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domingo, 4 de abril de 2010

Aconteceu em viagem - 8 - Marrocos

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Ler tem sido o truque que arranjei para ajudar a passar o tempo enquanto pedalo na bicicleta do ginásio.
Agora estou com "As Vozes De Marraquexe", de Elias Canetti. É um livro de viagem que este Prémio Nobel da Literatura escreveu na sequência de uma ida àquela cidade marroquina em 1952.
Terá sido há cerca de 8 anos que lá estive, numa viagem razoavelmente longa e minuciosa organizada pelo meu primo Paulo, que conhece Marrocos quase como a palma da sua mão.
Aprendi logo à chegada que, sempre que me visse numa situação que eu considerasse perigosa, inquietante e me sentisse insegura, deveria pôr-me numa posição que um árabe, pelo seu código de honra, se sentisse na obrigação de me proteger. Nunca fugir. Fazer por exemplo uma pergunta de alguma coisa que eu não soubesse e lhe permitisse ajudar-me e por isso tornar-se meu protector.
Um dia, estando no deserto, resolvi subir a uma duna e deixei de ver os restantes membros do grupo. Melhor dizendo, não via ninguém, só as dunas com as suas areias douradas, de vários dourados pois a incidência do sol faz variar a cor. E um enorme silêncio. Só, estava mesmo só e isso era uma sensação muito boa.
Sem que eu tivesse tempo de dizer uma palavra, vejo um jovem adulto berbere, turbante azul à volta da cabeça, olhos verdes. Fiquei assustada, eu que me julgava sozinha e de repente...
Estava de maçã vermelha na mão e já lhe tinha dado uma dentada.
A minha primeira reacção foi oferecer-lha, e perguntei-lhe, "tu veux ma pomme?" Ele com uma voz muito doce respondeu-me "je voudrais bien, mais et toi?"
Fiquei emocionada! Eu que estava em hotéis de 5 estrelas, onde havia as maçãs todas que eu quisesse. Ele, ali no deserto, num acampamento, nómada...preocupado comigo, com o facto de eu ficar sem a maçã!
Aceitou-a e guardou-a no bolso. Desci a duna e nunca mais o vi. Assim como apareceu, sumiu.
A leitura do livro transportou-me de novo para Marrocos. Volta não volta lembro-me desta situação.
Foi um episódio tão bonito!