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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Aconteceu...que às vezes não olhamos à nossa roda

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Nem sempre podemos estar atentos ao que se passa à nossa roda. Por vezes estamos tão centrados em nós que não nos damos conta dos outros.
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Aqui há uns anos, mais precisamente em 2004, um colega meu estava a preparar-se para o exame final. Fechou-se dentro de casa e ali esteve a escrever e a estudar durante o curto período que para isso dispôs. Quando voltou ao serviço, e aqui faço abro um parêntesis só para dizer que, no nosso trabalho e por via das conversas com as crianças precisamos de conhecer o mundo que lhes interessa e fecho parêntesis, todas as crianças que ele atendeu nesse dia lhe falaram em morte e futebol. Se bem se recordam, morreu em campo durante um jogo que estava a ser transmitido pela televisão, Miki Feher. Como é óbvio, muitas crianças ficaram impressionadas. O médico, saído da redoma em que tinha estado, é que não sabia.
Lembro-me dele bater à minha porta para ver se eu percebia o que se estava a passar com tanta criança a falar em morte no mesmo dia. Ainda nos rimos os dois deste período de isolamento completo que ele tinha vivido.
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Vem isto a propósito dos movimentos de revolta com tumultos que estão a acontecer em Moçambique.
Ouvi na rádio duas entrevistas, a primeira a um senhor que vive lá há 55 anos e que disse estar completamente admirado, não esperava nada, não percebia a razão.
O segundo, o escritor Mia Couto, disse quase exactamente o contrário. Que era previsível, que se sentia um mal estar com o aumento de preços e o agravamento da situação de vida de muitos moçambicanos.
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Uns numa redoma, outros a céu aberto?
Ou parafraseando Pirandello, "À chacun sa vérité"!

domingo, 10 de janeiro de 2010

aconteceu estar a ler - 2

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(...) "Certa vez o tal Bobby tinha saído num barco e naufragara. Como pôde, agarrou-se a um tronco que andava por ali a flutuar, um tronco milagroso, e esperou que o dia chegasse. Mas de noite a água cada vez era mais fria e Bobby começou a gelar e a perder forças. Cada vez se sentia mais fraco e embora tivesse tentado atar-se com o cinto ao tronco, por mais esforços que fizesse não conseguiu. Contado parece fácil, mas na vida real é difícil atar o nosso corpo a um tronco à deriva. Então, resignou-se, pensou nos seus seres queridos (aqui referiram um tal Jig, que podia ser o nome de um amigo, de um cão ou de uma rã amestrada) e agarrou-se com todas as suas forças ao tronco. Então viu uma luz no céu. Julgou, ingenuamente, que se tratava de um helicóptero que tinha saído para o procurar e pôs-se a gritar. No entanto, não tardou em reparar que os helicópteros fazem um som de hélice e a luz que via não fazia esse som. Passados uns segundos apercebeu-se de que era um avião. Um enorme avião de passageiros que ia cair directamente no sítio onde ele estava a flutuar agarrado ao tronco. De repente, desapareceu-lhe o cansaço todo. Viu passar o avião mesmo por cima da sua cabeça. Ia em chamas. A uns trezentos metros donde ele estava o avião espetou-se no lago. Ouviu duas ou talvez mais explosões. Sentiu o impulso de se aproximar do sítio onde tinha acontecido o desastre e assim fez, muito lentamente, porque era difícil manejar o tronco como se fosse um flutuador. O avião tinha-se partido em dois e só uma parte é que ainda flutuava. Antes de chegar, Bobby viu como se afundava lentamente nas águas novamente escuras do lago. Pouco depois chegaram os helicópteros de salvamento. Só encontraram Bobby e sentiram-se defraudados quando este lhes disse que não viajava no avião, mas que tinha naufragado no seu bote, enquanto pescava. De qualquer modo, ficou famoso durante um tempo, disse aquele que contava a história." (...)

in 2666, de Roberto Bolano, p 281, 2009 Quetzal Editores, Edição Especial
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É esta forma minuciosa, pormenorizada mas de leitura fácil, com pontas frequentes de humor, que nos agarra à leitura. O peso real do livro é que a dificulta.
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O bold é meu. Acho uma delícia a expressão do sentimento dos pilotos salvadores.
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Associei com os nossos noticiários, o escandalo vende sempre mais, salvar alguém de um naufrágio de bote é menor que de uma queda de avião. Mesmo assim, o naufrago "ficou famoso".