quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Aconteceu...vários olhares sobre uma mesma situação

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As cenas transmitidas ontem pela televisão, da libertação dos mineiros chilenos, apareceram numa conversa que hoje tive com jovens.
Foi curioso, todos tinhamos visto. De facto, foi uma situação tão emocionante, que era quase impossível ignorar.
Cada qual sublinhou depois o que mais o impressionou.
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O Tiago, bastante racional e que assim se defende das emoções, referiu que foi fabulosa a actuação da empresa de salvamento, empresa estatal chilena, montada durante o regime de Salvador Allende. Criticou a falta de condições dos mineiros e dos patrões que querem tudo pelo mais barato, mesmo que com menos condições de segurança para os trabalhadores.
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A Inês achou que o mineiro que tinha 19 anos de idade, menos do que a autorizada para trabalhar no interior das minas, devia ser castigado porque tinha mentido. Se lá ficasse teria sido bem feito.
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A Sofia, mostrou-se horrorizada, que ela não teria sido capaz de lá estar, e dizia com uns gestos teatrais e trejeitos na cara que devia estar tudo cheio de minhocas, e de baratas. E começou a falar dos seus medos das aranhas, e como grita logo por alguém quando vê alguma, como ia aguentar lá em baixo?
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O Júlio, falou no medo da morte. Ali sozinho, sem família... o isolamento, com o medo que tem do escuro, não teria aguentado. E ficou em silêncio, talvez assustado só da ideia, mas também à espera do que os outros diriam disto.
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Só faltava o Abílio falar. Conheço-o bem. Frágil e inseguro fartou-se de fazer troça da Sofia e do Júlio. Mariquinhas, menina, ele que começou a querer fazer “parcourt” para vencer o medo e mostrar-se forte aos olhos dos outros! Só que ao fim de poucas tentativas caiu e partiu um pé...
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Há situações em que é normal ter-se medo, porque o medo pode ser uma arma de defesa pessoal.
Foi uma experiência muito complicada pela qual aqueles homens passaram. Claro que são homens habituados a correr perigos, o trabalho deles é um perigo constante pouco ou nada reconhecido pelos empregadores (li que um mineiro no Chile ganha cerca de 300€ por mês, sendo a vida tão cara como em Portugal).
É provável que alguns vivam situações de stress post traumático, com rememoração da situação frequente e de forma incómoda, dificuldade em dormir com sonhos de repetição e outros sintomas.
Mas terá sido muito importante para manter a calma durante o tempo em que estiveram lá em baixo a segurança e confiança que o chefe do grupo soube transmitir.
Tal como um comandante de um navio que está a fundar-se, foi o último a sair.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Aconteceu...que o jardim começa a amarelecer

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.....................................foto - magda

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Poema - António Ramos Rosa

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DO LADO DA MELANCOLIA COM AS ÁRVORES DAS ESTRELA
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Em lucidez plana de espaço silencioso
e de tensão repousante estão as árvores do sangue
com as suas aves brancas e seus diademas brancos
Os tendões da atenção sustentam a coluna branca
sob a chuva deslumbrante que as pombas atravessam
com frescor estalidos que vão quebrar a cal

Estão as árvores do sangue em tensão repousante
e dir-se-ia que vêem a lua vacilante sob a chuva
e que respiram o odor da chuva o odor lento
e fresco da terra de humidade vermelha
e um navio sob uma nuvem passa na lentidão da chuva
enquanto um pássaro no parapeito de um terraço
desfere duas notas de fina felicidade

O silêncio das árvores vem de um ouvido azul
e perfuma o espaço de deslumbrante solidão
Há uma plácida harmonia entre as árvores dos campos
e as ténues árvores das ramificadas artérias
Ouve-se o que se esconde o seu pudor vegetal
e os nomes levantam-se como vagas ondas
e pousam lentamente como melancólicas aves
de um Outubro em que brilha um sol cor de laranja

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Aconteceu...o Ministério da Educação não EDUCA as crianças e os jovens no comer bem

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Cheguei só agora a casa, tarde, e acabei de comer um prato de sopa, que estava muito boa. Não fui eu que a fiz, mas sei que tinha vários legumes passados, entre eles abóbora (estava amarela), e sei que não tinha batata, porque cá em casa não é uso pôr. A nadar estavam espinafres, ou seriam nabiças? Que bem me soube!
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É um fenómeno curioso o facto das crianças a partir de certa idade, deixarem frequentemente de gostar de sopa e de fazerem uma fita para a comer.
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Também é curioso que uma boa sopa de legumes, sendo dos alimentos mais ricos, não seja uso em muitas casas.
Sei que os legumes são caros, mas por 8-10 € faz-se uma boa panela que dá para várias pessoas ou para vários dias se a freguesia for pequena. E se levar um punhado de feijão, grão, lentilhas e outros legumes que tais, até tem calorias que podem compensar a falta de carne e peixe.
Portanto, é um alimento muito completo, relativamente barato e que não dá assim tanto trabalho a fazer.
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Coitado do meu Pai, com as suas regras, que dizia "Quem não tem fome de sopa, não tem fome de mais nada", e depois corrigia para apetite, porque dizia ele que fome é de oito dias. E era pegar ou largar.
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Fiquei arrepiada com uma notícia de li um destes dias. O Ministério da Educação terá assinado contrato para máquinas dispensadoras de alimentos, a pôr nas escolas.
Parece-me que andamos para trás. Sei o que se pode comprar nessas máquinas, tínhamos uma no serviço, que para além de tudo, gerava cenas entre os pais e os filhos pedinchas. Ali se encontravam pães com aditivos, chocolates, leites com chocolate, bolachas cheias de calorias e garrafas de água, quando a água da torneira é, pelo menos em Lisboa, de muito boa qualidade.
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Quem quer inventar máquinas dispensadoras de sopa fresca e de saladas, leite simples e iogurtes, tudo produtos do dia?
Quem sabe se não fazia negócio.
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Ou, e porque não seguir o exemplo da Inglaterra, onde o Jamie Oliver anda a ensinar nas escolas como comer bem?

domingo, 10 de outubro de 2010

sábado, 9 de outubro de 2010

Poema - Filipa Leal

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ODE LOUCA
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Todos os homens têm o seu rio.
Lamentam-no sentados no interior das casas
de interior e como o poeta que escreve a lápis
apagam a memória como a sua água.
Os rios abandonam os homens que envelhecem
longe da infância, e eles choram
o reflexo absurdo na distância.
Por vezes enlouquecem os rios, os homens,
os poetas nas palavras repetidas
que buscam uma ode que lhes diga
a textura. Todos procuram o mesmo:
um lugar de água mais limpa
ou um espelho que não lhes negue
a hipótese do reflexo.
O rio sofre mais do que o homem,
o poeta,
porque dele se espera que nos devolva
a imagem de tudo, menos de si próprio.
Todos os rios têm o seu narciso, mas poucos, muito poucos,
o simples reflexo das suas águas.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Aconteceu...que as formigas não eram almas do outro mundo

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Sentada à minha secretária, vejo um risco preto, oblíquo, móvel, que vai do chão até à janela. É um enorme carreiro de formigas.
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Aconteceu-me há uns anos uma situação caricata que vou relatar. Estava numa consulta a conversar com os pais de um rapaz que tinha umas alterações do pensamento e da percepção, via umas coisas que só ele via, e que o estavam a deixar perturbado e à família também. Acontece que pai e mãe tinham compreensão distinta da situação. Para a mãe, o filho estava doente, para o pai, homem rural, estava possuído e nem percebia que valesse a pena a consulta.
Por hábito, aceito sempre, inicialmente, as opiniões dos pais, e interesso-me por elas. Por isso estávamos a ter uma conversa sobre esses assuntos exotéricos, de almas, bruxedos, relacionadas com a cultura e a vida do pai.
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Lembro-me bem que foi o primeiro dia de frio desse ano, pelo que, a certa altura me levantei e arrastei o aquecedor para mais perto de nós.
Quase em simultâneo se vê um objecto estranho que estava debaixo do aparelho, branco e coberto de coisas minúsculas pretas que se puseram em movimento e encheram e coloriram de preto parte da parede. Não era um carreiro, era uma enorme mancha difusa, milhares de formigas, uma coisa como eu nunca tinha visto.
Abri a porta e um chamei com urgência, quiçá um pouco alvoroçada, uma auxiliar, que veio e trouxe um spray dizimador. Pais e eu aguardamos o fim da operação em pé para continuar a consulta.
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E não sei se por hábito com as aflições do marido "crente", se por alguma inquietação minha, a mãe tocou no meu braço, agarrou-me e disse-me "Calma doutora, são só formigas!".
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E eu fiquei. Mas parece que preciso outra vez do spray.