domingo, 20 de março de 2011

Poema - Herberto Helder

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É amargo o coração do poema.
A mão esquerda em cima desencadeia uma estrela,
em baixo a outra mão
mexe num charco branco. Feridas que abrem,
reabrem, cose-as a noite, recose-as
com linha incandescente. Amargo. O sangue nunca pára
de mão a mão salgada, entre os olhos,
nos alvéolos da boca.
O sangue que se move nas vozes magnificando
o escuro atrás das coisas,
os halos nas imagens de limalha, os espaços ásperos
que escreves
entre os meteoros. Cose-te: brilhas
nas cicatrizes. Só essa mão que mexes
ao alto e a outra mão que brancamente
trabalha
nas superfícies centrífugas. Amargo, amargo. Em sangue e exercício
de elegância bárbara. Até que sentado ao meio
negro da obra morras
de luz compacta.
Numa radiação de hélio rebentes pela sombria
violência
dos núcleos loucos da alma.

sábado, 19 de março de 2011

Aconteceu...emoções e pudor

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Cada cultura tem a sua forma de expressar as emoções. Esses comportamentos fazem parte dos códigos que são transmitidos pelas famílias de geração para geração e ensinados nas escolas desde a mais tenra idade.
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Os povos latinos são explícitos a transmitir emoções, usam abundante linguagem gestual que pontua a verbal, falam com as mãos, gesticulam, riem-se alto, gritam, batem-se, tal comédia italiana.
Já nos povos do norte da Europa, a expressividade das emoções é tão discreta que diríamos que são frios. Por vezes a grande contenção cria sentimentos de enorme violência.
Já os orientais, expressam pouco as emoções, transmitem com o seu comportamento mais uma sensação de boa educação que de frieza. Um discreto sorriso pode acompanhar uma emoção carregada de sentimentos dolorosos, tal como um grande contentamento. É um código tão diferente do nosso que quase pode dar azo a mal entendidos.
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Vimos nesta última semana japoneses a emocionarem-se, para logo de seguida pedirem desculpa, como se se tivessem excedido. Com tudo o que têm passado, é muito impressionante!

sexta-feira, 18 de março de 2011

Aconteceu...Foto - espreitando ...

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...................................Foto - Magda

quinta-feira, 17 de março de 2011

Poema - Alexandre O ´Neill

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A VIDA DE FAMÍLIA
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A vida de família tornou-se bem difícil
com as contas a pagar os filhos a fazer
ou a evitar a ranhoca a limpar
a vida de família não tem razão de ser
não tem ração de querer
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a vida de família jangada da medusa
é o tablado da antropofagia
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mas ficam os retratos cristo virgem maria
e os sobreviventes, que vão chupando os dentes

quarta-feira, 16 de março de 2011

Aconteceu...orgulho familiar

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Era eu criança quando fui às Berlengas num dos "cacilheiros" que na altura faziam a travessia a partir de Peniche. O dia estava bonito, céu azul, e preparávamo-nos para um dia divertido.
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Ainda com a embarcação atracada, a tripulação indicou-nos que não poderíamos ir no tejadilho da cabine para ver melhor, como o meu pai tinha imaginado. Contrariados, cumprimos e descemos. Seguiu-se uma distribuição de baldes de 5 litros pelos passageiros. Só à saída percebi bem para que serviam, pois acabaram cheios de vomitado. Longe da realidade, a minha família não aceitou nenhum.
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Saímos para o mar e algum tempo depois o barquito era uma casca de nós que subia e descia umas ondas enormes. Na ausência de balde vomitei mesmo borda fora, no que fui seguida pelo meu pai. A minha mãe foi uma heroína, uma das poucas que se aguentou sem perder parte do seu suco gástrico.
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Deitado no chão, agarrado à perna de um banco e oscilando ao sabor das ondas, ia uma criança, dos seus 10 anos. Esbodegado, pálido quase branco, o Vasco, assim se chamava, vomitava abundantemente. O seu apelido era Gama. E com ar altivo, o pai disse-lhe, de forma crítica e depreciativa "Vasquinho, na nossa família não se vomita!".
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Quando tempos mais tarde este episódio era recordado, provocava umas boas gargalhadas.

terça-feira, 15 de março de 2011