segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Poema - Ruy Belo - que faria hoje anos (1933-1978)

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NA PRAIA
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Raça de marinheiros que outra coisa vos chamar
senhoras que com tanta dignidade
à hora que o calor mais apertar
coroadas de graça e majestade
entrais pela água dentro e fazeis chichi no mar?

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Aconteceu...limitações, geográficas e do espírito

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Ilha é definida como um pedaço de terra rodeado por mar.
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Ninguém se lembra em Londres que estamos numa ilha. Mas quando estamos em ilhas pequenas, daquelas em que se vê o mar de quase todo o sítio é difícil esquecer.
É o caso das nove ilhas dos Açores, que sendo pequenas, são dos sítios mais bonitos que conheço.
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Os aviões não levantam sempre, há muitas vezes que o vento ou o nevoeiro os impedem.
Consegui estar cinco dias na Ilha das Flores, com o Corvo ali ao lado, e nunca houve avião nem barco para lá ir.
Foi muito curioso quando entrei para comprar lenços de assoar e não havia. A senhora da loja agarrou nuns guardanapos de papel e deu-mos. Não quis dinheiro, explicou-me que quando faltam coisas e o transporte tarda, a solidariedade existe.
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Um dia, estava em S. Miguel e ouvi que tinha havido uma fuga de presos. A notícia criou-me uma sensação de aperto no peito, fugir para onde?
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Conheci uma criança que veio com o pai ao Hospital onde eu estava. Ele era de outra ilha. A mãe tinha pavor dos aviões e dos barcos. Nunca tinha saído da ilha dela e não se via grande hipótese de alterar a situação. Tive também um aperto no peito, sentimento de claustrofobia.
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Em Santa Maria um dos sítios onde me levaram foi ver os restos de um avião que caiu e ao monumento que foi construído no local da queda. Uma visita quase macabra, mas que entendi como uma viagem obrigatória, uma espécie de peregrinação em que em vez de rezar se pensa lagarto, lagarto!
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Mas no fundo, não há quem morando a menos de cinquenta quilómetros de Lisboa nunca a tenha visitado?
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E as fronteiras que existem na nossa cabeça não serão as mais difíceis de transpor?

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Poema - Vitorino Nemésio

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Já uma vila dos Açores
Loze ligeira no horizonte.
Será num alto das Flores,
No Pico ou logo de fronte,
Espraiadinha num cume
Ou encolhida em Calheta?
O ser nossa é que resume
Seus amores de pedra preta.
Para vila da Lagoa
Falta-lhe a cidade ao pé,
A distância de Lisboa
Já não me lembro qual é.
Para Vila Franca ser
Falta-lhe o ilhéu à ilharga,
É airosa pra se ver,
Mais comprida do que larga.
Povoação não me parece,
Nos padieiros não condiz,
Aos camiões estremece,
Mas não aguenta juíz.
Pra Ribeira Grande falta-lhe
O José Tavares no quintal,
Rija cantaria salta-lhe
Dos cunhais, branca de cal,
Mas não é Ribeira Grande:
Essa merecia foral!
No dia em que haja quem mande
Será cidade mural.
Nordeste - só enganada
Na vista da Ilha Terceira,
Longe de Ponta Delgada,
Sua sede verdadeira.
Nem Vila do Porto altiva,
A mais velha da fiada,
Em suas ruas cativa
Como princesa encantada.
De cimento a remendaram,
Coroaram-na de aviões,
Mas eternos lhe ficaram
Os bojos dos seus tàlhões.
Se é a Praia da Vitória
Não lhe reconheço a saia:
Enchem-lhe a areia de escória,
Ninguém diz que é a mesma Praia.
Talvez seja Santa Cruz
Da Graciosa, ou a sua Praia,
Com o Carapacho e a Luz
Cheirando a lenha de faia.
De S. Jorge a alva Calheta
Ou a clara vila das Velas,
E o alto, alvadio Topo
Com um monte de pedra preta
Dando realce janelas.
As Lajes ou o Cais do Pico,
A escoteira Madalena
Vilas são de vinho rico,
Qual delas a mais morena.
Santa Cruz das Flores seria
Essa vila açoriana
Ou as Lajes de cantaria
Do bom Pimentel soberana.
Finalmente, só o Rosário,
Que do Corvo vila é,
Pequena como um armário
Ou um chinelinho de pé.
Mas não é nenhuma delas,
Nem Água de Pau, que o foi,
S. Sebastião, ou Capelas,
Da Terceira arca de boi
Como a nossa Vila Nova,
Que nem chegou a ser vila,
Tão branca na sua cova,
Tão airosa, tão tranquila.
Ah, já sei! É delas, fundo,
Que o muro alvo se perfila
Contra os corsários do mundo
Que invejam a nossa vila,
Nosso povo, na folia
De uma rocha de mar bravo,
Que o Guião da autonomia
Só por morte torna escravo.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Aconteceu...caixas para pessoas vivas

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Um destes dias, do Derby de Lisboa como ouvi que chamavam ao jogo de futebol Sporting Benfica, ouvi um oficial da polícia falar sobre as medidas de segurança que iam ser tomadas.
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Ao referir-se à claque do Benfica, que ainda não tinha partido rumo ao estádio do Sporting, o polícia disse que eles seriam cerca de 3000 e iriam em caixas de 400. Caixas?
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A minha fantasia levou-me para aquelas camionetas de caixa aberta, onde animais são transportados, esborrachados uns aos outros. À chegada e quando os fazem sair, uns vêm mortos, outros moribundos, outros ainda com fracturas várias.
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Depois o meu pensamento divagou para as caixas de redes, quatro faces e uma abertura, que os pesacdores do mar usam para a apanha de peixe ou marisco ou para os pôr em viveiro. Mas isso são chamadas gaiolas.
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Já tive oportunidade de ver as claques dos três principais clubes serem encaminhadas para os estádios. Vi de perto, ali no passeio, parada, só para os ver. Curiosidade, que género de pessoas, homens, mulheres, qual o aspecto, e o comportamento.
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Por isso penso saber o que são as caixas que o polícia falava, cordões de polícia que envolvem a massa da claque, delimitando-a em grupos. E lá vão eles, fileiras serradas, presos entre os cordões de guarda. Todos os que vi naquelas viagens, iam mansos como carneiros.
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O aspecto das pessoas de algumas claques impressionou-me. Não são todas constituídas por pessoas semelhantes no estilo e aspecto social. Numa delas, gente com ar pobre, para não dizer quase miserável, quer na roupa, nos dentes podres ou até na ausência deles. Há marcas de infância sofridas e abandónicas que não se apagam, e ficam coladas à pele porque já lhes pertencem, só a morte as fará desparecer.
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Impressionou-me que por períodos não há cantos nem palavras de ordem, fazendo lembrar um cortejo fúnebre, que acompanha o morto à sua última morada. Impressionou-me o ar submisso com que se sujeitam a ser tratados assim como animais.
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Que, e em grupo, sabemos que agem muitas vezes como tal.
Mas dizer que vão em caixas de 400, ó senhor guarda, terá mesmo de se dizer assim?

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011