sábado, 16 de janeiro de 2010

Aconteceu...estar a ler 2 - A propósito da diferença


Foto da Compª Marie-Chouinard -retirada da net


“Que sinal é esse que tens na testa, não parece natural, Pode ser que não pareça, mas já nasci com ele, Dá a impressão que alguém te marcou, O velho das duas ovelhas também disse o mesmo, mas estava enganado, tal como tu estás, Se tu o dizes, Digo-o e repeti-lo-ei quantas vezes forem necessárias, mas preferiria que me deixassem em paz, se eu fosse coxo em vez de ter este sinal, suponho que não mo fariam notar constantemente”
Caim, José Saramago

Dou-me conta de como é diferente a forma como as pessoas com quem me cruzo me olham desde que ando com pé de gesso e canadianas.
Ainda vêm longe e começam a mirar-me primeiro por baixo, depois o olhar sobe, mira as canadianas e quando estão perto olham-me fixamente nos olhos.

Ouço frequentemente os lamentos de mães de crianças perturbações do desenvolvimento, e com comportamentos diferentes dos habituais. Queixam-se, algumas com sentimentos de vergonha, de como nos transportes públicos, nas lojas, as pessoas olham para os seus filhos, franzem as sobrancelhas e acabam por ouvir comentários onde as crianças passam por malcriadas e eles por pais que não sabem educar.

Contaram-me no outro dia uma situação curiosa. Uma senhora aproximou-se de uma criança com paralisia cerebral, numa cadeira de rodas dizendo “coitadinho”. Resposta pronta da criança, olhe que eu chamo-me Pedro!

A diferença é quase sempre incómoda ao próprio mas também ao outro.

Henrique Amoedo director artístico do Grupo “Dançando com a diferença”, companhia onde se misturam bailarinos com vários tipos de deficiência com outros sem, afirmou que o trabalho que faz lhe permite lidar com o seu próprio preconceito, porque também ele não está fora disso. Considera aliciante descobrir as potencialidades em cada bailarino. O trabalho da dança permite ao bailarino deficiente modificar a sua visão de si próprio, ajudando-os a lidar com as suas dificuldades, sentir-se melhor, aceitando-se.

No palco cruzam-se deficientes motores em cadeiras de rodas, com bailarinos invisuais, mentais como portadores de trisomia 21, vulgo mongoloídes, apoiados por bailarinos "não deficientes"..

Com estes espectáculos o Henrique Amoedo pretende também ir mudando a forma como as pessoas se confrontam com a deficiência dos outros.

Já pude assistir a espectáculos deste grupo. É um grande trabalho!

Assisti também ao que a Companhia de Marie-Chouinard apresentou em 2008 no CCB, um espectáculo de certo modo provocador, confrontando-nos com corpos deformados e com movimentos estranhos.

Apoiados em próteses como canadianas de várias alturas os corpos dos bailarinos transformavam-se ficando com formas muito diferentes das habituais.

Foi um espectáculo de rara perfeição técnica e beleza.

Muitos trabalhos destes, que nos ajudem a lidar com o diferente, sem negar as diferenças, podem vir a ser muito importantes numa sociedade ainda preconceituosa e rejeitante como aquela em que vivemos.

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