sexta-feira, 30 de julho de 2010

Aconteceu...ligações psicológicas perigosas entre mães e filhos

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(...) O soldado Milty telefona do Japão. "Mamã", diz ele, "é o Milton, tenho óptimas notícias! Conheci uma rapariga japonesa maravilhosa e casámo-nos hoje. Assim que for desmobilizado levo-a aí a casa, mamã, para vocês se conhecerem." "Pois claro", diz a mãe, "tens de a trazer cá." "Oh, óptimo, mamã", diz o Milty, "óptimo - só que estou agora a pensar, o teu apartamento é tão pequenino, onde é que eu e a Ming Toy havemos de dormir?" "Ora!", diz a mãe, "na cama, claro! Onde é que havias de dormir com a tua noiva?" "Mas então onde é que tu dormes, se nós dormimos na cama?" Tens a certeza que há lugar para nós, mamã?" "Oh Milton querido, por amor de Deus", diz a mãe, "está tudo bem, não te preocupes, há lugar de sobra: assim que desligares o telefone, vou-me matar."(...)
in O Complexo de Portnoy de Philip Roth
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Cristiano Ronaldo "apareceu" com um filho...sem mãe. O facto de dizer que a mãe do bebé foi uma barriga de aluguer, tem de ser visto como uma exclusão (real e psicológica) da existência da mãe. Não será possível à criança fantasiar sobre ela, uma vez que não existe.
A mãe do futebolista veio dar uma ajudinha à compreensão simbólica da situação quando terá afirmado para uma revista cor de rosa "O meu neto é parecido com o pai e com a avó".

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Poema - Nuno Júdice

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ACORDAR
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Um dia, quando começa, parece igual aos
outros. A mesma luz que entra pela janela,
ruídos de obras e automóveis, vozes... Mas
o que nesse dia me falta é outra coisa: a tua voz, a surpresa de cada instante que me dás,
uma luz diferente que não vem de fora, da
mesma rua e do mesmo céu, mas de dentro
de ti. Assim, o que faz a mudança do mundo
e das coisas não é o mundo nem as coisas:
somos nós, e a relação que nos prende um ao
outro - isso que, não sendo nada para fora
de nós, é tudo o que temos nesta vida.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Aconteceu...Exposições de Júlio Pomar e Graça Morais


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As recuperações das cidades, de edifícios, castelos, a criação de museus e outros equipamentos começam a melhorar a qualidade de vida no interior.
Tinha lido no jornal que ia ser inaugurada uma exposição do Pomar - Uma antologia -no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança. Estando já no centro do país, resolvi dar lá um salto.

O edifício, antigo e bonito, recuperado pelo Arquitecto Souto Moura, com resultado muito bom, tornou o espaço muito agradável. Aliás foi reconhecido e premiado internacionalmente.

A exposição, grande, acompanha os vários períodos ou fases do Pomar, e, apesar de já ter visto várias mostras, é sempre um grande prazer. Desenho, pintura e escultura.
Obras desde os anos 40 a 2007.

Gosto muito destas manchas significativas.



Noutras salas, "Retratos e Auto Retratos" da Graça Morais



Uma volta pela cidade, o castelo com as casas e ruas recuperadas, valeu bem este passeio.

domingo, 25 de julho de 2010

Poema - António Cabral

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AQUI, O HOMEM

Nem Baco nem meio Baco!:
Aqui é o homem,
desde as mãos ossudas e calosas,
desde o suor
ao sonho que transpõe as nebulosas.

Montes de pedra dura,
gólgotas
onde os geios são escadas!
Venham ver como sobe o desespero
e a esperança, de mãos dadas.

É o homem.
Isso é o homem.
– Nem sátiro nem fauno –
Uma vontade erguida em rubro gládio
que ganha a terra, palmo a palmo.

Vinhas que são o inferno,
o único
em que o fogo é a taça da alegria!
Venham ver um senhor
grandioso como o sol ao meio-dia.

Nem Baco nem meio Baco!:
Aqui é o homem
que nada há que não suporte
mas suporta e persiste.
Aqui é o homem até à morte.

sábado, 24 de julho de 2010

Aconteceu...cenas do prédio da minha infância

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A D. Maria era a lavadeira de Sintra, que de carroça e burro passava todas as semanas para buscar a roupa que entregava por passar na semana a seguir. Estamos nos anos 60, altura em que não tínhamos ainda máquina de lavar roupa. Ora a D. Maria era muito simples, tratava toda a gente da mesma forma. Fosse a senhora marquesa do 5º direito que para ela foi sempre a D. Amela, assim sem i, fosse a porteira a quem ela tratava de igual forma, a D. Emila, sem i também.

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Pois esta D. Emília, cá vai o nome certo, precisou algumas vezes de tirar dentes. O dentista seria raro e caro, mas ela não se atrapalhava. Atava ao dente um fio que prendia na porta de dentro do elevador, daqueles ainda com porta de lagarta em ferro. O senhor António, com quem era casada, subia ao 1º andar e puxava o elevador e lá conseguia, depois de algumas tentativas repetidas arrancar o dito.
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O marido, em expediente médico-cirúrgico não se ficava atrás. Tinha umas boas varizes nas pernas, e um dia pensou que se aquelas coisas ali estavam saídas, o melhor era cortar o mal pela raiz, como já tinha feito com uns calos e uns cravos. E assim o fez, na cozinha. Escolheu a melhor faca, afiou-a com todo o cuidado, sentou-se numa cadeira, esticou a perna e com toda a sua força tentou cortar aquela excrescência. Só que mal deu uma facada, o sangue jorrou com pressão saindo em jacto e sujando o tecto. Quanto a ele, caiu para o lado e foi levado de urgência em shock.
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Gente simples!