domingo, 17 de outubro de 2010

Aconteceu...falar para partilhar e pensar ou para despejar, não é a mesma coisa

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E blá blá bli, blá blá blá, a Francisca não se calava. As frases saiam, juntas umas às outras. O discurso era imparável e factual! Coisas actuais, antigas, tudo servia para ela falar. Impossível interromper, fazer um comentário, uma pergunta, um esclarecimento, aprofundar o assunto. Espera, deixa-me contar, dizia, e continuava. Ela queria era falar. Queria ou precisava?
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Um cansaço começava a invadir-me. As palavras dela começaram a misturar-se, parecia que andavam em espiral, do cocuruto da minha cabeça, desciam até quase aos pés, ia ficando pesada, perdendo o sentido às frases e um grande sono a invadir-me.
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Estamos sós naquele canto mas na sala há mais gente. Que vai observando a cena e percebendo que vou entrar num sono comatoso.
E o Pedro aproxima-se pé ante pé e senta-se ao meu lado, como que autorizando-me a adormecer.
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Não sei quanto tempo dormi.
Soube mais tarde que ela não deu pela troca de interlocutor, e continuou a falar, exactamente no mesmo ritmo e continuando no mesmo ponto onde estava quando "falava" comigo.
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Acordei. O Pedro afasta-se e a Francisca continua a falar. Depois diz-me, que bem que me soube, precisava mesmo que alguém me ouvisse.
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Falar para que alguém ouvisse, disse ela, mas deveria ter dito falar para despejar em ti algo incómodo sentia dentro dela. Por isso ficou mais aliviada. E eu cansada, o sono foi a minha salvação! Terei sonhado?

sábado, 16 de outubro de 2010

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Poema - Alexandre O ´Neill

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A VIDA DE FAMÍLIA

a vida de família tornou-se bem difícil
com as contas a pagar os filhos a fazer
ou a evitar a ranhoca a limpar
a vida de família não tem razão de ser
não tem ração de querer

a vida de família jangada da medusa
é o tablado da antropofagia

mas ficam os retratos cristo virgem maria
e os sobreviventes, que vão chupando os dentes

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Aconteceu...vários olhares sobre uma mesma situação

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As cenas transmitidas ontem pela televisão, da libertação dos mineiros chilenos, apareceram numa conversa que hoje tive com jovens.
Foi curioso, todos tinhamos visto. De facto, foi uma situação tão emocionante, que era quase impossível ignorar.
Cada qual sublinhou depois o que mais o impressionou.
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O Tiago, bastante racional e que assim se defende das emoções, referiu que foi fabulosa a actuação da empresa de salvamento, empresa estatal chilena, montada durante o regime de Salvador Allende. Criticou a falta de condições dos mineiros e dos patrões que querem tudo pelo mais barato, mesmo que com menos condições de segurança para os trabalhadores.
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A Inês achou que o mineiro que tinha 19 anos de idade, menos do que a autorizada para trabalhar no interior das minas, devia ser castigado porque tinha mentido. Se lá ficasse teria sido bem feito.
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A Sofia, mostrou-se horrorizada, que ela não teria sido capaz de lá estar, e dizia com uns gestos teatrais e trejeitos na cara que devia estar tudo cheio de minhocas, e de baratas. E começou a falar dos seus medos das aranhas, e como grita logo por alguém quando vê alguma, como ia aguentar lá em baixo?
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O Júlio, falou no medo da morte. Ali sozinho, sem família... o isolamento, com o medo que tem do escuro, não teria aguentado. E ficou em silêncio, talvez assustado só da ideia, mas também à espera do que os outros diriam disto.
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Só faltava o Abílio falar. Conheço-o bem. Frágil e inseguro fartou-se de fazer troça da Sofia e do Júlio. Mariquinhas, menina, ele que começou a querer fazer “parcourt” para vencer o medo e mostrar-se forte aos olhos dos outros! Só que ao fim de poucas tentativas caiu e partiu um pé...
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Há situações em que é normal ter-se medo, porque o medo pode ser uma arma de defesa pessoal.
Foi uma experiência muito complicada pela qual aqueles homens passaram. Claro que são homens habituados a correr perigos, o trabalho deles é um perigo constante pouco ou nada reconhecido pelos empregadores (li que um mineiro no Chile ganha cerca de 300€ por mês, sendo a vida tão cara como em Portugal).
É provável que alguns vivam situações de stress post traumático, com rememoração da situação frequente e de forma incómoda, dificuldade em dormir com sonhos de repetição e outros sintomas.
Mas terá sido muito importante para manter a calma durante o tempo em que estiveram lá em baixo a segurança e confiança que o chefe do grupo soube transmitir.
Tal como um comandante de um navio que está a fundar-se, foi o último a sair.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Aconteceu...que o jardim começa a amarelecer

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.....................................foto - magda

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Poema - António Ramos Rosa

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DO LADO DA MELANCOLIA COM AS ÁRVORES DAS ESTRELA
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Em lucidez plana de espaço silencioso
e de tensão repousante estão as árvores do sangue
com as suas aves brancas e seus diademas brancos
Os tendões da atenção sustentam a coluna branca
sob a chuva deslumbrante que as pombas atravessam
com frescor estalidos que vão quebrar a cal

Estão as árvores do sangue em tensão repousante
e dir-se-ia que vêem a lua vacilante sob a chuva
e que respiram o odor da chuva o odor lento
e fresco da terra de humidade vermelha
e um navio sob uma nuvem passa na lentidão da chuva
enquanto um pássaro no parapeito de um terraço
desfere duas notas de fina felicidade

O silêncio das árvores vem de um ouvido azul
e perfuma o espaço de deslumbrante solidão
Há uma plácida harmonia entre as árvores dos campos
e as ténues árvores das ramificadas artérias
Ouve-se o que se esconde o seu pudor vegetal
e os nomes levantam-se como vagas ondas
e pousam lentamente como melancólicas aves
de um Outubro em que brilha um sol cor de laranja

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Aconteceu...o Ministério da Educação não EDUCA as crianças e os jovens no comer bem

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Cheguei só agora a casa, tarde, e acabei de comer um prato de sopa, que estava muito boa. Não fui eu que a fiz, mas sei que tinha vários legumes passados, entre eles abóbora (estava amarela), e sei que não tinha batata, porque cá em casa não é uso pôr. A nadar estavam espinafres, ou seriam nabiças? Que bem me soube!
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É um fenómeno curioso o facto das crianças a partir de certa idade, deixarem frequentemente de gostar de sopa e de fazerem uma fita para a comer.
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Também é curioso que uma boa sopa de legumes, sendo dos alimentos mais ricos, não seja uso em muitas casas.
Sei que os legumes são caros, mas por 8-10 € faz-se uma boa panela que dá para várias pessoas ou para vários dias se a freguesia for pequena. E se levar um punhado de feijão, grão, lentilhas e outros legumes que tais, até tem calorias que podem compensar a falta de carne e peixe.
Portanto, é um alimento muito completo, relativamente barato e que não dá assim tanto trabalho a fazer.
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Coitado do meu Pai, com as suas regras, que dizia "Quem não tem fome de sopa, não tem fome de mais nada", e depois corrigia para apetite, porque dizia ele que fome é de oito dias. E era pegar ou largar.
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Fiquei arrepiada com uma notícia de li um destes dias. O Ministério da Educação terá assinado contrato para máquinas dispensadoras de alimentos, a pôr nas escolas.
Parece-me que andamos para trás. Sei o que se pode comprar nessas máquinas, tínhamos uma no serviço, que para além de tudo, gerava cenas entre os pais e os filhos pedinchas. Ali se encontravam pães com aditivos, chocolates, leites com chocolate, bolachas cheias de calorias e garrafas de água, quando a água da torneira é, pelo menos em Lisboa, de muito boa qualidade.
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Quem quer inventar máquinas dispensadoras de sopa fresca e de saladas, leite simples e iogurtes, tudo produtos do dia?
Quem sabe se não fazia negócio.
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Ou, e porque não seguir o exemplo da Inglaterra, onde o Jamie Oliver anda a ensinar nas escolas como comer bem?