sábado, 16 de abril de 2011

Poema - Sophia de Mello Breyner Andressen

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AS CASAS

Há sempre um deus fantástico nas casas
Em que vivo, e em volta dos meus passos
Eu sinto os grandes anjos cujas asas
Contêm todo o vento dos espaços.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Aconteceu...que não andava de taxi há muito tempo

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Então não havia de saber onde fica a sua rua, eu ando nisto há 46 anos, diz o taxista que eu tinha chamado para me levar ao aeroporto.
Quando a menina da central me disse para entrar pela parte antiga do bairro disse-lhe logo que isso era para os novatos, eu conheço Lisboa como as minhas mãos.

Sim, porque isto é uma vida muito má mas da forma que a coisa está má em todas as profissões ainda há quem venha para isto.

É uma vida de perigo, sabe, eu conto-lhe, às vezes só apetece não parar, mas quem vê caras também não vê corações.

Olhe, um dia à noite, uns 3 mal encarados mandaram-me seguir ali para São Brás, eles tinham mesmo mau aspecto, mas que fazer, queriam que eu fosse para uma rua de barracas, mas eu desconfiei e não fui. Com prédios sempre me sinto mais seguro, eles ficaram furiosos e mandaram-me parar. Saíram, e o que ia atrás de mim veio aqui à minha janela e disse "ó velhote segue lá que nós gastamos tudo e não temos dinheiro para te pagar", que havia eu de fazer, segui e fiquei com os quinze euros de calote.

Estou sempre muito atento mas às vezes, nunca se sabe.
Olhe, conto-lhe outra, esta já foi há muitos anos, mandaram-me parar, e queriam ir para a Caparica, um sentou-se aqui ao meu lado e outro lá atrás, fiquei logo de sobreaviso, mais ainda quando o da frente tirou uma caneta que eu tinha no tablier e meteu ao bolso.
Ainda havia portagens no lado de Lisboa e eu pedi-lhes uma nota de cem para pagar a portagem, que não, que pagasse eu, e eu paguei. Só que fui direito à GNR, saí de imediato do carro e contei ao guarda que aqueles pelintras nem dinheiro tinham para pagar a portagem. Os guardas foram porreirinhos, mandaram-nos sair e eles saíram. Mas um deixou uma faca grande ali no banco de trás, depois de apalpados o outro também tinha uma,  olhe ficaram logo os dois no posto.

Isto é uma vida de perigo, minha senhora, chegamos e faça um boa viagem.

De perigo e de solidão, pensei eu, que quase não abri a boca durante toda a "corrida". Ele tinha mesmo necessidade de falar...e eu ouvi.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Aconteceu...ontem do céu, hoje de terra


.........................................Fotos - Magda

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Poema - Mário Cordeiro

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ACONTEÇO UM GIN NO PETER´S

De cada vez que chego à marina
Venho mais nobre,
Mas sinto-me pobre
E com a alma pequenina,
Quando desenho o meu ex-libris
Na igreja das Angústias
E o pico tem-me refém,
Como sempre tem
Quem dele provem
à bolina.
Chego cansado à marina
E amarro a embarcação
Com o oceano e a ressaca
No coração.
Vou a Espalamanca
E a Porto Pin
Pobre dos outros
Mais rico de mim,
Cidade baía
Lugar de conforto
Chego a bom porto
Na Ermida da Guia.

Aconteço um gin no Peter´s
(Café Sport para os da terra)
Ouço as saudades da guerra
De um marinheiro sem braço
Adormeço no abraço
Da marina, minha amante,
E olhando para cada cara
Redescubro um atlante.
Em tons de sol e de luz
Sintomas de manhã clara,
Acordo com o arcabuz
Do Forte de Santa Cruz.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Aconteceu...que o tempo voa!


Gostava de poder medir o tempo, medir mesmo, dentro de mim, sem relógio nem calendários, sem fitinhas do dedo anti-esquecimento, sem papelinhos colados com recados, sem telefonemas para me lembrarem as coisas que eu não me lembro... gostava de ter tudo isso dentro de mim, sem esforço, sem peso, sem esquecimento.

Mas não, sou imensamente desregulada nas datas, nas marcas de que me tenho de lembrar e me esqueço sempre na hora.

Uso truques, anoto na agenda do serviço, na  da casa, em papéis junto ao meu lugar na sala, no post-it do écran do computador e nos últimos anos, no telemóvel.

Um destes dias carreguei num botão do meu Samsung e apaguei inadvertidamente todas as anotações cuidadosamente marcadas no calendário. Foi assim como se uma súbita rabanada de vento me tivesse virado ao contrário, de tal forma que eu deixava de saber onde estava o chão. E de gatas, em cima dele, tacteava com as mãos para o encontrar.
E o pior é que todas as anotações feitas nos outros sítios, certamente por solidariedade, desapareceram também.
Ando agora, penosamente, a refazer o perdido.

Só que o tempo voa, voa levemente mas rápido e já deve estar longe, muito longe.
Não sei nos voltaremos a encontrar.

domingo, 10 de abril de 2011

Poema - Ruy Belo

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AOS HOMENS DO CAIS

Plantados como árvores no chão
ao alto ergueis os vossos troncos nus
e o fruto que produz a vossa mão
vem do trabalho e transparece a luz

Nenhum passado vale o dia-a-dia
Sonho só o que vós consentis
Verdade a que de vós só irradia
- Portugal não é pátria mas país