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domingo, 11 de março de 2012

Aconteceu...domingo de sol mais uma vez e eu de chamada

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Há mais de trinta anos fiz eu os primeiros serviços de urgência médica solitária. Adeus às equipes, com pessoas com vários graus de conhecimentos. Adeus aos exames complementares de diagnóstico, (ali só conseguíamos, graça à boa vontade de um auxiliar, fazer radiografias a ossos longos em pessoas magras).
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O hospital, oferta de um brasileiro à sua terra, era grande e estava razoavelmente preparado. Só que só tinha uns médicos com 2 anos de formação. 
Refiro-me ao tempo do Serviço Médico à Periferia, criação já do pós 25 de Abril.
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Situava-se num sítio alto, e a dois passos, era uma vista maravilhosa que se abarcava, do Alto Douro, hoje vinhateiro e património mundial. Mas nos dias de urgência, nem isso víamos, nem isso apreciávamos.
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As estradas eram antigas e muito más.
Os quilómetros, feitos em estradas estreitas, de curva e contracurva, demoravam uma imensidão de tempo, quer para quem ia no carro a apitar, ou na ambulância, quer para o médico novato que sabia, porque o som se propagava desde longe, que um doente ia chegar muito tempo antes disso acontecer.
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Para nós, inseguros face às responsabilidades que carregávamos, era um tempo longo, longo, parecia nunca mais acabar. Uma angústia enchia-nos o peito e éramos assaltados por milhares de dúvidas. No entanto, e quando o doente chegava, uma parte lúcida de nós próprios invadia-nos e lá estávamos prontos para dar o melhor de nós.
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Hoje estou de rectaguarda de urgência, o que chamamos estar de chamada. Lá no hospital, colegas mais novos sabem que podem contar connosco em caso de dúvida. O trabalho em equipa é mais seguro, podíamos dizer que é "com rede".
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No entanto, naquelas terras e nos anos 70-80, a população desacompanhada, sentiu-se privilegiada com os nossos serviços...mesmo sem rede.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Aconteceu...um grito de indignação, mais um!

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Reunião de serviço num hospital público. A equipa reúne-se, discute os novos pedidos de consulta que foram feitos para crianças. As famílias já foram acolhidas por um técnico que nos expõe a situação. Pretende-se com isso perspectivar a melhor intervenção na próxima vinda ao serviço.
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A técnica do serviço social expõe a situação socio económica das famílias, impressiona a quantidade de família em que pelo menos um dos elementos que se encontra desocupado. Em muitas, pai e mãe no desemprego, a receber subsídio de desemprego, rendimento social de inserção, dependentes de apoio familiar e vivem no fio da navalha. Este é o quadro frequente com que nos deparamos nos utentes que nos procuram. O desemprego dos pais, o baixo nível socio-económico familiar são factores de risco (acrescido) para as crianças.
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À nossa frente temos as agendas para poder ir fazendo as marcações dos casos que nos vão sendo distribuídos. Agendas que o hospital nos fornece no início de cada ano. Aparentemente agendas vulgares, com os calendários do ano anterior, do actual e do próximo ano, com cada dia a ocupar uma página, enfim como qualquer agenda.
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E de repente ouve-se um berro de alguém que diz "Espanha!". Faz-se um silêncio. Todos se olham, tentam perceber. E de repente fica claro, é que uma agenda colocada de costas sobre a secretária, mostrava a marca de origem, fabricada em Espanha. Confirmo, o dia de 6 de Janeiro, hoje, vem marcado no calendário como feriado.
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Tanto desemprego e o Estado compra produto espanhol!! Não haverá agendas fabricadas em Portugal? Será que os papel timbrados, envelopes e outras coisas que qualquer serviço estatal usa, também ablam espanhol? Não se poderia dar trabalho a uma tipografia portuguesa?
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Comentários para quê?
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quinta-feira, 15 de julho de 2010

Aconteceu...que os ténicos eram bons mas o jardim era um matagal

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Há uns anos trabalhei num serviço que na altura era modelo. Edifício novo, equipa entusiasmada e cheia de iniciativas, íamos para o trabalho como quem ia para o seu clube.
Penso mesmo que fazer do serviço "o seu clube" é uma das artes de transformar o trabalho em prazer.
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Mas tínhamos alguns "senãos", claro.
Um deles era o jardim que envolvia o edifício, mais conhecido pelo "matagal", onde cresciam ervas ao desbarato, que no verão se tornavam um óptimo palco para possíveis incêndios e morada de muitos animais rastejantes e roedores.
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Um dia na consulta, uma criança grita olhando para a parede que ficava à minha frente e atrás da avó que a acompanhava. Apontou e gritou "Olha um lagarto". A avó, que se tinha ido queixar do comportamento da neta, aproveitou o grito que nos interrompeu para dizer " Vê, sra. Dra., mentiras são todos os dias e não respeita ninguém." Mas o bicho estava lá, gordo e comprido, mesmo à minha vista.
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Noutra altura, na caixa das reclamações, apareceu um envelope escrito e com brinde. Com letra muito pouco elaborada, alguém tinha escrito que os médicos e os técnicos todos eram bons e eram bem atendidos, mas a criança tinha muito medo de lá ir por causa dos bichos, e a provar acompanhava a missiva um rato morto e ressequido.
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Com a presença de utentes nas reuniões dos conselhos de administração dos hospitais, proposta recente, será que estes aspectos quase ignorados passam a ser valorizados?