domingo, 24 de abril de 2011

Aconteceu...O Compasso e a proximidade social

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Hoje é domingo de Páscoa, e isso fez-me lembrar  mais uma história passada no Serviço Médico à Periferia (SMP), quando, logo no início da vida profissional, fui colocada numa vila do Norte de Portugal.

Toda a gente sabe o que é o Compasso, também conhecido pela visita Pascal? Talvez, quem tem educação religiosa ou mora em terras pequenas. Não é o meu caso e aqui em Lisboa não sei se ainda existe. Resistem, isso sei, tenho uma mesmo à porta, algumas procissões de tradição muito antiga, em alguns bairros populares.

Nos anos 80 não havia o Google, esta ferramenta que nos permite quase sem esforço saber um pouco de quase tudo. 


Pois o Compasso, é a visita que um grupo de pessoas lideradas pelo padre faz às casas/ famílias da sua paróquia, neste dia. Com ele vai a cruz de Cristo e vão informar da Ressurreição de Cristo  e abençoar as casas. É suposto haver alguma comida e bebida e ofertas para o padre...que acrescento eu, deve chegar ao fim do dia enfartado e bem bebido.

Pois lá na vila nortenha onde estávamos colocadas, a Lecas e eu, alguém nos avisou desse evento, como agora se diz, sem nos explicar grande coisa.
Ficamos bastante atrapalhadas. E agora, que se faz? O que se diz? Não conhecíamos ainda muita gente, nenhuma a quem perguntar.

E como jovens que éramos, resolvemos de uma maneira infantil de que hoje nos rimos.
Não é que fechámos as persianas simulando não haver ninguém e ficámos lá dentro muito quietinhas até a cerimónia passar para outra rua?!

Sei hoje que não teríamos sido visitadas quase de certeza. O Compasso não é uma invasão de uma casa, há um conhecimento prévio de quem deseja ser visitado.

Independentemente do acto enquanto religioso, este acontecimento é uma situação de proximidade, que contrasta com a indiferencia, o isolamento e o  desconhecimento da vizinhança nas grandes cidades. 

sábado, 23 de abril de 2011

Aconteceu...Fim-de-tarde em Lisboa

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.......................................................Foto - Magda

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Poema - Gastão Cruz

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NESSE NUNCA

Nunca se pensa que virá um dia
em que essa idade como bruma fria
será a que teremos; todavia

nesse nunca está ela já contida:
se o pensamento desconhece a vida,
dela recebe o sangue da ferida

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Aconteceu...Incontinência verbal!

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Há pessoas por quem temos estima e consideração. Não que as tenhamos conhecido pessoalmente, mas pelo que fizeram nalguma época  e pelo que simbolizam.
Poderíamos dizer que se tornaram uns ídolos.
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Anos depois, começam  a disparatar. 
Não, não estamos a ouvir isto, pensamos. Não pode ser! Está totó! Xexé! Completamente xoné!

As pessoas envelhecem.
Pensar que é por doença que não sabem o que dizem, que estão a perder o juízo,  ajuda a evitar a critica, embora se fique triste.
Tenta-se assim, dentro de nós, preservar a sua imagem. 

Tenho uma amiga que costuma pedir que se algum dia a virmos fazer certas figuras, que a protejamos. Que alguém faça o mesmo comigo, se for caso disso.
E todos devíamos ter um ou mais amigos para essas alturas. Evitar-se-ia muita coisa. Não pensem que estou a defender a interdição  ou coisa parecida. É que a troca de ideias pode bastar para fazer a pessoa cair em si, depois de pensar...e antes de falar ou fazer.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Poema - Miguel-Manso

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estão a demolir pedra
a pedra o prédio do lado


quem passa agora na rua
parece lamber com o olhar
a falta de um dente

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Aconteceu..."Fome"

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(...) Sabe Deus, pensei, se alguma vez mais valeria a pena voltar a procurar emprego. Recusas, meias promessas, meros e secos "nãos", expectativas alimentadas e destruídas, novas tentativas, tudo acabara em nada e fizera com que eu tivesse perdido o ânimo. Por fim, requeri um lugar como cobrador de dívidas, mas cheguei demasiado tarde, além disso não teria podido arranjar cinquenta coroas, para depositar como fiança. Surgia sempre qualquer obstáculo. Também me candidatei à corporação de bombeiros. Estávamos cinquenta homens num átrio e enchíamos o peito para darmos a impressão de força física e valentia. Veio um funcionário fazer a inspecção a todos os candidatos: apalpou-lhes os braços e fez-lhes uma ou outra pergunta. Contudo, por mim limitou-se a passar, abanando a cabeça e disse que estava excluído por usar óculos. Voltei lá sem óculos, perfilei-me, franzi as sobrancelhas e dei aos olhos uma expressão acutilante, mas o homem voltou a passar por mim e sorriu. Tinha-me reconhecido. O pior de tudo era que a minha roupa começava a ficar num estado tão lastimável que eu já não podia apresentar-me onde quer que fosse como uma pessoa decente. (...)

Este trecho, escrito por Knut Hamsun e publicado pela 1ª vez em 1890, é actual e poderia ter sido escrito hoje. Hélas!