domingo, 20 de dezembro de 2009

aconteceu no taxi - 5 Chauffeur alcoolizado

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Ao sair do Restaurante Valenciana, faço sinal a um taxi com a minha canadiana no ar. Talvez não seja muito bonito, mas agora é um prolongamento das minhas mãos. Ele ía em sentido contrário e estranhei que não estancasse, como normalmente fazem. Parou já depois da rua de Campolide. Depois deu a volta.
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A Joana e eu entramos e dissemos para onde queríamos que nos levasse.

Ele estava a fumar e disse qualquer coisa sobre não estragar o carro, (as canadianas?), pelo que eu, que nem sou militante activista anti tabaco comentei que era bom que ele não estragasse os nossos pulmões. Sem grande vontade lá apagou o cigarro e deitou-o pela janela fora.
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Nitidamente a viagem tinha começado mal...mas isto ainda era só o princípio.

Logo nos primeiros minutos percebemos pela forma como guiava, às curvas, quase a bater nos passeios, que alguma coisa não estava bem. O diagnótico foi imediato, o homem estava completamente embriagado!
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Vi a Joana, em silêncio, a começar a mandar mensagens de telemóvel. Estranhei mas estava mais preocupada com o motorista e a nossa viagem.
Meti conversa...sobre as operações stop. Com voz arrastada e empastada, as sílabas a enrolarem-se na língua explica que não vai haver, em Lisboa é só às 5as e 6as feiras, ora estavamos num sábado. E se houvesse,arrisco, faziam teste ao alcóol? Sem dúvida, responde e eu estava feito, lixado, que estou cheio de vinho. Só vinho tinto, que não gosta de outras bebidas. Não sei se acredite mas...
Mais uma guinada e no banco de trás somos atiradas para o lado.
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Ai, ai a minha hérnia! gritava a Joana por cada guinada que o carro dava.
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E o homem continuava despudoradamente a falar, que tinha bebido uns copos, uns 4 precisa, e eu pergunto-lhe tamanho penalty? pode ser, sim desses grandes e mais uns tantos acrescenta.
E sabe, um destes dias a minha filha foi apanhada numa operação stop na 24 de Julho e ficou toda chateada comigo por não a ter avisado. Ía depressa, pergunto-lhe eu, não, você não está a ver bem, ela também ía com os copos.
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Somos novamente sacudidas e passamos uma tangente a uma paragem de autocarro.
.Ai, a minha hérnia, gritou novamente a Joana.
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A saída do eixo norte-sul para a 2ª circular foi um pesadelo. Parecia que o carro não iria dar a curva. Apontado ao separador lateral da curva, só mesmo no último momento e com uma guinada rápida a volta é dada.
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"Ai a minha hérnia!" .
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Já na Estrada da Luz novamente uma paragem do autocarro passa junto da nossa janela. Aproximamo-nos do meu bairro, um bairro classe média, é aqui neste buraco que mora comenta ele sem esperar resposta.

Saio ainda meia perplexa e a Joana continua viagem.
Ao chegar telefona-me logo. Conta que apesar de ser quase meia noite, e depois do taxi passar uma rasante a um autocarro, este terá apitado com força e longamente.
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Fiquei a perceber que as mensagens da Joana eram gritos de socorro para a Vera que tinhamos acabado de deixar.

Estamos loucas ou quê? Porque em vez de mandarmos parar e sairmos, ficamos e continuamos a viagem?

Quanto a mim não tenho dúvidas, senti-me uma jornalista em pleno campo de batalha,mesmo no meio de fogo cruzado, alheia aos perigos, à procura da melhor reportagem.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Poema - Duarte Mata

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POEMA À AVÓ MARGARIDA

Querida Avó!
Querida Avó Margarida!

Já sabia que a Família, os amigos e os
colegas gostavam muito de ti.
Mas, também os Senhores que fazem os dicionários?!

Imagina que no Dicionário vem que és uma “Pérola”, uma “Flôr”
E que dentro das flores és uma “Bem-Me-Quer”!

Nunca me tinhas dito que vinhas no dicionário!
Quem são estas Senhores do dicionário que te
Conhecem tão bem?

Já nem me atrevo a procurar o sinónimo de “sexta-feira”.
Deve lá estar escrito concerteza “Dia dos Netos”!

Também podia estar o “Dia da Avó Margarida”...
...mas eu não Os conheço!

Vou precisar de umas décadas para organizar as
Nossas memórias, Avó! Mas temos tempo, Avó!
Agora temos tempo!...

9 de Janeiro de 2006

poema - Maria do Rosário Pedreira

NATAL (À Avó)

ficou vazio o teu lugar à mesa. Alguém veio dizer-nos
que não regressarias, que ninguém regressa de tão longe.
E, desde então, as nossas feridas tem a espessura
do teu silêncio, as visitas são desejadas apenas
a outras mesas. Sob a tua cadeira, o tapete
continha engelhado, com a tua ida.
provavelmente ficará assim para sempre.
no outro Natal, quando a casa se encheu por causa
das crianças e um dos nós ocupou a cabeceira,
não cheguei a saber
se era para tornar a festa menos dolorosa,
se era para voltar a sentir o quente do teu colo.

Maria do Rosário Pedreira

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

aconteceu no taxi - 4 O fadista

Pára sem me olhar. Digo-lhe para onde quero ir e arranca o carro.
Cá está um dos que não fala, pensei.


Vejo-o por trás, parece pequeno e magro, cabelo muito bem penteado talvez com um pouco de brilhantina (escrevi brilhantina e não gel, curioso, talvez porque o homem tinha um ar de antigamente) e um bigode escova preto. Guiava com cuidado.

Ele não falava mas havia um rádio de onde saía fado.
Arrisco “isto é a nova estação Amália?”. Na mouche, a língua destravou.
Criado no bairro Alto, desde miúdo frequentou o ambiente do fado, aos 13 anos já ajudava por vezes na Adega Machado, despejando uns cinzeiros, fazendo uns recados.


Uma noite um americano deu-lhe uma gorjeta gorda.
Ao chegar a casa entregou o dinheiro à mãe. O pai viu e acusou-o de o ter roubado e obrigou-o a ir devolver. Foi com ele à adega e o Machado deu um raspanete ao pai, seu bêbado, achas que o teu filho é ladrão? Tu devias ter orgulho no teu filho!


Continuou com o tio Alfredo, que conheceu tão bem, e mais este e aquela. E lembra daquela vez que estavam lá no Machado uns tipos da PIDE, a senhora sabe quem eram e o tio Alfredo não queria cantar e eles queriam ouvi-lo. Então mandaram-lhe uma nota de dinheiro, e eu interrompo e digo “e ele não cantou à mesma”, ri-se, cantou, claro que cantou!

Do rádio continuam a sair fados. Atiro “este é o Tristão da Silva?” Parece-me o Maurício diz ele. Não lhe disse que nem sabia que havia um Maurício. Que ele começa a falar na nova geração de fadistas, uma categoria. E conta com um enorme orgulho que um dia destes uma senhora mandou-o parar e ele viu logo que era a Ana Moura. “Não desfazendo”, é uma frase que acho uma enorme piada “é uma senhora a sério, inteligente, culta, e que voz!” “E imagine só a coincidência, não é que começa aqui no rádio a tocar um fado cantado por ela? Não me volta a acontecer outra assim, ai isso não”.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

vídeo - me gusta leer

Achei este vídeo muito interessante.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

aconteceu no taxi - 3 A culpa é das mulheres

Foi o 1º taxi em que entrei com separador, por um quadrado de abertura comunica com o cliente . Chauffeur de boné à Lenine, e de conversa imediata.Estava um dia gelado e uma conversa parece que nos aquece.

Naquela profissão desde 1976, vai-me explicando que "isto está muito mau", referindo-se ao lucro de um taxista. Lisboa tem cerca de 4000 taxis, o mais caro não é comprar o taxi é o alvará. Por isso muitos taxistas, como ele, fazem-se sócios de cooperativas que lhes "alugam" o alvará. Há várias modalidades, no caso dele deu o carro, paga as despesas do carro, seguro, oficinas, gasolina, e fica com cerca de 40%do dinheiro do dia.

Mas, diz ele, quando começou a trabalhar em 4, 5 horas fazia o que faz hoje, 70 a 80 € por dia ilíquidos. "Isto está mau" vai repetindo. Lamenta-se não ter ido para a polícia, isso é que tinha sido bem visto, e estava quase reformado. Assim, quando o fizer, vai ficar com "300€ por mês,já viu?", tenho de concordar que é pouco.

Conta da filha, enfermeira, com vários empregos, comprou casa, carro, tem de ser.Mora na periferia de Lisboa e perde horas em bichas.

Como ela, diz, toda a gente tem carro, para que precisam de taxis? "Olhe a senhora, se calhar só precisa por andar assim com o pé". Condescendo, é verdade.
Quer-me convencer das vantagens do taxi, porta à porta, sem pagar estacionamento, nem seguro, nem... Todas as casas agora têm vários carros, nem é só um!
Estamos a chegar ao meu destino e ele faz uma análise sociológica da questão "A culpa é das mulheres, antes eram só os homens que tinham carro"!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Poema - Maria do Rosário Pedreira

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.