quarta-feira, 24 de novembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Poema - Herberto Helder

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HÁ CIDADES COR DE PÉROLA ONDE AS MULHERES
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Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.

Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada
sobre escada.

MuIheres que eu amo com um des-
espero .fulminante, a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.

Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime - espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.

Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Aconteceu...já nem o cartucho de folha da lista telefónica se pode?

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Um país asséptico, é o que se pretende?
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Novembro, mês das castanhas. Um cheirinho sai do fogareiro da mulher que as tem a assar. Meia dúzia um euro, uma dúzia dois euros. Está tudo mais caro, mas aquele golpe na castanha antes de assar ou cozer é muito custoso de fazer. E assadas é na rua, quando o olfacto se liga com a memória e as glândulas salivares se põem a trabalhar.
Depois é o discurso do costume, saber se estão bem assadinhas, ó freguesa, isto está tão mau nas vendas que até já temos tempo de as assar bem. Ok, então dê lá aí umas, se faz favor. A mulher levanta a serapilheira, escolheu-as que eu bem vi, bem contadinhas e estende-me um cartucho de papel kraft pardo, desenhos de castanhas e com letras impressas:
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........................Castanhas
...........A Estalar, Vindas da Brasa!!
........Delicie-se Com a Nossa Castanha
................Preserve o Ambiente
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Reparo que o cartucho é duplo, do outro lado mas colado está um vazio. É para as cascas, explica-me. E nele está impresso:

.........................Castanhas
...................Mantenha a Tradição
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Sinto-me defraudada. Estão a gozar conosco. Mas a tradição não era o cartucho bicudo, enrolado na mão e feito de páginas de lista telefónica?
E preservar o ambiente não é reutilizar?
Na Wikipédia pode ler-se "Papel kraft é um tipo de papel fabricado a partir de uma mistura de fibras de celulose curtas e longas, provenientes de polpas de madeiras macias..." Pense-se o resto.
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Eu recebi esse mail que por aí circula e que mostra como a minha geração escapou aos maiores perigos! Não estava lá mas a tinta das listas telefónicas do cartucho com castanhas deve ser um deles.
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Não há pachorra!

domingo, 21 de novembro de 2010

Aconteceu...Foto - Raízes, ligação e segurança

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............................................................Foto - Magda

sábado, 20 de novembro de 2010

Poema - Augusto dos Anjos

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Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
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Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Aconteceu...que se pode intervir: criar e aumentar a resiliência, desenvolver a saúde mental

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A ida em anos diferentes aos mesmos sítios permite-nos ter bem a noção da diferença, por vezes superficial. Mas há outras mudanças bem mais profundas que se vão passando nas pessoas.
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No Rio de Janeiro e em São Paulo, há muito poucos bairros sociais. Há nomeadamente na periferia da capital, alguns grupos de prédios de andares, muito altos, sem varandas e pouco apelativos. Depois há uns aglomerados que à primeira vista parecem favelas, mas que por ter arruamentos passaram à categoria de bairros de renda social. E depois há as favelas, construções de 1 ou 2 pisos, sem ordenamento nenhum, que parecem plantadas umas em cima das outras.
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Quem vai observando as favelas por fora, como eu, nota diferença de há uns anos para cá. As casas passaram a ter, muitas delas, telhados de telha, muitos buracos de janela já têm as ditas, de alumínio e com vidros. O crescimento em altura das casas corresponde certamente a melhoria do seu interior. É conseguido à custa dos subsídios que o anterior governo estabeleceu para os mais fracos, economicamente falando.
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Na favela também onde moram muitos trabalhadores e suas famílias, não são só as redes de tráfico de droga como por vezes parece. Era dificil lá entrar e implantar fosse o que fosse. O governo de Lula fez uma distribuição de frigoríficos pelas favelas. Só que nelas não havia electricidade e as ruas e as portas foram-se abrindo para deixar instalar esse equipamento básico.
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Atrás da electricidade, instituições comunitárias e as crianças estão a usufruir disso. Há muito trabalho que lá está a ser feito, com pessoas e sobretudo com as crianças que têm vivências muito traumatizantes e tinham o desenvolvimento parado ou mal dirigido. Equipas diversificadas de técnicos vão fazer crescer as crianças, fazer-lhes chegar a cultura, nomeadamente através da escolarização. Ter outras vivências, é poder pensar-se de forma diferente. É de esperar que uma percentagem delas possam fazer a sua própria nova narrativa, um dia.
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Se a passagem de Boris Cyrulnik, mais uma vez por Lisboa, hoje no Instituto Franco Português, deixou, foi a noção da possibilidade de fazer crescer a saúde mental e a esperança onde às vezes parece não existir. A resiliência, processo tão querido a este médico francês, ensinou-lhe e ele a nós, que se é possível ir desenvolvendo em qualquer idade, quanto mais na infância. É possível recomeçar a vida psicológica e mudar o rumo.
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Ter vivido traumaticamente não é sinónimo de fatalismo. Há que intervir!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Aconteceu...Foto - Ondas

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...................................Foto - Magda