sábado, 27 de março de 2010

Poema - Armando Silva Carvalho

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MEIO-DIA, severo e uno, sol duro.
As mães cruzam com os filhos
À hora de repartir
A justiça.
Os corpos sabem da separação
E não conseguem falar.
As mãos fazem e desfazem
Os jogos.
O cérebro reflecte o sol,
O rigor da ciência,
A lúcida tristeza, a exacta natureza
Da lei.
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Caminhamos ao lado do mundo
E não aceitamos
Este sol
Impiedoso da verdade.
E vamos a meio do rio, destacados
E nítidos.
A erva já não canta, e de manhã cantava
A inocência.
A luz cega agora os passos
Que parecem dançar à beira dum passado
Pessoano,
Fluentes, independentes,
Pós-modernos.
Aqui à beira do sol fixo
Como uma planta asfixiada pela luz
Que lhe dá vida.
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Armando Silva Carvalho

sexta-feira, 26 de março de 2010

Aconteceu...que apareceu

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Como não esperava que o jovem Leandro que se atirou ao Rio Tua aparecesse com vida, foi com alívio que soube que o corpo tinha sido encontrado.
São imensas as histórias que conhecemos de pessoas de quem apesar de certamente mortas, o corpo nunca apareceu. Conheço até algumas famílias que durante anos receberam telefonemas silenciosos em dias especiais, como o aniversário ou o Natal, o que as fez ter sempre a ilusão de que o desaparecido não morreu e manter viva a esperança de um dia o poderem abraçar.
O aparecimento do corpo e as cerimónias de culto habituais, sejam elas quais forem, são importantes para se poder iniciar o trabalho de luto.
Que será sempre incompleto, quando se trata de um filho.
Como dizia uma mãe a quem morreu um filho, numa definição muito correcta, é uma doença crónica com a qual se terá de viver para sempre.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Poema - Alberto Pimenta

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CIVILIDADE
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não tussa madame
reprima a tosse

não espirre madame
reprima o espirro

não soluce madame
reprima o soluço

não cante madame
reprima o canto

não arrote madame
reprima o arroto

não cague madame
reprima a merda

e quando estourar
que seja devagarinho
e sem incomodar, ok madame?

ok, monsieur.

terça-feira, 23 de março de 2010

Aconteceu... que eu tive um Titi

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..."Uma vez, enquanto o velho Selim observava o céu em busca de inspiração, reparei, para minha grande surpresa, que perdera os dentes, com excepção de um único, espetado, como um turbante, na gengiva inferior. Explicou-me com muita propriedade, que aquele dente garantia o equilíbrio das suas composições caligráficas, pois era nele que apoiava a língua enquanto trabalhava."...
in " A Noite dos Calígrafos" de Yasmine Ghata
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O Titi tinha sempre a língua ao canto da boca quando tocava piano, o que fazia muitas das vezes que eu o via. Entrava em casa da Mãe, minha Avó, e pouco tempo depois já estava ao piano, conosco à sua roda, atentos e espectantes, muitas vezes com movimentos ritmados das cabeça ou das mãos acompanhando as melodias que dos seus dedos compridos iam saíndo enquanto afagava as teclas.
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Muitas vezes chegava e tirava do bolso um caderninho de capa laranja onde tinha escrito umas notas. Acontecia que quando ia no carro e ouvia uma música que gostava, encostava ao passeio e com o seu ouvido puro tirava umas notas que, em casa, lhe iriam permitir reconstruir a melodia.
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Outras vezes, no fim dos almoços de família, fazia escalas com os copos, acrescentando ou retirando líquido de modo a obter o tom desejado. Eu tentava sempre ajudá-lo, diziam que eu tinha bom ouvido, mas nada como o dele, inegualável. Depois com uma faca fazia música escolhendo qual o copo onde bater. Às vezes lá se partia um copo mas a Avó não se zangava, a festa era mais que compensadora.
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O Titi em criança dizia que queria ser Faz-tudo. Tinha uma enorme admiração pelo circo e pelos palhaços. Retirei benefício deste seu gosto e herdei-o, porque enquanto solteiro, levava-me sempre com ele. No intervalo do espectáculo parece-me que me lembro que me levava a cumprimentar o Luciano, um dos faz-tudo do Coliseu, na altura.
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Ao ler do velho Selim, lembrei-me das inúmeras vezes que lhe tentei tocar na língua com o meu dedo, enquanto ele tocava piano. Tentava afastar a cabeça, recolhia por breves instantes a língua e o resultado era que se enganava sempre. Mas nunca se irritava comigo.
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Todas as crianças deviam ter um Titi, assim como um Lugar ou uma aldeia. Faz parte das necessidades do crescimento que deixa recordações saborosas e doces.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Aconteceu... Maquinim, objecto de poesia espacial

.........................Mobile em aço inoxidável - Salette Tavares

domingo, 21 de março de 2010

Aconteceu...hoje, Dia Mundial da Poesia

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Sabia que hoje, Dia Mundial da Poesia, o CCB tinha um dia de actividades ligadas à poesia; sabia que este ano a Poetisa Salette Tavares iria ter um espaço de exposição e leitura de poemas seus.
O que não fazia a mínima ideia, quando esta manhã postei o poema "O Bule", é que de tarde o iria ouvir dito pela Ana Hatherly. Foi sublime!