segunda-feira, 28 de novembro de 2011

domingo, 27 de novembro de 2011

Poema - Ricardo Reis

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CADA COISA A SEU TEMPO TEM SEU TEMPO

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.

À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.

À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do Sol) —

Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem

Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.


E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos

Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Aconteceu...regresso à lareira

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Há épocas da vida em que gostamos de certas coisas. Depois deixamos de gostar e mais tarde, muitas vezes gostamos de novo.
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Estava a pensar nas casas de aldeia onde moraram bisavós e onde em crianças gostávamos de ir.
Há décadas eram as experiências de brincar com as bonecas de pano que as vizinhas tinham, fazer cozinhados para as alimentar com aquela erva que tem uns grãos e cresce nos telhados. O ir aos figos, andar no carro puxado a animais e que partilhávamos com os recipientes que nas vindimas iam vazios e vinham cheios a caminho da adega.
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Só que estas brincadeiras, na puberdade e adolecência Deixam de ter piada. Os interesses são outros.
E um grande interregno se fez.
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Igual história se repetiu com os filhos. O automóvel já permitia passeios às praias, visitas e turismo que entusiasmavam os rapazes. Mas a idade avança e tal como à mãe na mesma idade, a aldeia desinteressou.
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E agora com os netos, recomeçará tudo de novo? A casa, triste de abandonada deve agradecer.

domingo, 20 de novembro de 2011

sábado, 19 de novembro de 2011

Poema - Alberto Caeiro

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Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Aconteceu...água mole em pedra dura fura sempre?

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Numa certa fase da minha vida, no antigo 7º ano, tive umas explicações de física. Uma professora certamente sabedora, cumpridora e exigente. Mas quanto a psicologia, achei eu na altura, era péssima. Ou seria realista? pergunto-me eu agora. E ter-me-à feito algum mal o que me disse?
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Eu conto. Nessa altura da minha adolescência tive um período de grande interesse por muitas coisas. A aprendizagem escolar não fazia parte dos meus principais interesses dessa época. Havia outras tão mais importantes...
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Com o intuito de me ajudarem, puseram-me com explicações de física, matemática, e geometria descritiva.
Época de muita displicência, pouco empenho e responsabilidade, reconheço.
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Na véspera do exame de física, não sei bem como se passou a conversa, só que quando eu disse à explicadora que depois passava por lá para lhe mostrar o que tinha feito no exame, ela desatou-se a rir às gargalhadas e comentou:  " Mas a Magda vai ao exame? Não tem consciência de saber pouquíssimo?"
Podem imaginar como saí dali raivosa, e furiosa por me ter criado tal desânimo. Sim, porque certamente eu não queria reconhecer que não era eu que não sabia muito, era muito mais fácil pensar que a explicadora é que era bruta!
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Bom, exame feito tive nota muito pequena, exigindo a minha ida à oral. Não me vou alongar, dizer que o examinador foi o professor Rómulo de Carvalho, também poeta António Gedeão, a quem eu responderia muito melhor se  me tivesse mandado recitar e até cantar alguns dos seus poemas que eu tinha musicado. Mas não, o exame era de física e  saí com uma reprovação muito merecida.
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Talvez esteja aqui a contar este episódio, preocupada com a estratégia que o Ministério da Educação parece estar a perspectivar. Corre por aí que querem acabar com as actividades extra-escolares do ensino básico para encher as crianças com mais estudo.
Não saberão que há imensas razões para uma criança não aprender? Que no ensino básico muitas crianças apresentam falhas que são melhor colmatadas com actividades de grupo, expressivas e lúdicas paralelamente ao estudo, o qual tem de ter um tempo definido e adaptado, do que com explicações, aulas e insistência da matéria? Alguns miúdos vão aguentar, assim como aguentam bons e maus professores. Outros não. Alguma vez a imaturidade psico-afectiva se curou com explicações? As depressões infantis? As irrequietudes, os deficits de atenção?
Sinto que estamos em muitas coisas a retroceder. Preocupante!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

sábado, 12 de novembro de 2011

Poema - Sophia de Mello Breyner Andressen

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O Velho abutre

O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Aconteceu... aventuras e desventuras de uma avó com os netos

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A chegada de uma avó do estrangeiro, neste caso eu,  mesmo que lá tenha estado só uns dias, é sempre motivo de grande expectativa. Trouxeste-nos alguma coisa? 
Os meus netos entusiasmados, foram saboreando antecipadamente a minha chegada. Ao telefone, o mais velho pergunta ansioso quando vou lá a casa. Será um dinossauro? Uma bola de futebol? uns cubos para fazer torres? 
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Não sendo uma consumista, há sempre qualquer coisa que trago. E tento sempre o que não há por cá, mesmo que insignificante, o que com isto da globalização é cada vez mais difícil. Mas tenta-se.
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Apesar de ter chovido durante parte do dia, e perante uma acalmia,  ao fim de tarde lá fomos nós à praia para tentar lançar um papagaio. Simples, um triângulo riscado com fitas coloridas que tinha visto esvoaçarem no ar quando puxado pelo vendedor. Com muito entusiasmo rodearam-me, suspensos no momento. Eis que devo ter sido enganada, ou será mesmo assim, não trazia fio para poder voar e ficar bem preso nas mãozinhas pequenas dos miúdos. Toca a guardar no saco e o lançamento ficou adiado.
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Vamos para casa. Novo entusiasmo, o DVD com o filme de animação Rio, giríssimo, que me encantou quando o vi durante a viagem de avião.
Para o comprar corri muitas lojas, parecia esgotado; e eis quando a descoberta de uns últimos exemplares me fizeram ficar contente.
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Os netos de banho tomado, cabelo penteado e trabalhos de casa feitos, e sentámo-nos frente à televisão para ver o vídeo. E eis que no écran aparece escrito "Fora da Região". Bolas!
Na loja nem me lembrei de ver se aquela gravação impedia que o DVD fosse universalmente visionado. Lá prometi aos miúdos que haveríamos de descobrir como resolver este problema, e passamos à descoberta da última lembrança.
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 Tinha-o visto ser lançado na rua. Trata-se de uma fisga que atira para o ar um led, que sobe brilhando na noite escura, quase chegando à altura de um 2º andar. Mas os pijamas vestidos já não davam para ir à rua, e lançámos a engenhoca mesmo ali na sala. O resultado foi mais um falhanço, o tecto é baixo e o efeito não teve graça nenhuma.
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Foi então que sorrateiramente desci ao supermercado que fica no prédio mesmo ao lado.
Que bem lhes soube aquela tablette de chocolate!
E ficou salva a minha honra perante os netos. 

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Poema - Ricardo Reis

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Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

domingo, 6 de novembro de 2011

Aconteceu...táxi já em Lisboa

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Aterro logo de manhãzinha no aeroporto da Portela, Lisboa.
Táxi! a fila, palavra brasileira que veio preencher a nossa bicha, maricas para eles, era pequena. Dou de caras com um taxista japonês mas alto. Bolas, que coisa mais estranha, japonês , taxista em Lisboa?!!
Digo a morada e ele não reconhece a rua. Percebe-se pelo sotaque que é brasileiro. Conversa-se um pouco, tanto quanto o cansaço permite. Que lá e cá é tudo uma questão de sorte, diz, e conta uma história dum cunhado que com o 12º ano conseguiu lá no Brasil um emprego muito bem pago. Mas que às vezes é preciso mudar de emprego, de terra, é preciso ir à procura, diz.
Eu já sabia. E só para falar de táxis, lá no Rio, um dos motoristas tinha sido chefe de cabine da Varig, outro topógrafo, outro tradutor. O trabalho tinha acabado e trabalhar como chaffeur de táxi tinha sido a saída.
É complicado, sim, a estabilidade já era. Há que descobrir novos modelos.

sábado, 5 de novembro de 2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Poema - Manoel de Barros - Parrrede!

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Quando eu estudava no colégio, interno,
Eu fazia pecado solitário.
Um padre me pegou fazendo.
- Corrumbá, no parrrede!
Meu castigo era ficar em pé defronte a uma parede e
decorar 50 linhas de um livro.
O padre me deu pra decorar o Sermão da Sexagésima
de Vieira.
- Decorrrar 50 linhas, o padre repetiu.
O que eu lera por antes naquele colégio eram romances
de aventura, mal traduzidos e que me davam tédio.
Ao ler e decorar 50 linhas da Sexagésima fiquei
embevecido.
E li o Sermão inteiro.
Meu Deus, agora eu precisava fazer mais pecado solitário!
E fiz de montão.
- Corumbá, no parrrede!
Era a glória.
Eu ia fascinado pra parede.
Desta vez o padre me deu o Sermão do Mandato.
Decorei e li o livro alcandorado.
Aprendi a gostar do equilíbrio sonoro das frases.
Gostar quase até do cheiro das letras.
Fiquei fraco de tanto cometer pecado solitário.
Ficar no parrrede era uma glória.
Tomei um vidro de fortificante e fiquei bom.
A esse tempo também eu aprendi a escutar o silêncio
das paredes.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Aconteceu...menino da rua

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Já tive oportunidade de falar nisto noutra altura, mas cá vai um breve apontamento, e uma nova história de vida.

Resiliência, cada vez mais se aplica este termo da física ao desenvolvimento psicológico. Trata-se, na física, da capacidade que um metal apresenta de voltar ao seu estado anterior depois daquele ter sido alterado. Ou, na outra perspectiva, de uma criança poder ir superando os "azares" da vida e crescendo adequadamente.

" Face au malheur, un choix s'offre à nous. Ou bien nous retourner sur notre passé, et le sel des larmes alors nous pétrifie. Ou bien aller vers l'aventure de la vie", afirmou Boris Cyrulnik, médico e resiliente que se tem debruçado sobre a sua vida e esta característica/competência salvadora.

Ao passarmos em frente a Copacabana, o António, um negrão grande e gordo guia turístico brasileiro, diz que foi ali que cresceu. A volta seguiu, com muitas referências positivas aos portugueses, a quem para ele, o Brasil deve quase tudo. Mais para o fim da viagem, com muita conversa e aumento de confiança, ele conta-nos que foi um menino da rua. E que foi muito ajudado pelos portugueses, uma vez que havia um restaurante de portugueses que o alimentaram, nunca como esmola mas ensinando-lhe que o trabalho merece ser pago. E assim, em troca de uma varridela do chão, de um recado, a refeição era-lhe dada. Era o salário justo, dizia ele. 

António é um resiliente. Inteligente, com vontade de aprender e estudar, aprendeu linguas estrangeiras e acabou como guia a mostrar a cidade que ele conhece tão bem como cada pedra da rua.