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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Aconteceu...que ela precisava de falar para alguém

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Acontece-me frequentemente receber fora do contexto profissional as mágoas dos outros, mesmo sem eles saberem que isso é uma parte do meu trabalho.

Olhou para mim, com um ar desolado. Os olhos húmidos, à beira das lágrimas. Ela atrás do balcão, eu sentada num maple de uma sala de espera reservada de um aeroporto. Em frente, a televisão falava da morte do Angélico. O olhar dela saltava do écran para mim, e bastou um minuto de cruzamento dos nossos olhares para ela para ela começar a falar do que lhe ia. Emocionadíssima, falava dele, da vida dele, do destino. Não, não o conhecia pessoalmente, nem revivia drama pessoal. Era mesmo por ele. E assim foi até à chamada do meu avião, que se atrasou imenso.

A televisão torna conhecido quem não nos conhece. Fala-se de locutores, actores, como se de familiares fossem. Vivem as alegrias e os dramas deles como se fossem os seus. As alegrias por vezes partilham-nas no próprio écran, como a quantidade de mães e avós que gostam do Malato.
As tristes não suportam vivê-los sozinhas, precisam de despejar ou partilhar, arranjar quem seja receptor, contentor para si.

E era eu quem lá estava.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Aconteceu...no Serviço Médico à Periferia - 6

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Há imensas acontecimentos que nos inquietam e perante os quais reagimos de forma absolutamente ridícula. Queremos livrar-me de qualquer maneira do incómodo, seja de como fôr, nem que seja um grande disparate.
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Já aqui falei várias vezes da minha experiência médica no início da minha vida profissional, na Beira Alta, durante o Serviço Médico à Periferia. Esta será mais uma história desse tempo.
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Um dia, para azar meu, tenho de acudir inutilmente a uma criança que levaram ao posto de saúde onde eu estava a trabalhar. Foi uma enorme trapalhada, movimentação, choros, gritos e a minha total impotência porque já chegou cadáver.
Foi muito complicado para mim gerir os sentimentos de me confrontar com esta situação.
Mais tarde tive de preencher uma certidão de óbito, também pela primeira vez. Como a criança tinha sido atropelada, pus como causa de morte provável traumatismo ou coisa parecida, não me lembro muito bem. O que sei é que nesse dia à tarde, ia eu na rua e um homem aproxima-se de mim, apresenta-se, era o Delegado do Procurador da Republica lá na terra e informa-me que eu teria no dia a seguir de ir fazer a autópsia ao miúdo.
Juro, má informação minha, mas eu não sabia que isso era uma ordem. Certamente que fiquei aflita, tanto mais quanto achava não saber fazer tal coisa, tinha visto uma e de má vontade durante o curso. Não achei pois melhor resposta do que dizer que não podia porque já estava com um compromisso.
Para a justiça não há outros compromissos, só os dela, e eu vi-me ali numa situação que, percebi depois, seria uma nódoa na minha carreira profissional.
Eu que achava que não ia conseguir. e se ainda estava muito incomodada com a situação que se tinha passado de manhã, como aguentaria uma outra?
Felizmente que uma colega e amiga ofereceu-se e foi autorizada a substituir-me.
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Mas a espontaneidade, coisa óptima em certas circunstâncias, pode, se usada como fuga sem a análise e o conhecimento das situações, ser uma inimiga.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

aconteceu hoje -1

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Pai, hoje postei um poema teu datado de 1953
Tinha eu 1 ano.
Sempre te preocupaste com o sofrimento dos outros
As dificuldades de quem nasce em berços parcos.

Entrei hoje na idade que tinhas quando morreste,
Eras de facto muito novo para morrer
Na altura não tive completamente esta noção.

Não sabes, já cá não estavas,
Mas a Mãe também foi embora neste dia
No dia dos meus anos
Mais uma coisa que nos uniu,
Como se isso fosse preciso...
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Convosco dentro de mim
Sinto uma sombra de tristeza, mas
É com prazer que olho para os meus filhos
Para os meus netos
E vejo que a vida continua.
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Magda

domingo, 27 de dezembro de 2009

poema - Carlos Drummond de Andrade

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QUALQUER TEMPO
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Qualquer tempo é tempo.
A hora mesma da morte
é hora de nascer.

Nenhum tempo é tempo
bastante para a ciência
de ver, rever.

Tempo, contratempo
anulam-se, mas o sonho
resta, de viver.

Carlos Drummond de Andrade