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terça-feira, 28 de setembro de 2010
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Poema - Vítor Nogueira
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GEOLOGIA
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Às vezes são homens de bem
empurrados para esta vida,
resquícios da erosão da montanha,
paisagens antigas
enterradas no gelo.
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Nada está garantido
numa geologia tão frágil. Este chão
pode virar-se sem aviso.
Ainda assim, sejam bem-vindos,
fiquem tristes à vontade.
domingo, 26 de setembro de 2010
Aconteceu...em 1975, numa assembleia convocada pela comissão de moradores
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Daqui a pouco ficarei presa em casa. As ruas serão temporariamente fechadas. Vai passar a procissão!
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O último domingo de Setembro é o último dia da feira, falei nela no princípio do mês quando começou.
Daqui a pouco ficarei presa em casa. As ruas serão temporariamente fechadas. Vai passar a procissão!
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O último domingo de Setembro é o último dia da feira, falei nela no princípio do mês quando começou.
Relembro que durante um mês, em plena cidade, a feira atrapalha os moradores. É barulho, sujidade, mais trânsito, falta de lugares para parquear, diminuição da segurança, sei lá, um rol de coisas.
Quem não é morador adora-a, vêm carros cheios com famílias inteiras, saem abraçados a alguidares, edredons, barros, flores, loiças. Enquanto lá se passeiam lambuzam-se com algodão doce, farturas e uns coiratos.
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Hoje a feira não é o que era. Pressões várias e a junta de freguesia, assembleia e Câmara têm tido a sensibilidade de a limitar. Muito menos barraquinhas, o interior do jardim (um mimo!) mantém-se livre delas podendo ser usado pelas crianças e os idosos que habitualmente lá jogam cartas, já não há a parte dos carrinhos de choque, dos microfones aos gritos. Já só tem muita gente aos sábados e domingos.
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Claro que não se pode acabar com ela, digo eu agora, é um acontecimento de cultura popular com séculos de existência. Mas porque não há-de durar só uma semana, esta mesma em que se realiza a procissão?
Quem não é morador adora-a, vêm carros cheios com famílias inteiras, saem abraçados a alguidares, edredons, barros, flores, loiças. Enquanto lá se passeiam lambuzam-se com algodão doce, farturas e uns coiratos.
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Hoje a feira não é o que era. Pressões várias e a junta de freguesia, assembleia e Câmara têm tido a sensibilidade de a limitar. Muito menos barraquinhas, o interior do jardim (um mimo!) mantém-se livre delas podendo ser usado pelas crianças e os idosos que habitualmente lá jogam cartas, já não há a parte dos carrinhos de choque, dos microfones aos gritos. Já só tem muita gente aos sábados e domingos.
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Claro que não se pode acabar com ela, digo eu agora, é um acontecimento de cultura popular com séculos de existência. Mas porque não há-de durar só uma semana, esta mesma em que se realiza a procissão?
A feira acabará hoje à noite.
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Memórias de 1975
O pavilhão gimnodesportivo está cheio. É preciso empurrar os da frente para conseguir um lugar, as cadeiras estão já estão todas ocupadas, há gente a pé nas partes laterais. Um sucesso a resposta à convocatória da Comissão de Moradores. Ponto único da ordem de trabalhos, acabar com a feira!
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Atrás da mesa e encostados à parede, soldados do regimento mais próximo com espingardas de cravos na ponta.
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"Vai-se dar início à assembleia, aceitam-se inscrições" diz o presidente da mesa que irá gerir quer o tempo, quer o tema.
Muitos inscritos, uns a favor outros contra, e eis que a Glórinha, nome fictício, pede a palavra. É uma figura conhecida do bairro. Maneta, alcoólica e mais outras coisas que se dizem por aí, começa por dizer-se muito limpa. Limpa? Mas a que propósito virá tal coisa? Mas ela continua comparando a higiène dela com as senhoras da Comissão. O presidente intervém "Minha senhora, relembro-lhe o ponto que estamos a discutir. Por favor não se desvie dele". Mas ela insistia e de repente levanta a saia, onde por baixo não havia cuecas, para mostrar a tal limpeza. Foi uma enorme confusão!
Gritos na sala, mães a tapar os olhos dos filhos, os soldados sem saber que fazer, o Presidente a querer, sem conseguir, manter a calma na sala, uma debandada geral porta fora, aos empurrões. Lá dentro, a comissão, os soldados e umas poucas dúzias de participantes.
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Acalmados tentou-se recomeçar a reunião. Mas a maior parte dos participantes não tornou a entrar. Ficou-se sem quórum suficiente para uma decisão daquela grandeza. Deu-se por terminada a assembleia.
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Atrás da mesa e encostados à parede, soldados do regimento mais próximo com espingardas de cravos na ponta.
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"Vai-se dar início à assembleia, aceitam-se inscrições" diz o presidente da mesa que irá gerir quer o tempo, quer o tema.
Muitos inscritos, uns a favor outros contra, e eis que a Glórinha, nome fictício, pede a palavra. É uma figura conhecida do bairro. Maneta, alcoólica e mais outras coisas que se dizem por aí, começa por dizer-se muito limpa. Limpa? Mas a que propósito virá tal coisa? Mas ela continua comparando a higiène dela com as senhoras da Comissão. O presidente intervém "Minha senhora, relembro-lhe o ponto que estamos a discutir. Por favor não se desvie dele". Mas ela insistia e de repente levanta a saia, onde por baixo não havia cuecas, para mostrar a tal limpeza. Foi uma enorme confusão!
Gritos na sala, mães a tapar os olhos dos filhos, os soldados sem saber que fazer, o Presidente a querer, sem conseguir, manter a calma na sala, uma debandada geral porta fora, aos empurrões. Lá dentro, a comissão, os soldados e umas poucas dúzias de participantes.
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Acalmados tentou-se recomeçar a reunião. Mas a maior parte dos participantes não tornou a entrar. Ficou-se sem quórum suficiente para uma decisão daquela grandeza. Deu-se por terminada a assembleia.
sábado, 25 de setembro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Poema - José Tolentino Mendonça
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A ESTRADA BRANCA
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Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto.
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folhas tremiam
ao invisível peso mais forte
.
Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate
A ESTRADA BRANCA
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Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto.
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folhas tremiam
ao invisível peso mais forte
.
Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Aconteceu...acusações infundadas, desculpas públicas
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Já houve tempos em que as páginas dos anúncios e da necrologia faziam parte da minha leitura de um jornal. Não me perguntem qual a graça, nunca comprei nada através desses anúncios. Quanto à necrologia havia qualquer coisa mágica, supersticiosa, como se tivesse a necessidade de ver que não havia ninguém conhecido, até mesmo próximo. Deixei-me disso.
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Hoje não sei como, dei comigo a ler um anúncio. Emoldurado dentro de um rectângulo preto, era um pedido de desculpas, o que me parece que não é muito habitual. O nome da pessoa, trabalhadora no sítio tal, que pedia desculpa à Sra. D. Fulana a que se seguiam vários apelidos, por a ter acusado do roubo de 50€ no local do emprego. E seguia-se um rol de mais desculpas e lamentos por lhe ter causado tanto incómodo, e etc. e tal.
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Aqui há uns anos, estive no Grande Hotel de umas termas a tratar da minha sinusite e a descansar. Um dia de manhã saio do quarto, dei as minhas voltas, e eis quando sinto alguém muito perto de mim. Eram dois homens, eventualmente familiares entre si e também eles hóspedes do hotel. Desculpamo-nos mutuamente pelo discretíssimo encontrão, quando de repente percebo que o meu porta moedas, grande com espaço para notas e cartões, de uma pele verdadeira e muito bonita, tinha desaparecido. Tal como 1 mais 1 são 2, julguei ter logo percebido quem mo tinha surrípiado da mala.
Dirigi-me à recepção do hotel, onde me conheciam bem pois há anos que para lá ía, e perguntei se conheciam aqueles senhores, se sabiam quem eram, mas sem dizer a razão. Não conheciam, eram novos lá no sítio, estavam há poucos dias. Hesitei, se devia já contar o roubo.
Eu tinha a certeza de que tinha saído do quarto com o porta-moedas e eles tinham sido as únicas pessoas a estar perto de mim. Tinham sido eles quase com toda a certeza!
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Com o coração aos saltos de sobressalto e excitação, que não há nada que mais me irrite do que ser roubada, subi ao quarto para pensar o que fazer. A camareira ainda não tinha passado a fazer a cama e as arrumações. Resolvi puxar as orelhas à roupa da cama para me deitar um pouco e sossegar. E nesse movimento de levantar os lençois, ei-lo que lá o encontro, escondidinho, certamente caído quando o ia a meter na mala.
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E se eu tivesse acusado os tipos, mas que grande embaraço que tinha sido!
Será que teria havido no jornal um pedido de desculpas minhas para limpar a honra daqueles hóspedes manchada com um falso testemunho meu?
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"Nunca tenho dúvidas e raramente me engano"? Não, felizmente!
Já houve tempos em que as páginas dos anúncios e da necrologia faziam parte da minha leitura de um jornal. Não me perguntem qual a graça, nunca comprei nada através desses anúncios. Quanto à necrologia havia qualquer coisa mágica, supersticiosa, como se tivesse a necessidade de ver que não havia ninguém conhecido, até mesmo próximo. Deixei-me disso.
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Hoje não sei como, dei comigo a ler um anúncio. Emoldurado dentro de um rectângulo preto, era um pedido de desculpas, o que me parece que não é muito habitual. O nome da pessoa, trabalhadora no sítio tal, que pedia desculpa à Sra. D. Fulana a que se seguiam vários apelidos, por a ter acusado do roubo de 50€ no local do emprego. E seguia-se um rol de mais desculpas e lamentos por lhe ter causado tanto incómodo, e etc. e tal.
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Aqui há uns anos, estive no Grande Hotel de umas termas a tratar da minha sinusite e a descansar. Um dia de manhã saio do quarto, dei as minhas voltas, e eis quando sinto alguém muito perto de mim. Eram dois homens, eventualmente familiares entre si e também eles hóspedes do hotel. Desculpamo-nos mutuamente pelo discretíssimo encontrão, quando de repente percebo que o meu porta moedas, grande com espaço para notas e cartões, de uma pele verdadeira e muito bonita, tinha desaparecido. Tal como 1 mais 1 são 2, julguei ter logo percebido quem mo tinha surrípiado da mala.
Dirigi-me à recepção do hotel, onde me conheciam bem pois há anos que para lá ía, e perguntei se conheciam aqueles senhores, se sabiam quem eram, mas sem dizer a razão. Não conheciam, eram novos lá no sítio, estavam há poucos dias. Hesitei, se devia já contar o roubo.
Eu tinha a certeza de que tinha saído do quarto com o porta-moedas e eles tinham sido as únicas pessoas a estar perto de mim. Tinham sido eles quase com toda a certeza!
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Com o coração aos saltos de sobressalto e excitação, que não há nada que mais me irrite do que ser roubada, subi ao quarto para pensar o que fazer. A camareira ainda não tinha passado a fazer a cama e as arrumações. Resolvi puxar as orelhas à roupa da cama para me deitar um pouco e sossegar. E nesse movimento de levantar os lençois, ei-lo que lá o encontro, escondidinho, certamente caído quando o ia a meter na mala.
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E se eu tivesse acusado os tipos, mas que grande embaraço que tinha sido!
Será que teria havido no jornal um pedido de desculpas minhas para limpar a honra daqueles hóspedes manchada com um falso testemunho meu?
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"Nunca tenho dúvidas e raramente me engano"? Não, felizmente!
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