segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Aconteceu em viagem - 5 -Sicília

Parede do hall do hotel - Foto Paulo Mendo

Aconteceu ficar no Art Hotel Atelier Sul Mare, em Castel di Tusa na Sicília que tinha no hall de entrada estes desenhos nas paredes e papel-jornal no tecto .

Logo a entrada justificava o nome e o mote: arte.

É descrito como um hotel-museu de arte contemporânea onde o artista põe a sua obra à disposição do hóspede, para despertar emoções e meditações: "el viaje del espíritu", obra essa que só fica completa depois de vivida por quem lá entra e fica.

É curiosa esta forma de falar da arte, uma vez que raros museus nos deixam tocá-la. Como sentir certas esculturas se não pudermos escorregar as nossas mãos por ela?

Para a decoração das partes comuns e de alguns quartos tinha sido pedida a colaboração de artistas.

Os quartos eram extremamente originais. Lembro-me de um que tinha perto do tecto um conjunto em fila de televisões e uma cama no meio do quarto, enviesada, o mais minimalista possível. Era no entanto muito desconfortável: a luz era dada pelas televisões (com uma imagem parada), o interruptor era junto à porta, não havia mesa de cabeceira para pôr fosse o que fosse e as almofadas rapidamente iam parar ao chão. Seria o desamparo que era suposto despertar?

Quando em viagem, defendo que a gastronomia, escolher o típico da zona, deixar-me invadir pelos odores, sentir e saborear os diversos paladares faz também parte da cultura que se apreende.

Ficar neste hotel foi um acrescento moderno numa viagem a uma zona mais conhecida pelas suas ruínas históricas.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Poema - Maria do Rosário Pedreira

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Este foi o nosso último abraço. E quando,
daqui a nada, deixares o chão desta casa
encostarei amorosamente os lábios ao teu copo
para sentir o sabor desse beijo que hoje não
daremos. E então, sim, poderei também eu
partir, sabendo que, afinal, o que tive da vida
foi mais, muito mais, do que mereci.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Aconteceu...estar a ler 2 - A propósito da diferença


Foto da Compª Marie-Chouinard -retirada da net


“Que sinal é esse que tens na testa, não parece natural, Pode ser que não pareça, mas já nasci com ele, Dá a impressão que alguém te marcou, O velho das duas ovelhas também disse o mesmo, mas estava enganado, tal como tu estás, Se tu o dizes, Digo-o e repeti-lo-ei quantas vezes forem necessárias, mas preferiria que me deixassem em paz, se eu fosse coxo em vez de ter este sinal, suponho que não mo fariam notar constantemente”
Caim, José Saramago

Dou-me conta de como é diferente a forma como as pessoas com quem me cruzo me olham desde que ando com pé de gesso e canadianas.
Ainda vêm longe e começam a mirar-me primeiro por baixo, depois o olhar sobe, mira as canadianas e quando estão perto olham-me fixamente nos olhos.

Ouço frequentemente os lamentos de mães de crianças perturbações do desenvolvimento, e com comportamentos diferentes dos habituais. Queixam-se, algumas com sentimentos de vergonha, de como nos transportes públicos, nas lojas, as pessoas olham para os seus filhos, franzem as sobrancelhas e acabam por ouvir comentários onde as crianças passam por malcriadas e eles por pais que não sabem educar.

Contaram-me no outro dia uma situação curiosa. Uma senhora aproximou-se de uma criança com paralisia cerebral, numa cadeira de rodas dizendo “coitadinho”. Resposta pronta da criança, olhe que eu chamo-me Pedro!

A diferença é quase sempre incómoda ao próprio mas também ao outro.

Henrique Amoedo director artístico do Grupo “Dançando com a diferença”, companhia onde se misturam bailarinos com vários tipos de deficiência com outros sem, afirmou que o trabalho que faz lhe permite lidar com o seu próprio preconceito, porque também ele não está fora disso. Considera aliciante descobrir as potencialidades em cada bailarino. O trabalho da dança permite ao bailarino deficiente modificar a sua visão de si próprio, ajudando-os a lidar com as suas dificuldades, sentir-se melhor, aceitando-se.

No palco cruzam-se deficientes motores em cadeiras de rodas, com bailarinos invisuais, mentais como portadores de trisomia 21, vulgo mongoloídes, apoiados por bailarinos "não deficientes"..

Com estes espectáculos o Henrique Amoedo pretende também ir mudando a forma como as pessoas se confrontam com a deficiência dos outros.

Já pude assistir a espectáculos deste grupo. É um grande trabalho!

Assisti também ao que a Companhia de Marie-Chouinard apresentou em 2008 no CCB, um espectáculo de certo modo provocador, confrontando-nos com corpos deformados e com movimentos estranhos.

Apoiados em próteses como canadianas de várias alturas os corpos dos bailarinos transformavam-se ficando com formas muito diferentes das habituais.

Foi um espectáculo de rara perfeição técnica e beleza.

Muitos trabalhos destes, que nos ajudem a lidar com o diferente, sem negar as diferenças, podem vir a ser muito importantes numa sociedade ainda preconceituosa e rejeitante como aquela em que vivemos.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

2 Poemas - Adília Lopes

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1-.

Tenho nós
dentro de mim
que tenho
de desatar..

Tenho nós
dentro de mim
que me estão
a estrangular
.

2 -.

Há portas
que é melhor
fechar
para sempre

Há portas
que é melhor
não abrir
nunca

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Poema - Cristina de Matos Barreiros

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Son pied blessé emprisonné dans une importante coque rigide
Elle reste coincée à la maison par les intempéries hivernales
Se soumettant ainsi aux aléas d’un sort qui la rend invalide
Pendant quelques longues semaines qui lui semblent bancales.

Imprévu, ce repos imposé la prive de ses patients habituels
Qui impatiemment espèrent à l’hôpital son retour prochain
Pour déverser des problèmes qui resteront confidentiels
Et lui faire sentir l’importance de son indispensable soutien.

Dans les taxis elle qui aime papoter avec les chauffeurs
Echanger, les taquiner pour mieux les cerner et découvrir
Devra attendre que la pluie daigne se retirer en douceur
Pour reprendre plus loin des activités diverses avec plaisir.

Heureusement le site des anciens l’aide à passer le temps
En entretenant de part le monde des amitiés sincères et solides
Tout en se disant que cet hiver humide dure bien longtemps
Et qu’il lui serait fort agréable d’en sentir un départ rapide.

Cristina de Matos Barreiros


Recebi ontem uma mensagem privada cujo título era Petit cadeau.
Lá dentro estava este poema.
Muito obrigada Cristina.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

aconteceu...a propósito do "desenhar durante a escuta -1"

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A propósito do desenho que postei há dois dias com o título “aconteceu…desenhar durante a escuta”, alguém me perguntou se tinha a ver com as escutas telefónicas, coisa que no último ano esteve na moda.
Não, não, não tinha a ver com essas escutas, mas com aquela escuta do outro que comigo fala, e para a qual tenho, na tentativa de o compreender, de estar atenta, com a chamada "atenção flutuante". Porque enquanto o outro associa nós flutuamos, "acordando" quando algo de especial faz um eco, eventualmente quando os nossos inconscientes se encontram e algo se torna consciente.

Desenhar sempre me ajudou a captar a atenção. Nas aulas do liceu, os meus riscos nem sempre foram bem interpretados. Estaria distraída.
Muitas vezes são riscos, simétricos ou não, curvos ou direitos, sem nenhum aspecto estético. Outras vezes fica giro. Essa não é a finalidade do acto de riscar.
Já nas reuniões de serviço estão mais habituados e já terei contado, alguma vez, que nem sempre o que parece desatenção o é.

O pedagogo e psicólogo Eduardo Claparède (1873-1940), médico neurologista e psico-pedagogo, defendeu numa das suas teses que o bocejo não era um sinal de desinteresse mas uma forma de criar novas condições para se manter interessado. No fundo a oxigenação aumentada do cérebro pelo bocejo, provocaria uma estimulação cerebral, revitalização e um aumento da capacidade de estar atento.
Portanto quando bocejamos estamos a tentar estar atentos e não a deixarmo-nos adormecer.
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Há nesta explicação uma mudança de sinal muito importante e despenalizadora.
Ora ainda bem!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Poema - Maria Virgínia Varela

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Foto de Sarah Moon
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SOU

Sou como a onda que rebenta na praia,
Sou como a pedra que rola no monte,
Sou como o vento que bate na vela,
E sou como a água que brota da fonte.
Sinto o meu peito a arder de saudade,
Sinto este amor que já não vale nada,
Sinto o vazio das noites compridas
E preciso de força p´ra seguir esta estrada.
Vejo a alegria nos olhos dos outros,
Vejo a tristeza bem dentro de mim,
Vejo o vagar com que passam os dias
E será que esta vida vai ser sempre assim?
Gostava de rir como dantes fazia,
Gostava de voltar à casa da partida,
Gostava de dar um abraço apertado
E olhar bem de frente sem ter medo da vida.

Maria Virgínia Varela