sábado, 6 de março de 2010

Poema - Ruy Belo e escultura de Anish Kapoor


Passeou pelos espelhos dos dias

Suas clandestinas alegrias

que mal se reflectiram desertaram

sexta-feira, 5 de março de 2010

aconteceu... a propósito de uma notícia - 3

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Um jovem de 12 anos sai da escola desesperado, atira-se ao rio e desaparece nas águas. Os colegas e o irmão assistem à cena impotentes e não o conseguem impedir.

Descrevem-no como um rapaz frágil, sujeito a bullying, ou seja maus tratos físicos, psíquicos, insultos, ameaças, por parte de outros colegas. Estes, por norma são um pouco mais velhos, mas sobretudo mais agressivos e que se aproveitam de alguma fraqueza física e psiquica do outro para exercer pressão, poder e retirar benefícios. Roubam, fazem exigências, criam situações de medo. Ameaçam tentando impedir que o sujeito faça queixa, criando no outro cada vez mais o sentimento do isolamento, da solidão, da inevitabilidade de sofrer. Na escola, nas ruas ou onde o encontrarem.

Há pois um construto agredido/agressor que ultrapassa os muros de uma escola. A situação pode acontecer em qualquer circunstância. O mais fraco cada vez se sente mais fraco e os agressores cada vez mais fortes e impunes.

Por isso é chocante ver o silêncio ou a negação da existência de bullying na escola por parte do conselho directivo e da associação de pais. Certamente resulta do sentimento de que algo correu mal que talvez podesse ter sido evitado, sentimento certamente doloroso.

O bullying é um problema real. Não é de agora, sempre o houve. No entanto a expressão comportamental está muito mais visível actualmente. Os limites impostos pelo exterior, pelas regras, censura e castigos estão menos consistentes nesta nova sociedade global.

Só com uma actuação conjunta dos vários intervenientes sociais/comunitários poderemos proteger os mais fracos.

Pais, escola, centros comunitários e desportivos, psicólogos, serviços de saúde mental da infância e adolescência, comissões de protecção de menores, todos juntos e em articulação podem ser necessários para actuar nos intervenientes de bullying.

Mas a prevenção destas situações deverá começar muito cedo na vida...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Poema - Manuel António Pina

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Só mais um dia,
um dia luminoso e barulhento
por mim a dentro,
um dia bastaria,
em prosa que fosse..

Mas dá-me para a melancolia,
para a limpeza, para a harmonia,
impacientam-me as migalhas
de pão na mesa, as falhas
da pintura do tecto,
as vozes das visitas, despropositadas,
sinto-me sujo como um objecto,
desapegado, desarrumado..

Trocaria bem esse dia
por um pouco de arrumação
- no quarto e no coração.

terça-feira, 2 de março de 2010

Aconteceu...com e na saúde

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Nestas coisas da saúde, tenho tido a sorte em estar pouco na posição do doente. E frequentemente me lembro que a minha Mãe defendia, meio a brincar meio a sério, que todos os profissionais de saúde deviam periodicamente, necessitar de ir a um serviço de saúde, onde recorreriam de forma incógnita, uma espécie de roll play a sério.
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Hoje eu fui a um serviço na qualidade de utente/doente.
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Uma moradia pequena, porta escancarada, vento e frio a entrar e a varrer tudo lá dentro, que a porta comunica com a recepção e sala de espera. Lá perto do tecto, passava o noticiário da manhã num plasma . Cadeiras encostadas à parede com pessoas à espera da sua vez, uma senhora obesa chorava, agarrada à filha, vários maridos acompanhados das mulheres que insistiam que queriam entrar, o que não lhes foi permitido, uma de cadeira de rodas, eu de canadianas...
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À chegada tive de ir dar o meu nome a um senhor da segurança que confirmou que era aguardada, me deu a senha nº 7 e me pediu o contacto telefónico. Comecei por 21 mas depois achei que o telemóvel poderia ser mais útil pelo que emendei, 96. Resposta pronta: vocês têm todas medo que vos telefonem para casa a ver se estão lá, mas isto não é para isso, é para vos avisar se um dia desmarcarem a Junta.
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Chega uma senhora perdida no imenso e bonito Parque Saúde de Lisboa e pede ao funcionário uma informação. Com um mapa na mão vai dizendo que não tem nada de dar informações, que aquele serviço paga renda e que o Parque devia ter os seus funcionários em número suficiente e não ter de ser ele. Mas lá a informa, não sem dizer que informe ou não informe, leva sempre nas orelhas.
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E talvez porque eu estava ali mesmo à mão continua a conversa comigo. Que com a falta de guardas, um dia destes havia ali uma violação e depois ai Jesus. Violação? mostro-me admirada, explica-me que quem ali trabalha é que sabe, uma parte dos doentes do hospital psiquiátrico passeiam-se por ali. Uso o argumento do pai de uma amiga minha, que o grosso da coluna anda lá fora. E raptos, continua ele, nem imagina, é facílimo raptar aqui alguém, veja lá o que aconteceu no Hospital de Sta Maria e também no de Famalicão, só depois de um rapto puseram pulseiras electrónicas aos bebés. E roubos, que não faço ideia do que ali se passa, então ao fim da tarde e noite...
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Felizmente chamaram-me e nem tive tempo para dizer ao funcionário, que quando não estou na posição de utente, também eu trabalho ali naquele parque, noutra casinha como aquela, mas que, de porta fechada e aberta ao som da campaínha, é quentinha e acolhedora, que nunca tive medo de estar por ali, os funcionários são simpáticos e calmos, não assustam os utentes com as suas próprias fantasias, mas lá me despachei e assim como entrei saí.
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E qualquer dia lá terei de voltar!
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