terça-feira, 4 de outubro de 2011

Poema - Manoel de Barros

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Idiotas de estradas gostam de urinar em morrinhos de
formigas.
Apreciam de ver as formigas correndo de
um canto para o outro, maluquinhas, sem calças, como
crianças.
Dizem eles que estão infantilizando as
formigas.
Pode ser.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

domingo, 2 de outubro de 2011

Aconteceu...lembrando Sidónio Muralha

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Pareceu-me ouvir um barulho, não não foi a campainha mas veio da porta. Tenho a certeza, segunda vez, lá está, parece um arranhar.
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Levanto-me, confesso com má vontade, estava tão bem no terraço a apanhar um banho de sol, dirigo-me à porta e abro-a. 
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À minha frente ninguém. Mas olhando para baixo, rente ao chão, lá está ele, preto, com o fato de gala com que anda normalmente, excluindo a camisa branca que nunca põe, mas com as abas da casaca impecavelmente no sítio. Dou um passo para trás e ponho-me em guarda, o que quer da minha casa, pergunto. Não me responde, mas avança. Fecho a porta com estrondo, assustada.
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Que fazer, agora que estou cá só? Ele continua à porta e arranhá-la. Volto a abri-la e sem que eu tenho tempo para dizer alguma coisa, eis que entra sala fora, arrogante, encostado à parede e a dirigir-se para os maples.
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Fico inquieta mas lúcida. A correr vou buscar uma vassoura, das de cabo comprido e tento vassourá-lo nas pernas para que saia.
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Parece que estou a conseguir. Atiro-o para as escadas. Nem quero pensar o que seria deixá-lo entrar, e ele a falar noite fora, com o eco esperado e quem sabe, escondido, para que eu não o possa encontrar nem conciliar o meu sono.
Caí de costas e desce desamparado mais um degrau.
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E então oiço-o gritar:
«Ó senhor, senhor que passa/ eu sou um grilo de raça/ não sou um grilo banal.»

sábado, 1 de outubro de 2011

Poema - António Aleixo

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NÃO DÊS ESMOLAS A SANTINHOS - MOTE

Não dês esmola a santinhos,
Se queres ser bom cidadão;
Dá antes aos pobrezinhos
Uma fatia de pão.

GLOSAS

Não dês, porque a padralhada
Pega nas tuas esmolinhas
E compra frangos e galinhas
Para comer de tomatada;
E os santos não provam nada,
Nem o cheiro, coitadinhos...
Os padres bebem bons vinhos
Por taças finas, bonitas...
Se elas são p'ra parasitas,
Não dês esmola a santinhos.

Missas não mandes dizer,
Nem lhes faças mais promessas
E nem mandes armar essas
Se um dia alguém te morrer.
Não dês nada que fazer
Ao padre e ao sacristão,
A ver para onde eles vão...
Trabalhar, não, com certeza.
Dá sempre esmola à pobreza
Se queres ser bom cidadão.

Tu não vês que aquela gente
Chega até a fingir que chora,
Afirmando o que ignora,
Assim descaradamente!?...
Arranjam voz comovente
Para jludir os parvinhos
E fazem-se muito mansinhos,
Que é o seu modo de mamar;
Portanto, o que lhe hás-de dar,
Dá antes aos pobrezinhos.

Lembra-te o que, à sexta-feira,
O sacristão — o mariola! —
Diz, quando pede a esmola:
«Isto é p'rà ajuda da cera»...
Já poucos caem na asneira,
Mas em tempos que lá vão,
Juntavam grande porção
De dinheiro, em prata e cobre,
E não davam a um pobre

Uma fatia de pão.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Poema - Alberto de Lacerda

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O frio
Volve lamento


A tua ausência
Brilha
Cega -
Cada vez mais perto
Do sangue
Invisível como as lágrimas
Sacudindo
O inteiro ser


Quem me vê
Vê apenas
Um vulto enregelado
Inteiramente     imóvel