sexta-feira, 18 de junho de 2010

Aconteceu...em Buenos Aires, taxista e Maradona

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Eu já desconfiava que volta não volta vou pensar na bola. Ontem vi parcialmente dois jogos, um enquanto pedalava no ginásio, outro enquanto comia um bitoque aqui no restaurante de bairro a que carinhosamente chamo de cantina, tal o uso como recurso.
Agora à noite vi pois o Maradona vestido de fato e gravata a festejar a vitória da selecção argentina.


Há uns anos fiz uma viagem pela Argentina e Chile. Hoje só me vou reportar a Buenos Aires, cidade grandiosa, capital europeia com dimensão americana. Ruas larguíssimas, museus incontáveis, jardins, bairros interessantíssimos, esculturas ao ar livre, eu gostei imenso e quero voltar.

Mas uma das coisas que me impressionou foi a qualidade dos taxistas. Muitos de meia idade, educados, cultos e prestáveis.
Um deles, numa deslocação em que me guiou por vários museus de artistas argentinos, foi falando das suas viagens à Europa, muito especialmente a Espanha, Madrid e o Museu do Prado que o encantou.
A certa altura da viagem passamos junto do estádio do Boca Juniors e eu falo no Maradona que eu sabia que tinha sido daquele clube.
Acho que até abrandou a velocidade, e em voz pausada diz-me que melhor fora que nunca o tivessem tido. E explica-me que quando um país tem um personagem daquele calibre, um ídolo para a juventude, essa pessoa tem de ser uma referência, um exemplo. Ora o do Maradona, na altura todo "encharcado" na toxicodependência, era prejudicial aos jovens.
Na altura gostei de o ouvir. Era um homem que pensava e tinha crítica.
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Se na infância os nossos pais e família próxima são as figuras maiores de referência na construção da identidade, na adolescência as figuras de identificação alargam-se, abrangendo outras pessoas que nos parecem importantes para nós. Por vezes professores, médicos mas também outros jovens e alguns idolos. Por vezes breves identificações feitas pela superfície como o uso de brincos ou do penteado de Cristiano Ronaldo.
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Mais tarde vi o Maradona sempre de charuto na boca, hábito importado de Cuba onde o terão reabilitado.
Hoje vejo-o como treinador. Oxalá se aguente saudável. Há doenças que em personalidades frágeis podem ter recaídas.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Poema - Renata Correia Botelho

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encosto a face à parede
mais triste do quarto, fiel
guardiã do sol posto.
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o coração que me deixaste
é uma casa difícil de habitar.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Aconteceu...que vai haver muito futebol

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O facto de ter tido dois filhos rapazes e um marido que gostavam muito de futebol, fez com durante os anos que vivemos todos na mesma casa eu até acho que ia percebendo alguma coisa daquilo. Eles riem-se, dizem que não percebia nada, que era frequente perguntar de que lado era a baliza do clube tal, a cor do fato e outras perguntas que acho completamente normais.
Mas ouvia-os falar dos jogadores, sabia alguns nomes dos mais falados, ia sabendo quem tinha ganho ou perdido.
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Isto era muito importante para mim.
À custa deles conheci também os desenhos animados que passavam na televisão, mais tarde algumas séries vistas pelos adolescentes, conjuntos musicais e músicas. Não só conheci como algumas coisas fiquei até a gostar. Deveria ter escrito que com eles descobri.
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E estes conhecimentos são muito úteis no meu trabalho com crianças e adolescentes. Estar fora do mundo deles, dificulta a comunicação e até a avaliação de como eles estão integrados no mundo dos pares da sua idade.
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Agora sem aquela fonte de informação caseira, tenho quase de estudar algumas coisas. Porque senão corro o risco de não os entender, nem mesmo entender o que eles percebem do assunto.
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Hoje foi o 1º jogo de Portugal no Mundial de futebol. Tenho de andar atenta.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Poema - João Negreiros

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O POEMA NÃO

quero as palavras pequenas como feijões
que não me dêem problemas como os feijões
as palavras mescladas com carne que me dão a sabedoria de quem
[não está para pensar
os grandes temas fazem-me comichão e ardem-me demais
já os visitei muitas vezes
tantas que não estão em casa
o amor não está em casa
a vida não está em casa
a condição humana não está em casa
a violência
a beleza
a tristeza
as raças
as distâncias
a injustiça não estão em casa
ninguém está em casa por isso não gloso a erudição mas gozo o
[poema não
o não poema
o que não diz
o que nada
o poema nada
este é o poema nada
é o que existe na vez do branco
o que existe para matar a árvore
a literatura morta
lenta
inválida
sensaborona
flácida
talvez assim entendam
talvez assim o queiram
não perco em tentar
se serve tanta gente porque não há-de servir
vou só antes de terminar escrever umas palavras à sorte
[com um truquezinho estilístico
pelo sim pelo não
e fica o trabalho feito
a pata do pombo trepa o farol
é isto
que bem que corre
soa tão bem e diz tão nada
olha de novo
o lento do corvo imiscuí-se na negrura dos tempos
é soturno bom para quem gostar
soa bem
música de elevador
só mais uma para acabar
o tentáculo do céu acalma o horizonte
espera
não
este é bom
é melhor guardar para um poema poema
um poema mesmo
trocando por miúdos um poema
esquece aquele
substituo por
o autocarro sozinho na penumbra
olha que bem
mesmo à medida do que não diz nada mas que ao mesmo tempo é
[tudo
muito bem
bem bonito
estou mais velho
mais feio
mais estúpido
e tu também
o Peloponeso pinta-me o pénis Laurinda

sábado, 12 de junho de 2010

Aconteceu...almoçar feijão frade com atum e matemática

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Feijão frade de lata com atum enlatado, durante anos nem conseguia pensar em comer isto. Reportava-me para a comida de férias, passeios a pé, picnic e camping, que com gosto mas sobretudo por necessidade, se comia nas passeatas pelo estrangeiro já com 2 filhos e dinheiro contado.
Um dia a passear a pé pelos Picos da Europa? Latas de feijão frade e de atum. Uns dias na Galiza? Latas de feijão frade e atum. E assim por diante.
Na casa dos meus pais comia-se feijão frade, quentinho com cebola e salsa picada como acompanhamento de pasteis de bacalhau. Ou usando uma linguagem mais nortenha, chícaros com bolinhos de bacalhau.
Pois hoje, e depois de falhado outro menu, foi o daquelas férias que comi. E soube-me muito bem, coisa que ainda há poucos anos me daria enjoo só de pensar.
A memória não é uma coisa estática, como sabemos, e o facto de estar ligada a emoções, dá-lhe uma grande mobilidade. O tempo pode até alterar as nossas memórias afectivas, ao dar-lhes outras tonalidades, permitindo outras leituras.
Mas, enquanto comia li no Expresso a crónica sempre tão interessante do matemático Nuno Crato. Escreveu ele sobre o tipo de movimento organizado que os peixes predadores como o atum têm quando procuram alimento. Movimento este que é diferente conforme há muita caça - movimento browniano - ou pouca -modelo de Lévy. Ou seja, movimentos organizados e estudados pela matemática e que ele, como é costume, traduz em linguagem aparentemente simples.
O atum que comi fez ligar duas partes essenciais de mim, a parte afectiva e a parte racional. Foi uma refeição completa!