sábado, 6 de fevereiro de 2010

aconteceu ... a propósito de uma notícia -3

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"Um moto taxista de Pequim deixa o filho preso com correntes a uma árvore na capital chinesa para poder ir trabalhar. Dizem que a mulher é débil mental, que já uma filha de 4 anos lhe foi roubada sem nunca mais aparecer e que não pode usufruir das creches do estado por ser migrante interno." (Diário de Notícias de ontem.)
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Não se pense que casos destes só acontecem na China.
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Conheci há muitos anos uma criança que vivia fechada num galinheiro.
Há meia dúzia deles conheci um jovem que ficava no carro à porta da loja onde a mãe trabalhava como empregada de balcão..

Ambos eram portadores de deficiência mental com graves alterações do comportamento e nenhuma instituição os tinha aceite, apesar do esforço dos serviços competêntes.
Uma reportagem na televisão serviu para comprometer e envergonhar um responsável de uma grande instituição e que com rapidez conseguiu vaga onde antes não a havia..

Esperemos que alguma coisa mude para esta criança chinesa, e que possa ficar protegido durante o trabalho do pai, integrado numa escola com educadores e crianças com quem possa brincar ou da forma que um estudo da situação determine.
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Eventualmente por mecanismos de defesa meus contra os sentimentos incómodos que esta notícia nos provoca, lembrei-me do Perspicaz, história bem mais divertida.
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Quando eu era adolescente, ao ir e vir do Liceu, reparava num jovem mais velho que eu, que estava frequentemente à porta da pastelaria lá do bairro.

Chamava a atenção o ser giro, alto, e bem vestido, sempre de camisa e blaser e um lenço de seda que lhe tapava muito bem o pescoço.
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Anos mais tarde vim a conhecê-lo e soube da sua história.

Estudar não era das coisas que mais gostava.

Gostava de conviver, tocar e cantar, e não queria fazer nenhum curso como a família desejaria.

Fazia também umas pequenas patifarias como retirar um objecto de casa para vender quando precisava de dinheiro extra e deixava um papel dizendo "o Perspicaz atacou", que mais tarde passou a "o Perspicaz voltou a atacar".

Descoberto o Perspicaz, tinha de ter um castigo. Quando não tinha aulas tinha de ficar fechado em casa.

E para ter a certeza que o mesmo era cumprido, o pai atava-lhe uma trela ao pescoço e a um pé da mesa da sala.

Ficando a sós, o Perspicaz resolvia bem o assunto, levantava o pé da mesa, e enrolava a coleira à volta do pescoço que ficava cuidadosamente tapada pelo tal lenço, e lá ia ele para a rua..

Passado o período por vezes complicado que é a adolecência, tudo correu bem e pela vida fora recomendou-se.
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Teve sorte, que se hoje se alguém soubesse, o caso teria sido participado a uma comissão de protecção de crianças e jóvens em risco, teriam recorrido a serviços de saúde mental infantil e juvenil, e esperemos que não tivesse sido retirado à família por maus tratos.

3 comentários:

  1. Conheço dois casos, de duas pessoas qualquer delas um pouco mais velhas que eu, nascidas fora de Lisboa (uma no Norte interior, outra no Centro interior) cujos respectivos pais as castigavam sentando-as em cadeiras e atando-as com uma linha de coser, bem fininha, onde permaneciam durante horas. Estavam proibidas de partir a linha, o que se traduzia na obrigação de ser mantida uma imobilidade total. Trata-se, em ambos os casos, de pessoas do sexo feminino e com frequência de cursos superiores. Falando com uma delas, há pouco tempo, exprimi a minha consternação por ela ter sofrido tais castigos. Para meu espanto, ela respondeu-me considerar esse um castigo "normal", não muito violento. Sem espanto, vim a saber que o marido exerceu sobre ela violência conjugal...
    Nenhuma me parece particularmente Perspicaz . . .

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  2. * seria linha de alinhavar, bem mais frágil (e mais barata) que a linha de coser, o que torna a situação mais perversa? Hei-de perguntar, at least a uma das protagonistas.

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