domingo, 24 de outubro de 2010

Poema - António Maria Lisboa

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POEMA DO COMEÇO
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Eu num camelo a atravessar o deserto
Com um ombro franjado de túmulos numa mão muito aberta
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Eu num barco a remoa a atravessar a janela
Da pirâmide com um copo esguio e azul coberto de escamas
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Eu na praia e um vento de agulhas
Com um Cavalo-Triangulo enterrado na areia.
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Eu na noite com um objecto estranho na algibeira
- trago-te Brilhante-Estrela-Sem-Destino coberta de musgo.

sábado, 23 de outubro de 2010

Aconteceu... hehe, toca a beber vinho onde o IVA vai subir menos que no leite com chocolate


“Em virtude do Orçamento de Estado, houve aumento do IVA de 6% para 23% referente ao leitinho com chocolate que é fornecido, pelos estabelecimentos de ensino públicos, ao pequeno-almoço dos alunos. Por este motivo passa a ser disponibilizado aos mesmos, pela manhã 1 pacote de vinho tinto/branco que mantêm a taxa de IVA a 13%.”

Era de supor que anedotas como esta começassem a circular. Acredito que o leite servido nas escolas, a bem da obesidade infantil, seja simples e sem aditivos.
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Quando eu estava no Serviço Médico à Periferia, numa zona vinhateira, o vinho fazia parte integrante da vida das pessoas desde tenra idade. Os choros dos bebés eram acalmados com uma “boneca”, chucha artesanal feita com um quadradinho pequeno de pano dentro do qual era colocado açúcar, e cujas pontas eram presas com um atilho. Molhado em vinho, era dado como chucha à criança, que acalmava e dormia.
Antes de ir para a escola, e para "alimentar" e aquecer, um bocadinho de vinho com açúcar.
Quando já trabalhavam, parte dos pagamentos da jorna era feito em vinho. Como diziam os trabalhadores rurais, a força vinha "a poder do vinho". Era "um garrafãozinho" de cinco litros, que era bebido durante o dia.

Obviamente que quem se lixava era o fígado e vi pessoas de pouco mais de vinte anos a morrer com cirrose hepática.

Nessa altura não havia tantas crianças cujas professoras se queixavam com queixas de hiperactividade e deficit de atenção como hoje em dia. Algumas, as das "bonecas", até seriam mais paradas e sonolentas. Sabemos como o álcool nas crianças queima as células do cérebro, depois as do fígado. As crianças não aprendiam, un point c´est tout!

Se a blague dos pacotes de vinho fosse verdadeira, que diriam os laboratórios da indústria farmacêutica que vendem psicoestimulantes, usados para os meninos que não param quietos? Portugal, que não quer nunca estar atrasado em nada… tenta aproximar-se em percentagem do uso nos EUA.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Poema - Manuel António Pina

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COMPLETAS

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Aconteceu...no Serviço Médico à Periferia - 6

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Há imensas acontecimentos que nos inquietam e perante os quais reagimos de forma absolutamente ridícula. Queremos livrar-me de qualquer maneira do incómodo, seja de como fôr, nem que seja um grande disparate.
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Já aqui falei várias vezes da minha experiência médica no início da minha vida profissional, na Beira Alta, durante o Serviço Médico à Periferia. Esta será mais uma história desse tempo.
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Um dia, para azar meu, tenho de acudir inutilmente a uma criança que levaram ao posto de saúde onde eu estava a trabalhar. Foi uma enorme trapalhada, movimentação, choros, gritos e a minha total impotência porque já chegou cadáver.
Foi muito complicado para mim gerir os sentimentos de me confrontar com esta situação.
Mais tarde tive de preencher uma certidão de óbito, também pela primeira vez. Como a criança tinha sido atropelada, pus como causa de morte provável traumatismo ou coisa parecida, não me lembro muito bem. O que sei é que nesse dia à tarde, ia eu na rua e um homem aproxima-se de mim, apresenta-se, era o Delegado do Procurador da Republica lá na terra e informa-me que eu teria no dia a seguir de ir fazer a autópsia ao miúdo.
Juro, má informação minha, mas eu não sabia que isso era uma ordem. Certamente que fiquei aflita, tanto mais quanto achava não saber fazer tal coisa, tinha visto uma e de má vontade durante o curso. Não achei pois melhor resposta do que dizer que não podia porque já estava com um compromisso.
Para a justiça não há outros compromissos, só os dela, e eu vi-me ali numa situação que, percebi depois, seria uma nódoa na minha carreira profissional.
Eu que achava que não ia conseguir. e se ainda estava muito incomodada com a situação que se tinha passado de manhã, como aguentaria uma outra?
Felizmente que uma colega e amiga ofereceu-se e foi autorizada a substituir-me.
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Mas a espontaneidade, coisa óptima em certas circunstâncias, pode, se usada como fuga sem a análise e o conhecimento das situações, ser uma inimiga.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Aconteceu...foto - a janela do 5º andar

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....................................Foto - magda

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Poema - Gonçalo M Tavares

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CONSELHOS INÚTEIS

Não é um roubo retirares da paisagem
uma andorinha ou uma cadeira, mas não é simpático.
Daí a considerares o que digo um convite à imobilidade,
parece-me exagero.
Move-te, sim, mas acrescentando
coisas e assuntos à paisagem onde entras. Eis só.