...Partir um pé, e ficar com quase todo o tempo livre.
Sentir, pensar e querer guardar.
A escrita como forma de organizar o pensamento, baú de memórias, companhia e partilha.
Em Minde tenho tido muitas surpresas. Esta foi um espectáculo inserido no Festival de Materiais Diversos,criado pelo Tiago Guedes e onde vi coisas interessantíssimas e novas.
Este, que vi em Setembro de 2017, fez-me conhecer o Teatro do Vestido e o trabalho da Joana Carvalheira, que tento desde então seguir.
Inovador, o palco dentro de um camion TIR, o texto e a partilha da refeição.
Segui bastantes filhos de camionistas TIR e nunca tinha imaginado estas fragilidades nestes homens. Foi também muito importante por isso.
Descobri um youtube deste espectáculo em Loulé, que aqui deixo.
Estou a arrumar papéis. Entendo agora sem dúvida que não se pode guardar tudo. Deixar trabalho para os outros não é justo. Porque não quero ficar sem as referências para memória futura, a minha, vou aqui escrevendo algumas coisas.
Não nos vemos há uns anos. Se calhar nem sabe que estou aposentada, livre de horários rígidos.
7h31 da manhã e no tm uma mensagem entrou.
Acordo estremunhada e pego no aparelho. Será que aconteceu alguma coisa aos meus filhos, netos? Aquela hora para mim é quase madrugada. Leio a mensagem.
"Olá, Ora viva, estás boa, há tempos que não nos vemos! Olha, estou a telefonar-te, tão cedo-coitadinha...será que és capaz de me enviar o tm da fulana, que julgava que tinha mas não tenho? Desculpa a maçada e a madrugada. Beijinhos".
Semi acordada envio mensagem com o que me foi pedido.
Viro-me para o outro lado e tento dormir.
Um quarto de hora mais tarde fico de novo desperta, leia-se meia adormecida, quando recebo outra mensagem.
"Ó rapariga!! Acordas tão cedo! Isto é mesmo geracional! Muito obrigada e mais um beijinho"
Pouso o tm na mesa de cabeceira e fico desperta, acordada e a pensar como a distância afectiva nos afasta tanto, neste caso projectando em mim os seus hábitos e considerando que há uma razão racional para que ela e eu tenhamos os mesmos.
quinta-feira, 8 de novembro de 2018
Foi já a 30 de Setembro deste ano que participei num pequeno workshop que se realizou no jardim do Museu da Aguarela Roque Gameiro em Minde.
Cheguei um pouco atrasada e já estava montado o material no chão, rodeado por algumas crianças. Em cadeiras e rodeando as crianças pessoas como eu. Avós, suponho.
Aliás o workshop chamava-se "Oficina das Árvores e dos Avós, e teve várias actividades criativas. Desenhámos, ouvimos histórias, vimos livros.
Apresentaram-nos um livro muito bonito, "A Vida Nocturna De Las Árboles", que descobri na internet o anúncio. Pode ser uma bonita sugestão para oferta.
https://youtu.be/7udEOuwxV5U
Fascinada fiquei com a descoberta de Bartholomaüs Traubeck, músico alemão, que construiu um aparelho com sensores que escutam e traduzem para o piano os sons que o tronco de árvore faz. É uma espécie de giradisco, em que o disco é uma rodela de um tronco e a agulha é substituída pelos sensores. Os anéis das árvores ajudam a calcular a idade delas e têm características diferentes e sons diferentes.Os sons também são diferentes.
Ontem fui ver o filme "Alma Clandestina", realizada pelo José Barahona. Trata-se de uma história verdadeira, da Maria Auxiliadora, a Dorinha, brasileira, que participou na luta contra a ditadura militar no Brasil em 1964. Presa e barbaramente torturada, acaba por ser banida do Brasil, acabando em Berlim sem quaisquer documentos e sem possibilidade de os fazer. Com todo o sofrimento acumulado e sem perspectivas de futuro, acaba por se suicidar aos 31 anos. Extractos de imagens do tempo das ditaduras militares da América Latina, brasileira e chilena, e extractos de entrevistas de pessoas que a acompanharam nesse percurso, é um filme muito emocionante. A actriz extraordinária, que eu não conhecia, Sara Antunes.
Impossível não se impressionar e não ter medo que, ao contrário do que se diz, a História se repita.
Em 1980 fui sozinha ao Brasil. Sozinha no avião, que no Rio de Janeiro tinha o meu tio António,irmão do meu pai, à minha espera e que me acompanhou na minha estadia.
O Brasil vivia então numa ditadura militar que se iniciou em 1964 e acabou em 1985.
Numa ida com ele a um barzinho, noite dentro, pedi se cantavam uma canção que eu gostava muito, escrita em 1968 e posteriormente proibida.
Vários homens levantaram-se e ficaram de guarda do lado de fora da porta. Foram tomar conta da rua, ver quem vinha e se necessário avisar para pararem de cantar.
Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores, de Geraldo Vandré, tem uma toada de hino e letra de resistência.
Foi muito emocionante, como todas as canções de resistência são, ainda mais naquela circunstância. Uma música que mais tarde foi cantada por muitos outros artistas, como pela Simone.
...
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
E acreditam nas flores vencendo o canhão
Quase todos perdidos de armas na mão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Há soldados armados, amados ou não
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
De morrer pela pátria e viver sem razão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
A certeza na frente, a história na mão
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.