terça-feira, 13 de julho de 2010

Aconteceu...o tempo da nossa vida é subjectivo

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Há bastantes anos, precisamente em 1981, iniciei a minha especialidade no Hospital Miguel Bombarda.
Para quem não sabe, tratava-se de um hospital psiquiátrico, onde apesar de ter no seu quadro alguns médicos activos e influenciados por correntes dinâmicas da nova psiquiatria, ainda era muito fechado ao exterior.
Tinha internados doentes agudos mas também outros que ali viviam em permanência, há largos anos, e cujas famílias já quase os tinham esquecido. Estes doentes, estavam medicados e sem outra vida que passear pelo pequeno espaço livre do hospital, um clube com bar e umas actividades de ocupação terapêutica.
Na enfermaria, para além do contacto com os médicos e enfermeiros, tinham umas reuniões onde se pretendia activar as partes mais sãs dos doentes, permitir-lhes dialogar, expôr desejos de mudança etc.
Participei na primeira reunião de serviço com médicos, enfermeiros e doentes, que tendo existido semanalmente até 1974, tinha sido interrompida e só recomeçada exactamente na altura que para lá entrei.
Os médicos e enfermeiros eram, na quase totalidade os mesmos que tinham participado na reunião 7 anos antes. Parte dos doentes também lá tinham estado, visto serem doentes crónicos com anos de internamento e para os quais o hospital era a sua casa.
Depois de ter sido dado início à reunião, um doente dos mais antigos pede a palavra, e dirigindo-se ao médico chefe e disse "Sr. Dr., na reunião da semana passada...". Blá, blá, blá e eu não faço a mais pequena ideia do que é que ele falou. Fiquei presa ao facto de alguém poder resumir 7 anos a 1 semana! Presa, angustiada e triste. É terrível pensar que para ele provavelmente nada se tinha passado durante aqueles anos, que tivesse preenchido o tempo, dando-lhe memória, vivências, espessura.

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Mais tarde estudei algumas coisas sobre o tempo subjectivo, fenómeno que me interessou. E li um romance excepcional, A Montanha Mágica, de Thomas Mann, que aconselho a quem quiser compreender como se pode com a nossa actividade mental hibernar (perder) ou ganhar (viver) a vida.
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Lembrei-me deste episódio hoje, dia em que recomecei a dar um Seminário que esteve interrompido desde a fractura do meu pezinho, já lá vão 9 meses. Não, não nasceu nenhum bebé, mas foi apresentado um texto com 9 meses de atraso.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Poema - João Melo

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DUAS LIÇÕES
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I
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Todos os materiais servem ao poeta:
o som de um tambor,
a angústia de uma mulher nua,
a lembrança de uma utopia.
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A vida deposita, diariamente,
no altar profano da poesia
a sua dádiva generosa:
estrelas e detritos.
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E tudo a poesia sacrifica.
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II
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Para amar um poema,
é preciso ter coração e
sangue nas veias.
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E que o poema seja uma carícia
ou um soco na boca do estômago.

sábado, 10 de julho de 2010

Aconteceu...baratas gigantes invadem Lisboa

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"Baratas gigantes invadem Lisboa".
Não é nenhum título de filme, parece que acontece quando há muito calor, como tem estado. Chamada a barata americana, vive nos esgotos de onde sai à procura do fresco. E vem no jornal de hoje, citando zonas como Telheiras, a Expo e Campo de Ourique.
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A minha avó Elvira morava num 3º andar de um prédio de construção de gaiola de madeira. Eram andares grandes, com muitas assoalhadas. Como era formato habitual, à porta e virando à direita seguia-se um enorme corredor - grandes viagens de triciclo e de trotinete fiz, naquilo que eu imaginava ser uma grande estrada -, de onde saiam vários quartos, sala de costura, saleta, sala de jantar, cozinha e casa de banho. Se da porta da rua se virasse à esquerda, uma sucessão de salas, comunicavam entre si . A última era o escritório, um dos meus sítios preferidos para, ainda eu não sabia escrever, já "atender" doentes e passar receitas.
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Mas voltemos às baratas. Os locais mais frescos eram a cozinha e a casa de banho. Lembro-me de uma vez por outra encontrar uma na casa de banho, grande, gorda e preta. Algumas vezes o nosso cruzamento terminava com o esmagar propositado do bicho e o barulho da casca de quitina a partir-se ainda hoje me é familiar. Se me enojava e amedrontava, também me causava um arrepio de excitação, pelo que repetiria o acto heróico quando, noutra altura, nova barata se cruzava comigo.
Era uma convivência normal, existiam elas e nós também.
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Mais tarde vim a encontrá-las nos navios, subindo pelas paredes. Essas eram castanhas, e muito mais pequenas, mas às dezenas ou mesmo centenas. Enojavam-me.
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Também Rafael, personagem de Ruben da Fonseca em A Grande Arte tinha nojo delas. Assassino cruel, que no entanto cultiva rosas, é vencido quando conseguem meter-lhe uma barata na boca, tal o nojo que o bicho lhe causou. Nessa altura foi possível ao anão espetar-lhe uma tesoura na barriga e matá-lo.
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As que agora invadem Lisboa, justificando nalguns casos o recurso a empresas desbaratizadoras, serão talvez descendentes afastados das da Rua Viriato?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Poema - Maria do Rosário Pedreira

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Lembro-me do muro entre a estrada e
a praia. Sobre ele nos sentámos, como se para sempre
pudéssemos guardar a primeira fatia de sol, janeiro,
uma palavra aprendida de noite, ou uma ilha
que crescesse do mar e navegasse à deriva. Mais tarde
viriam as vespas e as gaivotas ao rumor dos meus dedos
nos teus cabelos - como anjos há muito aguardados.
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De todos os momentos guardo este; e ainda um outro
em que os meus passos se ouviam já no asfalto,
mas os olhos permaneciam nesse lugar onde apenas se repetem
as ondas, as algas, os avisos do vento.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Aconteceu...que com o mal do vizinho podemos nós bem

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De vez em quando somos confrontados com situações que nos dão um autêntico abanão.
Em termos de doença, por exemplo, acontece por exemplo vamos a uma consulta mas não imaginamos que a situação possa ser grave. Quando o médico dá o veridicto nem o entendemos, ou só parcialmente, ou até erradamente. E podemos mesmo ficar com alguma desorganização psicológica momentânea.
Não, não é má vontade nossa, mas só ouvimos e compreendemos o que podemos aceitar naquela altura. Depois, a pouco e pouco, vamos elaborando o choque da novidade e poderemos vir a compreendê-la mais tarde.
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É uma posição difícil para os pais que ouvem dizer que o que os filhos têm é isto, ou aquilo. Às vezes apetece não ouvir o que nos estão a dizer. Tirem-me deste filme, como se dizia há uns anos.
Quando me dizem que aqueles pais não querem compreender o que é evidente para um técnico, costumo dizer que não podem, tem de se dar tempo, uns sais (conversar), uma água das pedras (ir compreendendo as pessoas) e mais tarde poderão compreender/ver.
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Nem sempre é assim, alguns têm uma dificuldade acrescida. Como aqueles para os quais os filhos são o seu espelho para os outros. Poderão sentir como grandes feridas para eles próprios a doença ou as dificuldades dos filhos. E dificilmente poderão aceitar.
Outros, perante os problemas dos filhos, conseguem pôr-se na posição da criança, identificando-se por forma a compreender e sentir o que elas sentem, seja a dôr física, a irritação, a dificuldade de se integrar, brincar ou evoluir como os outros, tornando-se possível a sua relação positiva.
Estes pais são muito mais capazes de ajudar os filhos a ultrapassar as dificuldades.

Mas lá que há notícias que dão "digestões" difíceis, isso há!