quinta-feira, 30 de junho de 2011

Aconteceu...que ela precisava de falar para alguém

.
Acontece-me frequentemente receber fora do contexto profissional as mágoas dos outros, mesmo sem eles saberem que isso é uma parte do meu trabalho.

Olhou para mim, com um ar desolado. Os olhos húmidos, à beira das lágrimas. Ela atrás do balcão, eu sentada num maple de uma sala de espera reservada de um aeroporto. Em frente, a televisão falava da morte do Angélico. O olhar dela saltava do écran para mim, e bastou um minuto de cruzamento dos nossos olhares para ela para ela começar a falar do que lhe ia. Emocionadíssima, falava dele, da vida dele, do destino. Não, não o conhecia pessoalmente, nem revivia drama pessoal. Era mesmo por ele. E assim foi até à chamada do meu avião, que se atrasou imenso.

A televisão torna conhecido quem não nos conhece. Fala-se de locutores, actores, como se de familiares fossem. Vivem as alegrias e os dramas deles como se fossem os seus. As alegrias por vezes partilham-nas no próprio écran, como a quantidade de mães e avós que gostam do Malato.
As tristes não suportam vivê-los sozinhas, precisam de despejar ou partilhar, arranjar quem seja receptor, contentor para si.

E era eu quem lá estava.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

terça-feira, 28 de junho de 2011

Poema - Ana Hatherly

.
AS LÁGRIMAS DO POETA
.
Um poeta barroco disse:
as palavras são
as línguas dos olhos
.
Mas o que é um poema
senão
um telescópio do desejo
fixado pela língua?
.
O voo sinuoso das aves
as altas ondas do mar
a calmaria do vento:
Tudo cabe dentro das palavras
e o poeta que vê
chora lágrimas de tinta

domingo, 26 de junho de 2011

sábado, 25 de junho de 2011

Poema - Alberto de Lacerda

.
Olhos
Contemplando .. virgens
O rosto sucessivo
Dos dias

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Aconteceu...a cultura pirosa, perigosa e outras coisas que tais

.
Lá em casa da D. Dores via-se sempre a telenovela portuguesa, que ao menos trata dos nossos assuntos, como ela dizia às clientes enquanto lhes arranjava os cabelos.
.
A inveja, a competição que nas novelas era retratada, levando a atitudes quase criminosas, era discutida como se de assunto filosófico se tratasse, e ela tinha sempre as suas opiniões bem fundamentadas. O que é preciso é subir na vida, era o seu lema.
.
A Vanessa, a filha, saía da escola e ia para o salão. Ali ficava a ouvir.
Aprende, dizia-lhe a mãe, tens de subir na vida, tu és tão bonita!
.
E ainda um bocado enfezada nos seus 13 anos, e já a mãe a maquilhava para lhe tapar as borbulhas de acné da testa e a vestia de forma a impressionar. Na sala ensaiavam como olhar, como se mexer, como seduzir.
Juntas viam as telenovelas e todas as reportagens com as namoradas de alguns craques do futebol, onde também se aprende muito. Boquinhas, olhinhos, saias levantadas e decotes a deixar entrever o resto, assim foi crescendo a rapariga.
.
Começou a inscrevê-la nas agências de modelos.
.
Teve a sorte de encontrar um homem maduro do métier que a integrou e a chamava para umas sessões de fotografias. Julgava-se modelo. Dava-lhe uns trocos e mais algumas coisas.
A mãe, que nunca tinha lido a Lolita, babava-se e dizia às clientes que ela havia de ser a Naomi.
.
Aos 18 anos já não havia segredos, a Vanessa sabia tudo, ou melhor sabia-a toda!
.
O pai? Esse nunca disse nada, há muito tempo que tinha saído para comprar cigarros e nunca mais tinha voltado.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Aconteceu...espelhos da rua

.
.....................Foto - Magda