domingo, 21 de março de 2010

Poema - Salette Tavares

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O BULE
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Bule bule bule bule bule bule bule

a palavra parece a água a borbulhar

bule bule bule bule bule bule bule

a água a ferver.

Bule bule bule___o bule aquece o bule bule

deita-se o chá e o bule bule bule bule

bule bule bule vezes sete deita-se a água

bule bule bule bule a água a ferver

bule bule bule ____ o bule serve o chá.

Beber ____ é matar _____a sede.

Bule bule bule bule bule bule bule

Beber ____ é o acto sagrado_____de matar

a sede. Bule bule bule bule o bule é o receptáculo

escuro _____________________da morte.

Bule bule bule bule ______o bule é o tabernáculo.

O bule não é o copo _______bule bule bule bule

o copo é o receptáculo claro _____________da morte

da sede._Mas o bule é divino_____________e raro.

Escuro ______o bule

bule bule ____ o chá é divino e puro.

Sabedoria. Bule bule bule bule bule

Faço a cerimónia do chá cinco vezes por dia.

O bule está quente.

O bule está morno.

O bule está frio.______Sophia!

As mãos acompanham em concha

o bojudo do bule companheiro… bule bule

bule bule bule __todo o dia.

As tisanas são assunto ____da Ana

Hatherly.

Bule bule bule bule bule bule bule

com asa e bico bule bule bule bule

o bule é a ave do espírito _______santo

em si.

Garça_pato_cisne_cegonha_avestruz

conforme o bule o pescoço varia

e produz bule bule bule bule

uma chávena de Universo

inteiro.

O bule é o sacrário________por isso

Beber chá é beber ___ a noite e o dia

é sorver bule bule ___ o enigma primeiro.

O bule cheio bule ____é o ventre relicário

do chá ____bule ____ meu néctar

verdadeiro bule bule bule bule claro

meu alimento bule bule bule __caro.

Bule bule bule bule bule bule bule.

_______________BULE.

sábado, 20 de março de 2010

aconteceu estar a ler - 3


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Com a fractura do meu pé, experimentei primeiro a imobilidade, depois as saídas curtas amparada por canadianas e a receber o olhar cusca-piedoso de quem comigo se cruzava, como escrevi numa postagem.

Agora, já livre das pernas extra, vejo-me diariamente a fazer exercícios para repôr o meu pé, que coitado ficou com a posição em que o gesso o manteve durante quase 4 meses, e fortalecer os meus músculos, que ficaram moles de tanto tempo estive sentada.

Assim todos os dias rumo para um "wellness center" com piscina aquecida, ginásio, aulas de várias modalidades, um bom café-restarante, sauna, sala de leitura, um ambiente bem luminoso, cheio de janelas e ar muito agradável.

Chego, bebo o café e parto para uns quilómetros de biciclete. Tal como os outros companheiros de pedalagem, olhava para os écrans que à minha frente vão passando vários canais de cabo. Era uma chatice, estar ali a olhar para as séries que não acho graça nenhuma do AXN, ou ver a SIC Notícias sem som ou ainda uns canais de música ligeira sem som ou, claro os canais de desporto. As bicicletes que monto não estão ligadas ao som, pelo que, mesmo depois de comprar uns auscultadores, continuei sem ouvir nada.

Resolvi iniciar a técnica que já usava durante os tratamentos que desde há anos faço nas Termas das Caldas da Felgueira, ou seja ler. Escolho um livro maneirinho, letra grande e tempo passa mais depressa e de forma mais agradável e útil.

Há poucos dias começei e acabei hoje, A Herança de Eszter, de Sàndor Márai. É o 3º livro que leio dele e que gosto. Bem escrito, uma história sempre interessante.

E acabado este "passeio", passeio-me pela piscina, já sem livro.

Não imaginava o movimento que têm estes "healths clubs", ginásios, SPAs, como lhe queiram chamar. A toda a hora, já fui em dia de insónia matinal, às 7horas, e lá estava já muita gente, uns grupos que fazem uma bicicletadas simultâneas com coreografia de exercícios, aulas de bodys qualquer coisa (há imensas modalidades), aparelhos, água etc, o mesmo a meio da manhã, tarde e serão. Fecha às 22h30.

Sem dúvida que há uma ditadura do corpo, do aspecto físico certamente e talvez também da saúde.

Acabada a recuperação do pé, estarei eu a entrar nessa?

quinta-feira, 18 de março de 2010

Poema - Manuela Parreira da Silva

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Entre os grãos de areia, acha-se, às vezes, um barco naufragado.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Aconteceu...a propósito do vídeo de ontem

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Não sei se aconteceu aquele telefonema, mas vou acreditar que sim, quanto mais não seja para poder fazer alguns comentários.
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Ao ouvir o vídeo, notamos estarmos perante uma miúda certamente inteligente, que usa a linguagem de forma desenvolvida.
Incomoda o aparentar uma segurança pouco habitual naquela idade. Segurança, determinação e frieza, para além de uma ausência de sentido moral.
A miúda tem a iniciativa de telefonar, sabe expôr perfeitamente que está desgostosa com a escola, os professores que a mandam trabalhar mais do que ela desejaria, e resolve o problema com grande limpeza, imaginando um plano para acabar com todas estas coisas aborrecidas: deitar a escola abaixo e matar todos os professores.
Curioso que não falou nos colegas, terá pensado neles?
E do outro lado do telefone, temos umas pessoas que receberam o telefonema e todas estas ideias da miúda. Inicialmente há uma senhora que fica francamente perplexa, pelo que muda para um colega, e acabam rindo, divertidíssimos e até apoiando a ideia.
Não há nenhuma conversa no sentido de perceber melhor a miúda, o incómodo dela, saber quem é, ajudá-la a pensar que talvez há-ja outras soluções para a poder ajudar a resolver tal desgosto. Só há uma breve tentativa, mal sucedida, de saber qual a escola.
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Lembrei-me das linhas SOS, SOS criança, SOS suicídeo, SOS vítimas da violência e outras, em que, pela escuta atenta e empática se ajudam crianças e adultos, encaminhando-os se necessário para serviços especializados.
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Há um aspecto que me parece muito importante de salientar e que muitas vezes não é entendido. Pensar, falar e fazer são coisas de nível completamente diferente. Podemos e devemos pensar tudo o que nos vem ao pensamento.
Já só diremos algumas dessas coisas, que para isso temos a nossa capacidade cognitiva que nos ajuda a compreender os nossos sentimentos, e temos o sentido de moral, que pela crítica nos organiza a repensar o pensamento.
O fazer, a acção, essa já passa pelos filtros anteriores do falar e outros bem mais apertados.
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O menina do telefonema do vídeo deixou-me incomodada.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Poema - Carlos de Oliveira

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SESTA
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Dentro do bosque
os passos dum caçador.
Dentro da sombra
a cobra do calor.
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E dentro do meu sono
outro sono maior.
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Estalando as folhas secas
vai a cobra invisível.
Nas mãos do caçador
ainda a vida é plausível.
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Só dentro do meu sono
todo a morte é possível.