sexta-feira, 4 de setembro de 2020



175º dia de recomeço do blog


Hoje aqui em Lisboa esteve muito quente! Desagradável para mim e brisa não a houve.

"Quando o Verão me passa pela cara

A mão leve e quente da sua brisa,

Só tenho que sentir agrado porque é brisa

Ou que sentir desagrado porque é quente"

Alberto Caeiro


174º dia de recomeço do blog

Deve ser da idade, revisito coisas do passado com alguma frequência.

Ontem dei por mim a pensar em várias empregadas domésticas que viveram em casa dos meus Pais.

Uma de quem tenho muita pena de lhe ter perdido o rasto foi a Ana Maria. Era natural do distrito de Sátão.

Eu já era uma adolescente crescida quando foi lá para casa. Casou de lá, como muitas vezes acontecia, com o Manel um Cabo Verdiano muito simpático. Fui ao casamento na Casa de Cabo Verde.
Já depois de casada convidou o meu filho mais velho, com uns 2 anos, para ir passar um fim de semana à casa dela.
Julgo que alguma intriguice esteja na base do afastamento.

Mas o que me levou a pensar nela(s) era as condições de vida que levavam enquanto trabalhadoras.

A casa dos meus Pais tinha, a seguir ao hall, um corredor que ía dar à cozinha, seguida de um quarto e uma casa de banho para as criadas como então se dizia.
Interna, vivia ali connosco mas a vida dela era lá dentro. Vinha a este lado dos patrões para limpar, arrumar e servir à mesa. Uma espécie de campainha suave tocava para a chamar.

Não havia televisão, não sei se tinha rádio. Fazia muita renda, bordados, ia construindo assim o seu enxoval.

Era uma solidão, digo eu aos olhos de hoje. Lia muito pouco embora soubesse, era uma condição de admissão na casa dos meus Pais.

Sei que teve filhas. Não as conheço. Oxalá tenham conseguido ter uma vida melhor que a Mãe e a auxiliem naquilo que ela precisar. 
E, claro, que ela esteja bem.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020



173º dia de recomeço do blog

Antigamente, quando eu era pequena, em casa dos meus pais havia rádio e gira-discos. A televisão só entrou depois do 25 de Abril já eu morava na minha casa.

E de tempos em tempos compravam um disco. O meu pai chegava a casa por volta das 18 horas e ficava no seu maple (o mesmo onde estou sentada) a ler, fazer as suas esculturas ou ouvir música. Esta não era ruído de fundo, era para se ouvir. Ele fazia-o muitas vezes de olhos fechados e com a mão frequentemente os dedos marcavam o ritmo nos braços do sofá. E o disco tocava e voltava a tocar, dias e meses até entrar outro.

Julgo que os meus pais conversariam sobre a música e os compositores porque a primeira palavra difícil que eu disse terá sido Rimsky-Korsakov, certamente por a ter ouvido e dar-me gozo o exercício que a boca tinha de fazer para dizer essa palavra.

O disco em questão era a Xerazade. Esta interpretação é retirada do youtube. O disco dos meus pais, onde estará ele?

  

terça-feira, 1 de setembro de 2020



172º dia de recomeço do blog

Situação complicada ver uma pessoa de quem gostamos perder as suas capacidades, ter momentos de desorganização e de explosão. No entanto ter outras alturas em que quase consegue recuperar algumas coisas e quase ficarmos esperançadas.

Mas a vida do idoso sem a autonomia que o fazia viver é o quê?

Dei por mim a pensar na minha avó materna. Sentada num maple e embrulhada numa pashmina de lã. Hoje a imagem que tenho é da solidão. Já não lia nem escrevia como até aí que enchia agendas de acontecimentos e pensamentos.Não me lembro se tinha televisão. Nunca a ouvi queixar-se. Ficava muito contente quando tinha uma visita, o meu tio que ia tocar piano, a minha Mãe ou eu. Tinha uma senhora sempre com ela, talvez conversassem às vezes. Um dia um AVC pô-la na cama e em estado comatoso. Foi esperar a morte. Tinha mais de 80 anos.

Depois pensei na minha Mãe, a quem uma demência  tirou a companhia da memória. Nunca se esqueceu de quem eu e os meus filhos éramos. Tinha duas empregadas permanentes, ambas pessoas com formação escolar e de vivência acima do habitual que iam falando com ela. Eu todos os fins de semana. Mas a partir de certa altura obtínhamos resposta se provocada, espontaneamente ficava naquele mundo vazio. Uns anos. Tinha pouco mais de 80 anos.

Complicado responder à pergunta que me fiz no início. Tentar estar presente, relacional, dar prazer enquanto se pode. Falar/ouvir, ouvir/falar. Nem sempre é possível ...


segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Parabéns Sérgio Godinho




171º dia de recomeço do blog


Parabéns Sérgio Godinho! 75 anos!
Como tenho pena de não ter comprado atempadamente o bilhete para o espectáculo de hoje.

Etelvina


Ele fala de como algumas crianças que foram negligenciadas, maltratadas ou abandonadas  precocemente tentam sobreviver, apesar das projecções malignas que receberam. Neste caso, através de uma hipermaturidade defensiva na fase da vida a que estes versos se referem. Sem sucesso. 



Usei alguns destes versos numa parte de um capítulo sobre Promoção e Protecção das crianças que escrevi em Outubro 2014. Exemplificavam tão bem o que eu teria de teorizar, a importância de uma infância organizada e feliz verso abandono e maus tratos.

Etelvina com seis meses já se punha de pé
Foi deixada num cinema depois da matiné
Com um recado na lapela que dizia assim
"Quem tomar conta de mim,
Quem tomar conta de mim
Saiba que fui vacinada
Saiba que sou malcriada"

Etelvina com dezasseis anos já conhecia
Todos os reformatórios da terra onde vivia
Entregaram-na a uma velha que ralhava assim
"Ai menina sem juízo
Nem mereces um sorriso
Vais acabar num bueiro
Sem futuro nem dinheiro"
Eu durmo sozinha à noite
Vou dormir à beira rio à noite à noite
Acocorada com o frio à noite à noite
Etelvina era da rua como outros são do campo
Sua cama era um caixote sem paredes nem tampo
Sua janela uma ponte que dizia assim:
"Dentro das minhas cidades
Já não sei quem é ladrão
Se um que anda fora das grades
Se outro que está na prisão"
Etelvina só gostava era de andar pela cidade
A semear desacatos e a colher tempestade
A meter com os ricaços a dizer assim
"Você que passa de carro
Ferre aqui a ver se eu deixo
Venha cá que eu já o agarro
Dou-lhe um pontapé no queixo"
Eu durmo sozinha à noite
Etelvina já cansada de viver sem ninguém
A não ser de vez em quando amores de vai e vem
Pôs um anúncio no jornal que dizia assim
"Mulher desembaraçada
Quer viver com alma irmã
De quem não seja criada
De quem não seja mamã"
Etelvina já sabia que não ia encontrar
Nem um príncipe encantado nem um lobo do mar
Só alguém com quem pudesse dizer assim
"O amor já não é cego
Abre os olhinhos à gente
Faz lutar com mais apego
A quem quer vida diferente"
O seu homem encontrou-o à noite
A dormir à beira rio à noite à noite
Acocorado com o frio à noite à noite


Poema de Sérgio Godinho





domingo, 30 de agosto de 2020



170º dia de recomeço do blog

Hoje é domingo e eu preguicei.

Leitura dos jornais que assino e avanço no livro do Rubem Fonseca, duas séries francesas policiais e eu ainda na cama.

O almoço, legumes estufados com cuscuz biológico, uvas, 2 quadradinhos de chocolate e café.

Telefonemas de parabéns a aniversariantes e pouco mais.

Apesar de aposentada tenho ou não direito de um dia assim?

sábado, 29 de agosto de 2020



169º dia de recomeço do blog

Um amigo faz hoje 77 anos.
Desde há uns anos almoçamos ou jantamos com ele. Eu e mais 1 ou 2 amigas. Hoje almoçámos.

Fui eu que tive a tarefa de marcar lugar no restaurante o que foi difícil. Ou não atendiam a chamadas ou as condições que exigiam não me agradavam.

Acabei por aceitar um que guardavam se estivéssemos entre as 12h e as 12h30, não garantiam mesa na varanda nem junto às janelas frente ao Rio Tejo. Em desespero marquei.
Acabámos por não ir a esse, que hoje de manhã descobri que podia marcar pela internet um no Guincho. 

Simpático, espaçoso, mesa larga e encostada à janela com o mar ao pé, comida boa, foi uma óptima escolha.

Mas, ao contrário do que disse ontem, eu estava pouco faladora. Foi um almoço mais de risota que de conversa séria.

É que na mesa ao lado, mesa grande e redonda com oito pessoas, ainda a comida não tinha chegado e já tinham bebido cinco garrafas de vinho. Os convivas dessa mesa estavam óptimos sem sinal de álcool a mais. Até sairmos, eles ainda a comer, já iam nas nove.

Construímos histórias sobre as pessoas presentes nas outra mesa, casámos, divorciámos, arranjámos progenitores, sogras, etc.


Um pouco adolescentes mas o almoço foi muito divertido.