Desisti de escrever aqui a minha viagem a Malta, em Junho deste ano. Não me estava a sair bem e não me estava a dar prazer.
Esta semana li a 9 de Outubro 2021, no Fugas do jornal Público um artigo de Maria José Santana sobre a viagem dela e que me foi muito agradável de ler. Sim, ela escreve bem e soube organizar o texto. Não admira, é jornalista e frequentou a Faculdade de Letras de Coimbra, já me parece uma boa razão.
E vai-me ser útil como avivador de memória.
Como sou assinante espero que possa pôr aqui o artigo com as devidas referências.
Malta, um território não se mede aos palmos
Tem mais monumentos por quilómetro quadrado do que qualquer outro país e milhares de anos de história para contar. Malta é um pequeno território com várias culturas e vivências dentro, difícil de deixar para trás sem a vontade de regressar.
Entre as muitas bombas que foram lançadas por cima da ilha, houve uma que atingiu a Basílica de Nossa Senhora da Assunção e que, por “milagre”, não explodiu. As marcas ainda são visíveis no tecto do templo e a bomba, devidamente desactivada, está exposta na sacristia – anualmente, a 9 de Abril, a paróquia faz questão de celebrar “o milagre da bomba”.
Tão ou mais impressionante é a beleza que a basílica, cuja construção foi iniciada em 1833, arrastando-se até 1860, guarda no seu interior. As paredes, carregadas de pinturas e estátuas, e os altares – sim, são vários, uma vez que a basílica concentra seis capelas – merecem um olhar mais prolongado. No exterior, a fachada, com seis colunas e ladeada por duas torres, também reclama a nossa atenção. Contam-nos que, a cada 15 de Agosto, aquelas paredes se enchem de luzes e de cor, por conta da Festa da Assunção de Nossa Senhora.
A antiga capital e os subúrbios
Localizada no topo de uma colina, mais ou menos a meio da ilha, Mdina mantém uma beleza ímpar. Fundada pelos fenícios, que ali chegaram por volta de 870 a.C., foi capital de Malta até 1530, chegando até aos dias de hoje como uma das cidades muralhadas mais bem preservadas da Europa. Fruto das derrocadas provocadas pelo terramoto de 1693, divide-se entre o estilo medieval e o barroco. “Parte da cidade ruiu e teve que ser reconstruída”, relata a nossa guia, exemplificando com o caso da Catedral de São Paulo, um dos edifícios mais emblemáticos de Mdina.
Vale a pena dedicar algum tempo a percorrer as ruas estreitas da cidade, perdidos no emaranhado típico das cidades árabes e atentos à quantidade de santos religiosos cravejados nas paredes. Malta é assim mesmo. Um misto de heranças daqueles que a ocuparam – além dos fenícios, também os cartagineses e romanos ali assentaram arraiais antes de Cristo – e moldaram a história. “Os árabes estiveram aqui mais de 200 anos, presença que ainda está bem vincada na nossa língua e em muitos nomes de lugares”, acentua Mayca de Antonio Fernandez. Igualmente marcante foi o domínio, durante mais de 250 anos, da Ordem dos Cavaleiros Hospitalários de São João, ordem religiosa e militar pertencente à Igreja Católica, bem como a anexação, em 1814 (e até 1964), ao império britânico – o inglês é a segunda língua do país e a condução é feita à esquerda.
Fora das muralhas de Mdina – se lhe faltarem forças para continuar a caminhar, delicie-se com um pastizzi (um pastel folhado que se come quente) –, encontrará outro ponto de visita obrigatória: Rabat, antigo subúrbio da capital, conhecida pelas várias catacumbas que os cristãos escavaram debaixo de terra. As mais conhecidas são as Catacumbas de São Paulo, cuja origem remonta ao século III d.C. e que mostram as tradições fúnebres cristãs da época. A poucos metros, e igualmente abertas a visitas, estão as Catacumbas da Capela de São Cataldo, que guardam um dos mais importantes exemplos de mesas de ágape, usadas nos rituais funerários.
Recuar 5000 anos no tempo
Malta é um daqueles territórios que exibe provas inquestionáveis da sua existência milenar. São vários os monumentos megalíticos, espalhados por vários pontos das ilhas de Malta e Gozo, que testemunham a ocupação daquele território entre 3600 a 2500 a.C. O nosso roteiro contemplou a visita ao templo de Hagar Qim, mas os aficionados da Arqueologia estão mais do que convidados a contemplar outros monumentos – ao lado, por exemplo, descendo 500 metros, encontrarão o templo de Mnajdra.
“Não sabemos quantas pessoas viveram aqui, mas sabemos que seria uma sociedade muito evoluída. A forma como constroem estes edifícios em pedra demonstra-o”, evidencia a nossa guia. Escavado pela primeira vez em 1839, o monumento de Hagar Qim consiste num edifício central – com um grande átrio e fachada monumental que corresponde ao padrão típico dos templos pré-históricos de Malta – e restos de pelo menos mais duas estruturas. Não estranhe o facto de o templo estar coberto com um abrigo: o objectivo é protegê-lo da erosão, preservando-o para as gerações futuras.
Bem perto dali, a proposta passa por ficar de olhos postos no mar e apreciar a famosa Gruta Azul, um grande arco de pedra natural plantado sobre uma água azul-turquesa. Para apreciar todo o seu esplendor, pode (e deve) agendar uma viagem de barco, com passagem por outras cavernas da zona. As embarcações saem do porto de Wied iz-Zurrieq e cumprem uma rota de cerca de 30 minutos (8 euros por pessoa). Caso tenha azar, como foi o nosso caso, e o mar não esteja de feição, resta-lhe apreciar a paisagem a partir do alto do miradouro.
É também à beira-mar que se situa Marsaxlokk, vila piscatória que dá abrigo a inúmeros barcos “com olhos”. Pequenas embarcações pintadas de cores vivas e com o olho de Osíris desenhado na proa – os pescadores acreditam que este elemento do Egipto os protege e afasta a má sorte –, conhecidas pelo nome de luzzu. A partir deste pequeno porto, pode apanhar um barco para ir até Salina, conhecer as suas salinas, ou para St. Peter’s Pool, uma das piscinas naturais mais famosas da ilha – afinal de contas, Malta também é conhecida pelas suas praias idílicas. Fica também o registo, caso consiga fazer coincidir a visita a Marsaxlokk com um domingo: neste dia, a vila é palco de um grande mercado.
La Valletta, um museu a céu aberto
Propositadamente ou não – chegámos e partimos na condição de convidados –, a verdade é que o nosso roteiro deixou o melhor para o fim: La Valletta, a capital, e toda a grandiosidade que ela encerra. Mandada construir pela Ordem de São João (também conhecida por Ordem de Malta) no século XVI, é hoje um verdadeiro museu a céu aberto e uma cidade vibrante. “Esta foi a primeira cidade planeada da Europa e preparada para responder a ataques vindos do mar”, introduz Mayca Fernandez, do alto dos jardins da Barrakka, que oferece vistas estupendas e onde todos os dias, ao meio-dia, é possível assistir ao disparo de uma salva de canhão.
Como qualquer capital que se preze, La Valletta reclama por uma visita mais prolongada, de olhos postos nos seus edifícios de varandas coloridas e nos inúmeros monumentos que ela tem para nos apresentar, alguns deles com dedo português. Efectivamente, foram vários dedos, uma vez que houve três grão-mestres portugueses a presidir à Ordem dos Cavaleiros Hospitalários de São João, dois dos quais – António Manuel Vilhena e Manuel Pinto da Fonseca – vão sendo, por diversas vezes, referenciados pela obra que deixaram na ilha. Por exemplo, aquela que é hoje a residência oficial do primeiro-ministro de Malta, outrora Albergue de Castela, teve o cunho de Manuel Pinto da Fonseca e ainda preserva, na sua fachada, o brasão de armas do reino de Portugal (ao lado do de Castela e Leão).
A referência aos grãos-mestres portugueses volta a vir à baila durante a visita àquele que é um dos mais emblemáticos monumentos da ilha, a Concatedral de São João – a catedral mantém-se na antiga capital, Mdina –, e que por detrás de uma fachada austera, em pedra, esconde um interior sumptuoso, carregado de pinturas e de elementos dourados. É impossível tirar os olhos das paredes, da abóbada e até mesmo do chão. “É 100% mármore, colorido, e tem aqui os túmulos dos cavaleiros da ordem”, enquadra a nossa guia.
Nas laterais da nave central, são apresentadas oito capelas, alusivas aos reinos dos quais os cavaleiros da ordem eram originários – a de Portugal preserva os monumentos funerários dos grão-mestres António Manuel de Vilhena e Manuel Pinto da Fonseca –, que precedem aquele que é um dos salões mais procurados do templo. Falamos do espaço dedicado ao pintor Caravaggio, que chegou a residir em Malta e a pertencer à ordem, e onde é possível contemplar a pintura A decapitação de São João Baptista, considerada uma das suas obras-primas, e também um quadro dedicado a São Jerónimo.
Navegar em direcção às “Três Cidades”
Estar em Malta e não navegar nas suas águas seria uma falha gravíssima. Afinal de contas, é ali que se encontra um dos mais importantes portos do Mediterrâneo e também não faltam barcos, nem propostas, para cruzar as suas águas. Mais grave ainda seria não embarcar numa das suas típicas dghajsas, pequenos barcos em forma de gôndola. “Foram introduzidos pela Ordem de São João para se moverem entre portos”, conta Mayca, enquanto o timoneiro manobra os remos, a fim de afastar o casco do cais – o motor só é ligado depois de o barco tomar o rumo. Navegamos entre La Valletta e as chamadas “Três Cidades”: Birgu, Senglea e Cospicua.
Começamos por Birgu – também referenciada como Vittoriosa –, a mais antiga das três, rendidos às suas ruas e casas típicas, que anualmente se ilumina à luz das velas por conta do Bigurfest. “É uma festa lindíssima, cheia de luz e magia”, ilustra a nossa guia, a propósito do evento que costuma ter lugar na segunda semana de Outubro – a edição deste ano, tal como a de 2020, foram canceladas por conta da pandemia.
É também em Birgu que se encontra o Forte de Santo Ângelo, originalmente construído no período medieval e tido como a jóia da coroa da herança militar de Malta. É particularmente conhecido pela importância que teve enquanto sede da Ordem durante o Grande Cerco de Malta de 1565, resistência que acabou por valer-lhe um estatuto lendário que permanece até aos dias de hoje.
Já Senglea e Cospicua, as mais novas das três cidades – foram fundadas pela Ordem de São João nos séculos XVI e XVII, respectivamente – têm como principais atractivos o Forte de São Miguel e a Igreja da Imaculada Conceição, que abriga pinturas de grande valor.
Se ainda lhe sobrar tempo, marque uma visita a Gozo – fica a apenas 25 minutos de ferry –, a segunda maior ilha do arquipélago e bem mais verde e rural do que Malta. Não foi o nosso caso, uma vez que em Malta os dias parecem passar a voar, mas é (mais) um bom pretexto para regressar.
Guia prático
Onde comer
The Golden Fork
13 Triq Il-Kbira,
Ħ'Attard ATD 1027, Malta
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Hammett’s Maċina Restaurant
Triq Il-31 ta’ Marzu,
Xatt Juan B. Azopardo, L-Isla ISL 1040, Malta
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Capo Crudo
Mo Triq Il-Lanċa, Il-Belt Valletta, Malta
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Onde dormir
Corinthia Palace Hotel
De Paule Avenue, San Anton BZN9023, Malta
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Osborne Hotel Malta
50 South St, Valletta, Malta
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Como ir
A Ryanair tem voos directos para Malta (não diários) a partir de Lisboa e do Porto. Durante o Verão, a Air Malta também opera a partir de Lisboa.
A Fugas viajou a convite do Turismo de Malta