Inquieta:
Que búzio te ressoa a nostalgia
Além do meu ouvido de poeta?

domingo, 5 de setembro de 2010

Aconteceu...que começou a feira, estamos em Setembro!

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É muito fácil gostar-se de certas coisas quando elas não nos ficam mesmo à porta de casa. Sem trânsito acrescido, ruas com sentido cortado, arrumadores para os poucos lugares que sobram, barulho, cheiros...
Quando estamos mais longe do local, tudo parece pitoresco, as compras baratas, o movimento das pessoas interessante, etc.
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Morei durante trinta e tal anos à beira do jardim que serve de poiso a uma feira anual, com duração de um mês. Em plena capital do país!
Não queiram saber! Enquanto os filhos eram pequenos, esse mês era todinho passado em férias, bem longe. Mesmo assim ainda havia feirantes que prolongavam a estadia sob o olhar desautorizado da autoridade camarária.
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Arrumar o carro era uma aventura, uma lotaria e quando se conseguia perto, motivo de regozijo.
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Frente à minha casa havia uma rua sem saída que só servia para estacionamento. As caravanas dos feirantes durante este período ocupavam-na quase por inteiro, aquilo era uma espécie de parque de campismo selvagem, na cidade. Era só vê-los de manhã em pijama a ir tomar o pequeno almoço ao café que ficava por baixo de mim, ainda cabelos desarrumados, cheiro a cobertor.
Ou a mesa de pic-nic ocupando um lugar para carro e eles ali ao almoço, panelas no fogão. Más condições para nós, residentes, e para eles feirantes.
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Um dia venho de trabalhar, já ao fim da tarde e vejo um espaçozinho para o meu carro, junto a uma roulotte. Toca a preparar-me para arrumar. Já quase o carro arrumado, só para acertar meto a marcha atrás, e de repente, dou-me conta de uma pessoa sentada numa sanita bem perto da traseira do meu carro. Pensei que estava a ter uma alucinação. Ou seria para alguns "apanhados"?
Mas era mesmo assim. Aflita dos intestinos, alguém tinha saído da carripana e tinha-se ido pôr a fazer as necessidades entre a "casa" deles e o meu carro, numa portatil! Consegui arrumar, bem juntinho às pernas da pessoa que continuava sentada a fazer as suas necessidades e fui para casa.
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Hoje, anos passados, tenho de me rir deste episódio!

sábado, 4 de setembro de 2010

Aconteceu...foto - À espera de "melhores" dias

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......................................Foto - Magda

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Poema - Filipa Leal

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O TEU JARDIM

O jardim não sabia ser jardim
sem a mulher que com ele falava
sozinha.

Sozinha a mulher,
sozinho o jardim quando a mulher
não chega da sua solidão.
Sozinha a rapariga que olha o jardim,
que procura a mulher,
que não fala sozinha.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Aconteceu...que às vezes não olhamos à nossa roda

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Nem sempre podemos estar atentos ao que se passa à nossa roda. Por vezes estamos tão centrados em nós que não nos damos conta dos outros.
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Aqui há uns anos, mais precisamente em 2004, um colega meu estava a preparar-se para o exame final. Fechou-se dentro de casa e ali esteve a escrever e a estudar durante o curto período que para isso dispôs. Quando voltou ao serviço, e aqui faço abro um parêntesis só para dizer que, no nosso trabalho e por via das conversas com as crianças precisamos de conhecer o mundo que lhes interessa e fecho parêntesis, todas as crianças que ele atendeu nesse dia lhe falaram em morte e futebol. Se bem se recordam, morreu em campo durante um jogo que estava a ser transmitido pela televisão, Miki Feher. Como é óbvio, muitas crianças ficaram impressionadas. O médico, saído da redoma em que tinha estado, é que não sabia.
Lembro-me dele bater à minha porta para ver se eu percebia o que se estava a passar com tanta criança a falar em morte no mesmo dia. Ainda nos rimos os dois deste período de isolamento completo que ele tinha vivido.
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Vem isto a propósito dos movimentos de revolta com tumultos que estão a acontecer em Moçambique.
Ouvi na rádio duas entrevistas, a primeira a um senhor que vive lá há 55 anos e que disse estar completamente admirado, não esperava nada, não percebia a razão.
O segundo, o escritor Mia Couto, disse quase exactamente o contrário. Que era previsível, que se sentia um mal estar com o aumento de preços e o agravamento da situação de vida de muitos moçambicanos.
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Uns numa redoma, outros a céu aberto?
Ou parafraseando Pirandello, "À chacun sa vérité"!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Aconteceu... A noite a descer sobre a praia

...........................................Foto - Magda