domingo, 31 de janeiro de 2021

Regra da minha educação, hoje quebrei-a.

 318º dia do recomeço do blog

Hoje, sexagenária, aposentada e a viver sozinha, posso dar-me a pequenos prazeres que nunca pude porque estavam inscritos na educação que os meus Pais me deram. Coisas proibidas!  

Apesar de uma educação pró-progressista, valorizando muito a cultura e a arte, havia uma enorme preocupação com as boas maneiras, a chamada etiqueta de classe média alta.

Uma das regras era a discrição, já ontem falei nisso, não mostrar muito os seus sentimentos, nada de falar muito alto, gesticular, sentar mal, ter regras à mesa e outras habituais nalgumas famílias.

Também havia coisas proibidas, andar pela casa sem se estar arranjado, cabelo penteado e bem vestidos. Um dia uma empregada lavou a cabeça e pôs rolos e veio lá dos seus fundos assim. Lá foi a minha Mãe dizer-lhe que não andasse assim pela casa. Os rolos era uma coisa que o meu Pai não queria ver. No fundo a mulher tinha de aparecer bonita e arranjada.

Ora hoje, esquecendo tudo o que aprendi, andei todo o dia de pijama e roupão. Que bem que me soube! Não apareceu ninguém, nesta época de confinamento quem havia de aparecer? Li, acabei de ler o livro que tinha em mãos e me entusiasmou menos do que tinha suposto, ouvi música, vi televisão mas pouca, almocei e jantei, este sempre frugal. Para mim, se estivesse cá alguém, um filho, um marido, eu não seria capaz de ter ficado assim. Mas não quero que isto se torne um hábito. 

O confinamento deprime-nos um pouco e hoje de manhã fiquei triste quando soube que uma pessoa que admiro e de quem sou amiga está nos cuidados intensivos e mal.  

sábado, 30 de janeiro de 2021

Uma identidade ou será só moda?

 317º dia do recomeço do blog

Com a minha empregada em confinamento, ela quer vir mas eu não quero, passei a estar mais atenta à minha casa. Perco imensos cabelos que vou encontrando pelo chão. Noto a diferença de volume, antigamente um rabo de cavalo precisava de elástico, agora qualquer ganchito o segura. Dizem que os cabelos brancos são mais finos, serão, mas com os que caiem pergunto-me se alguma vez irei ficar careca.

A minha Mãe era muito cuidadosa com ela. Elegante, mais uns centímetros que eu, sempre de fatos novos em cada estação, sapatos de salto alto fino, 7,5 centímetros e mala a condizer. Cabelo sempre arranjado e unhas também.

Na minha adolescência, aí até aos 17 anos, para além da farda do Lycée Français de Lisbonne, que usava todos os dias, tinha cuidados comigo, ia com a minha Mãe às boutiques comprar roupa da moda. Mini saias muito curtas, com calções iguais por baixo e casaco compridos até aos pés. Adorava sapatos, sempre mocassins. Depois passei pela fase do preto, simples e discreto. Na Faculdade passei aos jeans que mantenho hoje 40 anos passados. Azul escuro e preto a mais das vezes e umas camisolas de cor no inverno e camisas brancas no verão. Hoje uso praticamente sempre ténis que tenho de várias cores. Mochila bonita às costas. Descrevo-me como o "usual chic".

Hoje vi uma fotografia de uma filha adulta com a mãe, de cabeças encostadas e a rirem. Julgo não ter nenhuma assim. Embora gostássemos muito uma da outra éramos discretas nas manifestações afectivas. 

Se tivéssemos, ela seria uma Senhora e eu uma eterna adolescente, mesmo de cabelos brancos.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Sugestão às televisões, ouçam quem lá esteve!

 317º dia do recomeço do blog

Uma sugestão, em vez de porem aqueles filminhos terríveis sobre a Covid-19, dos quais desviamos o olhar, ou repetir as regras de confinamento, distância interpessoal, higiene das mãos, máscaras, porque não fazer também diariamente um convite a uma pessoa que tenha estado internada para a ouvir?

A minha colega Isabel do Carmo passou por isso. Escreveu hoje no jornal Público e agora à noite deu uma entrevista na SIC Notícias. Foi ela, deviam ser muitos. Os depoimentos são importantes!

Vou pôr aqui o que escreveu no jornal.

Publicado no Público de hoje, 29 Jan 2020
Notícias do túnel
A médica Isabel do Carmo esteve internada dez dias com covid-19 em Santa Maria. Este é o seu testemunho, que é também um alerta e um gesto de reconhecimento.
Eu, médica, observadora diferenciada, estive internada com o diagnóstico de covid-19 durante dez dias nas enfermarias do Hospital de Santa Maria e penso que o meu testemunho pode servir de alerta e de um enorme reconhecimento. Alerta para o risco real e actual (rastrear e confinar é preciso). E dar graças à vida pela existência do nosso Serviço Nacional de Saúde.
Estive a trabalhar e a ver doentes até ao dia 23 de Dezembro, com todo o cuidado, e não foi por aí que o vírus entrou. No dia 24, juntámo-nos seis adultos e três crianças e, apesar das máscaras e das distâncias, alguma imprudência abriu por momentos a porta ao invisível. Contaminámo-nos todos e, fiados na falsa segurança do teste simples, alguns de nós multiplicaram o contágio. Os mais jovens mantiveram a sua energia transbordante, os de idade intermédia tiveram muitos sintomas, mas trataram-se em casa, os mais velhos reagiram de acordo com os factores de risco. E foi assim que ao décimo dia de febre e outras queixas o meu colega do Centro de Saúde me ordenou, e bem, que fosse à urgência covid. Se não tivesse ido tinha morrido e esse é o primeiro alerta a manifestar.
Há um momento, determinado empiricamente, em que se conclui, por estatística, que é assim. Não vale a pena correr contra as probabilidades. Claro que foi muito incómodo, muito frio, muito desaconchegado, esperar por ser chamada no pequeno telheiro improvisado no piso das entradas. Fica melhor quem está dentro das ambulâncias, que têm suporte de oxigénio e macas ou cadeiras. Esta condição de espera, este ponto de entrada, seria possível melhorar fisicamente? Talvez. Mas os doentes chegam e não podem ser mandados para trás. Seria possível desviar um meteorito que caísse em cima das nossas cabeças? Só para os encartados e teóricos comentadores, que, eles, preveriam tudo.
Resolveu-se: agora temos o hospital de campanha. Todavia, foi por ali que me salvei. Quando finalmente dei entrada no Covidário, ganhei direito a um cadeirão, a uma máscara de oxigénio e à segurança de ter entrado no circuito. Desde esse momento fui sempre a senhora Isabel, idêntica a todos os outros e nunca, e bem, a médica da casa. Algumas horas depois entrei numa box, com WC e uma porta com grande janelão de vidro. As dimensões comparei-as com outras de outras “boxes” de há muitos anos. Idênticas, mas o janelão e o calor humano pertencem a outro universo. Fiz então uma TAC num dispositivo colocado no Covidário. E é aí o extraordinário. Nunca ao longo de tantos anos de clínica tive conhecimento de tal quadro – os meus pulmões estavam infiltrados de alto a baixo e dos dois lados com múltiplos focos de inflamação, que não deixavam o oxigénio atravessar os alvéolos e passar para o sangue, onde ele é necessário à vida. Sintomas? Poucos. Mas lá estava o oxímetro a mostrar níveis baixos. Aqui reside um grande risco. Esta “hipoxemia feliz” mata. Assim morreu o pai de uma colega minha com 50% de saturação e poucos sintomas. Foi, a partir do nada ou da experiência inicial da China, que os protocolos foram sendo estabelecidos. De madrugada saí do Covidário e fui rapidamente internada nas enfermarias covid, Medicina 2C. Fizeram-me aquilo que está protocolado que se faça: oxigénio, corticóides, broncodilatadores, antibiótico se necessário. Para os meus companheiros de enfermaria, alguns hemodialisados, diabéticos, transplantados, cada protocolo era diferente. No mesmo piso, para além da porta de separação havia mais enfermaria covid, havia a zona dos intensivos e havia a zona dos intermédios com máscara permanente de oxigénio, onde ficou o Carlos Antunes e donde partiu para sempre no dia 19 de Janeiro.
Aquilo a que assisti de serenidade, de eficácia, de competência, ficará para sempre marcado como um momento muito alto da minha vida. Sei que as pessoas todas juntas não somam inteligências, multiplicam. É um fenómeno que faz parte da natureza humana, assim a humanidade sobreviveu. Observei a entrada regular e harmoniosa das assistentes operacionais, dos enfermeiros, dos fisioterapeutas, dos jovens médicos internos e das chefes seniores. Cada um sabe o gesto que tem que fazer, o equipamento em que tem que mexer, o registo necessário, a colheita de sangue a horas, a administração do medicamento. E… sabe também informar. Explica o que vai fazer e porquê.
Os meus colegas não estão desesperados, nem aflitos, estão profundamente preocupados, esgotados também. Quando lançam o alarme cá para fora não é um pedido de socorro para eles. É dizer que só o confinamento melhora o problema. E há uma linha vermelha que percorre este chão e é móvel – a das mortes evitáveis
O meu conhecimento dos espaços das urgências cresceu comigo organicamente. Fiz urgências nos bairros pobres de Lisboa, fiz no Hospital do Barreiro actos clínicos que não passavam pela cabeça de uma miúda de vinte e poucos anos, antes da classificação de Manchester andei de papel na mão a fazer triagem na sala de espera, vi crescer o Serviço de Observações das Urgências de Santa Maria com a Teresa Rodrigues a decidir os gestos urgentes. E lá continua ela a salvar gente. Sofri com os “directos” e culpabilizei-me. Vi o Carlos França instalar finalmente os Cuidados Intensivos. Vi tudo? Não. Não vi nada. Porque bastou o ano de 2020 e o inimigo ultra invisível para perceber que há uma coisa que de facto é um “milagre”: a capacidade de auto-organização, rápida, eficaz, criativa, serena. Era possível fazer tudo isto com requisição civil? Tenho dúvidas. É a cultura que está para trás que explica o “milagre”.
Com as minhas amigas enfermeiras conversávamos por vezes sobre os “territórios”. Pois o milagre também desenhou territórios. Quer isto dizer que reina a paz nos serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde? Não. Esta onda organizada de espaços e de recursos humanos palpita como um corpo que pede respiração. O director da Medicina, Lacerda, vai buscar enfermarias a todo o lado possível, converte serviços e adapta-os. A Sandra Brás supervisiona como um arcanjo os vários espaços e equipamentos covid-19. Os meus colegas dos Cuidados Intensivos, com 85% de lotação, estão no limite, ou seja, na zona das necessárias e rápidas escolhas. Estes doentes não são pneumonias habituais. Têm mais demora de cama (quanta?), têm uso de equipamentos que não existiam antes.
Os meus colegas não estão desesperados, nem aflitos, estão profundamente preocupados, esgotados também, a situação é dinâmica, é preciso fazer opções técnicas. Quando lançam o alarme cá para fora não é um pedido de socorro para eles. É dizer que só o confinamento melhora o problema. É explicar que quanto mais infectados, mais sintomáticos. Entre estes aumentam os de risco e quanto mais risco mais cuidados intensivos. E há uma linha vermelha que percorre este chão e é móvel – a das mortes evitáveis.
Na minha enfermaria, por sinal toda de afrodescendentes, senti no mais fundo da noite que alguém abandonava a Montanha Mágica. Com serenidade. Sem obstinação. É também uma escolha. No dia seguinte a animada Inalda, assistente operacional de São Tomé (já sou efectiva!), a enfermeira Ana, a enfermeira Marta, nos doentes o Sr. C. que ficou meu amigo e é de Cabo Verde, a Dona A., de Luanda, o Sr. D. que também é de Luanda e já venceu muitas coisas, corpos que já foram desejados, já se reproduziram, são a humanidade que ali está. A médica de Medicina Interna, Dra. Patrícia Howell Monteiro, que ainda foi contratada em exclusividade (2008/2009?), é o pilar sólido e sustentável que orienta o Henrique Barbacena, o Renato e o Francisco, que hão-de fazer o exame da especialidade proximamente. Para onde irão? O Renato está a sofrer nos cuidados intensivos, a dar o máximo. O Henrique é também professor de Farmacologia, tive o privilégio que me explicasse coisas sobre vírus. E ausculta à velha maneira, como eu. Conseguimos ter um momento para conversar e a propósito da vida e do ultra invisível contou-me como lera apaixonadamente a Estranha ordem das coisas, do Damásio, livro que a chefe Patrícia lhe ofereceu. Há muitos anos, o António Damásio também foi da nossa incubadora, o Hospital de Santa Maria. E, a propósito, eu e o Henrique conversámos sobre a dinâmica da vida, a necessidade de não fazer classificações mecanicistas. E reganhei a grande esperança do aviso da tal frase do Abel Salazar: “Um médico que só sabe Medicina, então não sabe Medicina.” Estes sabem Medicina e são uma das estruturas do SNS.
Médica, professora da Faculdade de Medicina de Lisboa, membro do grupo Estamos do Lado da Solução
Médica; professora da Faculdade de Medicina de Lisboa; activista política

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Lisboa, que saudades de ser livre!

 316º dia do recomeço do blog

Esta situação em que nos encontramos deita abaixo as nossas defesas emocionais. Acreditem, quando neste programa sobre Lisboa vi darem uma dentada num pastel de Belém caíram-me as lágrimas!

Quando vi toda a gente na rua, a passear sem preocupações de distância, sem máscaras, pensei "tão felizes que nós éramos e não sabíamos"!

É tão bonita a nossa cidade, que bom foi revisitá-la.

https://www.rtp.pt/play/p8387/e520337/cidades-secretas


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

"Mulheres da minha Alma"

  315º dia do recomeço do blog

Iniciei hoje de manhã o 2º livro dos 4 que comprei para o confinamento. Este.



Em 2020 comprei mais livros do que noutros anos. E talvez não, comprei de forma diferente, vários de uma só vez. Alguns porque estavam na minha mira de leitura até de há anos e tive a oportunidade numa livraria solidária, como o Quarteto de Alexandria de Lawrence Durrell. Outros porque sim. Não li todos, nem pensar nisso, mas para este confinamento apeteceu-me comprar livros novos, numa livraria, e escolhendo-os por imaginar iria ter muito prazer na sua leitura. Estes tempos exigem que descubramos coisas destas.

Isabel Allende, agora quase a chegar aos 80 anos, foi uma escritora de quem devorei livros. Depois parei. Este agora que iniciei será um livro sobre algumas mulheres da sua vida, a sua relação com elas e o feminismo. Promete.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Voltaram os foguetes

 314º dia do recomeço do blog

Foguetes. Acabei agora de os ouvir, o que tem acontecido nos meses de confinamento.

Hoje tive de ir à farmácia. Aqui na minha "aldeia", a farmácia antiga tem ainda um atendimento pessoal. Não há senhas nem como é óbvio aquele som electrónico de quando muda o número, há um funcionário que conheço há dezenas de anos e uma farmacêutica jovem que veio substituir a proprietária. Hoje éramos quatro pessoas, fiquei na rua mais outro senhor, de idade como os dois que estavam lá dentro. E entrei quando me chamaram, sra. dra. faça favor, tal como tinham chamado pelo nome o que esperou como eu na rua. No meu caso despachei-me depressa, não sem que o sr. Duarte me tenho mostrado vários tipos do material que lhe pedi. O meu material foi de farmácia.

 E os foguetes são para avisar a chegada de quê?

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Apanhar boleia

 313º dia do recomeço do blog

Para além da Covid-19 há todas as outras doenças que ficaram paradas na avaliação regular. Compreendo o medo das pessoas a ir aos hospitais e porque adiam a ida. Mas fazem mal, claro.

Ontem fui a uma consulta que tinha marcada há tempos. Aparentemente por uma coisa sem importância, um fungo nas unhas dos pés. À entrada mediram-me a temperatura, mandaram-me mudar a máscara, eu que tinha 2 acabadas de pôr em casa mas entendo.

Tive de esperar no corredor um bom bocado. Por mim passavam muitas pessoas, utentes, auxiliares e enfermeiras.

A consulta foi muito demorada, nunca me tinham visto a pele com tanto cuidado, lupa pequena, outra grande, dedos dos pés, plantas dos mesmos, mãos, corpo face anterior (como médica escrevo assim mas explico, barriga para cima) e todo o resto.

Nas costas, num sítio onde não me observo, tinha um sinal que foi considerado dever ser tirado e enviado para a análise. Eventualmente nada de grave mas prevenir é o melhor.

Para isso tive de ir para a sala de pequena cirurgia. Esperei à porta. E foi então que entendi que tive de esperar por uma enfermeira que tinha ido a outro andar, Covid.19. Entrei quando me mandaram e numa espaço ínfimo tirei a roupa e vesti uma bata. Foi então que me deram umas capas para vestir os meus sapatos.

Correu tudo bem. Mas toda a tarde, de humor triste, perguntava-me porque fui, porque só pus as capas dos sapatos depois de já ter atravessado a sala e outros pensamentos nada abonatórios para melhorar o meu humor.

O facto de ter várias situações preocupantes junto de mim e outras junto de todos nós, ajudou muito. Como diria uma amiga, apanhei boleia para a tristeza.