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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Aconteceu...ler sobre a criança que faz batota

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Nem sempre os técnicos de saúde mental e desenvolvimento estão de acordo. Acontece que há várias correntes teóricas em todas as ciências humanas, o que pode dar várias formas de ver e de intervir.

Por isso é frequente alguma desorganização junto dos pais que não confiam no técnico que escolheram e procuram ouvir várias opiniões. Arriscam-se a ouvir opiniões absolutamente contrárias.
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Li hoje um pequeno texto numa revista cor-de-rosa sobre as crianças e a batota.
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O normal e o patológico só podem ser vistos à luz do desenvolvimento. Alguém dirá que uma criança que ainda não mastiga tem um problema, se souber que a criança tem 6 meses? E que ainda não usa o bacio se tiver 1 ano? Ou que mente se tiver 2 anos? Tudo tem de ser visto à luz do esperado, conforme a idade e o desenvolvimento conseguido.
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Ora nesse texto, a fase do desenvolvimento não era referida e a batota era considerada de forma geral como qualquer coisa que tinha de ser corrigida, até mesmo com castigos.
Mas há crianças que ainda não sabem que para jogar há regras. Também podem não as cumprir sem ser com a finalidade de fazer batota.
A batota só poderá ser considerada na criança já com idade para saber isso que a está a praticar. Aí deve-se ensinar, brincar sobre o não gostar de perder, e ir corrigindo a batota, voltando atrás ou mesmo parar, se não conseguirmos que a criança cumpra.
Ninguém gosta de perder, e há que perceber porque algumas conseguem aguentar esse "desgosto" e outros não.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Aconteceu...O menino deprimido que queria morrer na arena

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Conheci há muito tempo um miúdo, teria ele uns 9 anos. Franzino, ar pouco cuidado, aluno com grandes dificuldades, tinha poucos interesses, envolvia-se pouco em qualquer coisa que lhe fizesse lembrar a escola. Tinha amigos, e gostava de brincar. Gostava-se dele pelo ar carente e triste que sentíamos como um apelo para estabelecêssemos uma relação com ele.
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Mas havia um assunto que o transformava: cavalos, touros e touradas. Parecia outro. Os olhos brilhavam, sabia muita coisa e estava sempre apto a ouvir falar e aprender se os assuntos versassem touradas.
Conversando com a família, e também porque eram da zona dos campinos e familiarizados com este meio, fácil foi a aceitação do pedido que um dia o miúdo, a medo, lhes fez: entrar para uma escola de toureio.
Entusiasmado, chegava antes e saía depois da hora. Queria fazer o que lhe pediam e mais, adorava limpar os cavalos, dar-lhes de comer, toda e qualquer tarefa de lá era bem aceite e feita com perfeição.
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Claro que com a melhoria do humor, também na outra escola, a escola habitual das crianças, foi melhorando na aprendizagem, ganhando interesse, capacidade de investir, de se interessar e ganhar conhecimento.
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Conversávamos nós um dia, quando ele me disse que um dos seus grandes desejos era morrer na arena em plena tourada. Apesar de ter ficado gelada por dentro, tentei conversar e perceber o porquê desse desejo. Começou a ser claro mesmo antes dele o dizer. Morrer na arena era ficar mais conhecido, falado pelos outros, admirado pela sua bravura e coragem. Seria, segundo ele, uma forma de perpetuar o seu nome, sair nos jornais com fotografia e quem sabe, um dia ter uma praça ou uma escola de toureio com o seu nome.

Perdi-lhe o rasto. Cresceu e deixou de ser preciso conversarmos. Seguiu a sua vida e não sei se se fez toureiro ou bandarilheiro.

domingo, 28 de novembro de 2010

Aconteceu...criança pendurada por corda. E por associação Buster Keaton, Pamplinas.

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Deu na televisão uma senhora a fazer descer pela parte exterior de um prédio pendurada numa corda, uma criança para ir, parece, apanhar uma peça de roupa que tinha caído à rua.
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Esta geração conhecerá o Buster Keaton, conhecido por nós pelo Pamplinas? É um actor do cinema mudo, que nunca se ria acontecesse-lhe o que quer que fosse, supostamente cómico. Digo assim porque depois de saber a história pessoal dele, deixei de me poder rir.
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Pamplinas foi uma criança maltratada pelos pais, artistas de circo, e que, para além de tareias, desde muito cedo o obrigaram a fazer exercícios perigosos e muito inquietantes para uma criança. Parece que era obrigado a fazê-los com um ar sério e acontecesse o que acontecesse assim deveria continuar.
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Como actor de cinema, e era ele que fazia também a narrativa, escolhia sempre umas cenas que corriam mal, ridiculamente mal, daí o cómico. Nunca ria...nem chorava. Não expressava emoção nenhuma.
Nos filmes aconteceram quedas graves, com idas ao hospital e lesões extensas. Ele insistia em ser ele, o corpo dele, a fazer aquelas equilibrices, quedas e choques, alguns com traumatismos fortes, visto que chegou a entrar em coma. Nunca quis fazer de conta nem arranjar um duplo, era sempre ele.
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A infância dele marcou profundamente a sua vida. Diríamos que houve uma compulsão à repetição do traumatismo, sem o conseguir resolver.
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E à miúda do prédio, vão salvá-la dum futuro assim? Porque aquilo que filmaram são maus tratos, e aqui a televisão pode ter tido um papel importantíssimo!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Aconteceu...que às vezes não olhamos à nossa roda

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Nem sempre podemos estar atentos ao que se passa à nossa roda. Por vezes estamos tão centrados em nós que não nos damos conta dos outros.
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Aqui há uns anos, mais precisamente em 2004, um colega meu estava a preparar-se para o exame final. Fechou-se dentro de casa e ali esteve a escrever e a estudar durante o curto período que para isso dispôs. Quando voltou ao serviço, e aqui faço abro um parêntesis só para dizer que, no nosso trabalho e por via das conversas com as crianças precisamos de conhecer o mundo que lhes interessa e fecho parêntesis, todas as crianças que ele atendeu nesse dia lhe falaram em morte e futebol. Se bem se recordam, morreu em campo durante um jogo que estava a ser transmitido pela televisão, Miki Feher. Como é óbvio, muitas crianças ficaram impressionadas. O médico, saído da redoma em que tinha estado, é que não sabia.
Lembro-me dele bater à minha porta para ver se eu percebia o que se estava a passar com tanta criança a falar em morte no mesmo dia. Ainda nos rimos os dois deste período de isolamento completo que ele tinha vivido.
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Vem isto a propósito dos movimentos de revolta com tumultos que estão a acontecer em Moçambique.
Ouvi na rádio duas entrevistas, a primeira a um senhor que vive lá há 55 anos e que disse estar completamente admirado, não esperava nada, não percebia a razão.
O segundo, o escritor Mia Couto, disse quase exactamente o contrário. Que era previsível, que se sentia um mal estar com o aumento de preços e o agravamento da situação de vida de muitos moçambicanos.
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Uns numa redoma, outros a céu aberto?
Ou parafraseando Pirandello, "À chacun sa vérité"!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Aconteceu...que há crianças que tiveram necessidade de crescer depressa!

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Entra, cumprimenta sem me conhecer, ar seguro. Tem uns 10 anos e senta-se à mesa onde a miúda holandesa está a tomar o pequeno almoço. Estou na mesa "dos crescidos", olha-me e diz: eu sei falar inglês, passei para o 5º ano e aprendi na escola. Queria meter conversa com ela, mas agora não me lembro, como se diz "qual é o teu nome"?

Digo-lhe, ela pergunta, a holandesa da mesma idade responde.

A conversa vai passar para mim. Conta-me que do 1º ao 4º ano teve na escola, nas actividades um professor de inglês. Mas está esquecida, como se diz "quantos anos tens?" Lá lhe digo. A conversa entre elas vai ser aos soluços, a portuguesa sempre a afirmar que sabe mas não se lembra.

Acaba por ir brincar com o amigo português que entretanto chega..

Mais tarde , na piscina, ela diz, "vamos a ver se posso vir logo outra vez" e o amigo português da mesma idade diz-lhe, foge, diz qualquer coisa ao teu pai e vem se ele não te deixar".

Venho a saber que o pai dela teve há anos um terrível desastre e está tetraplégico. Filha única é a auxiliar da mãe para muitas coisas, até tratar do pai..

Fez-se luz no meu espírito. Sabe falar inglês, embora só tenha aprendido umas frases na escola. Despachada. Teve necessidade certamente de ter ter crescido à pressão, perante a força das circunstâncias, a doença do pai. Fazer de crescida, ser autónoma.

Poderá ela, como o outro, mentir ao pai? Aquele pai frágil que ela sabe que com ele não se pode zangar porque ele não se pode defender?.

Há crianças que, por terem familiares de quem dependem, mas que de alguma maneira são fracos, deprimidos, psicóticos, deficientes, tiveram de dar saltos no crescimento, cuidar de si próprias, ficar com responsabilidades acrescidas, e ficaram hipermaturas (maduras na aparência). Por baixo, frequentemente ficam falhas, humores que riscam descompensar um dia, depressivamente, mas não sempre, felizmente.
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Há vidas que obrigam a isto, ser-se crescido quando se devia ser criança. São uns sobreviventes!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Aconteceu... que o jacarandá tem flor

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Estava eu a pedalar na bicicleta fixa do ginásio e a ler o Leite Derramado do Chico Buarque, quando me aparece escrito "Peça à minha mãe que lhe indique a escrivaninha barroca de jacarandá (...)".
Parei de ler, as ideias ocuparam-me o pensamento.
Ainda ontem passei pela Avenida Miguel Bombarda, aqui em Lisboa, e tinha visto com prazer como está bonita, toda azul. Tem sido sempre o aspecto estético que me tem chamado a atenção no jacarandá em flor, nunca reparei no tronco ou nos ramos no Inverno, nunca os vi como madeira com utilidade. É aquela cor tão especial que me cativa e que procuro todos os anos nesta época.
Aliás as flores, de qualquer cor, chamam a atenção, prendem-nos. .
Há tempos, num velório, uma criança de pouca idade, andava fascinada a tirar as flores das palmas e coroas que estavam pousadas no chão. Estava muito contente, brincava como se estivesse num jardim, alheia à avó morta. .
No pequeno jardim quase selvagem que existe na frente do meu serviço, é habitual ver as crianças que nos procuram, fazerem ramos de florinhas. .
Tal como as esculturas, nunca percebi os jardins que são só para a vista...como são para mim os jacarandás.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

aconteceu ... a propósito de uma notícia -3

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"Um moto taxista de Pequim deixa o filho preso com correntes a uma árvore na capital chinesa para poder ir trabalhar. Dizem que a mulher é débil mental, que já uma filha de 4 anos lhe foi roubada sem nunca mais aparecer e que não pode usufruir das creches do estado por ser migrante interno." (Diário de Notícias de ontem.)
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Não se pense que casos destes só acontecem na China.
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Conheci há muitos anos uma criança que vivia fechada num galinheiro.
Há meia dúzia deles conheci um jovem que ficava no carro à porta da loja onde a mãe trabalhava como empregada de balcão..

Ambos eram portadores de deficiência mental com graves alterações do comportamento e nenhuma instituição os tinha aceite, apesar do esforço dos serviços competêntes.
Uma reportagem na televisão serviu para comprometer e envergonhar um responsável de uma grande instituição e que com rapidez conseguiu vaga onde antes não a havia..

Esperemos que alguma coisa mude para esta criança chinesa, e que possa ficar protegido durante o trabalho do pai, integrado numa escola com educadores e crianças com quem possa brincar ou da forma que um estudo da situação determine.
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Eventualmente por mecanismos de defesa meus contra os sentimentos incómodos que esta notícia nos provoca, lembrei-me do Perspicaz, história bem mais divertida.
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Quando eu era adolescente, ao ir e vir do Liceu, reparava num jovem mais velho que eu, que estava frequentemente à porta da pastelaria lá do bairro.

Chamava a atenção o ser giro, alto, e bem vestido, sempre de camisa e blaser e um lenço de seda que lhe tapava muito bem o pescoço.
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Anos mais tarde vim a conhecê-lo e soube da sua história.

Estudar não era das coisas que mais gostava.

Gostava de conviver, tocar e cantar, e não queria fazer nenhum curso como a família desejaria.

Fazia também umas pequenas patifarias como retirar um objecto de casa para vender quando precisava de dinheiro extra e deixava um papel dizendo "o Perspicaz atacou", que mais tarde passou a "o Perspicaz voltou a atacar".

Descoberto o Perspicaz, tinha de ter um castigo. Quando não tinha aulas tinha de ficar fechado em casa.

E para ter a certeza que o mesmo era cumprido, o pai atava-lhe uma trela ao pescoço e a um pé da mesa da sala.

Ficando a sós, o Perspicaz resolvia bem o assunto, levantava o pé da mesa, e enrolava a coleira à volta do pescoço que ficava cuidadosamente tapada pelo tal lenço, e lá ia ele para a rua..

Passado o período por vezes complicado que é a adolecência, tudo correu bem e pela vida fora recomendou-se.
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Teve sorte, que se hoje se alguém soubesse, o caso teria sido participado a uma comissão de protecção de crianças e jóvens em risco, teriam recorrido a serviços de saúde mental infantil e juvenil, e esperemos que não tivesse sido retirado à família por maus tratos.