domingo, 21 de fevereiro de 2010

aconteceu...no Serviço Médico à Periferia -3

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Aquele doente estava de baixa há imenso tempo. Queixava-se de umas dores inespecíficas e de impossível confirmação quer à observação quer com estudos com meios complementares de diagnóstico, que vinham todos negativos.

Tinha tido um problema ortopédico, seguido nos hospitais centrais e depois encaminhado para a minha consulta num posto de uma aldeia da Beira Alta.

E todos os meses lá estava ele, queixoso, e a pedir mais um mês de baixa..

Enviei-o à consulta da especialidade pedindo indicações. Por carta o colega confirma a situação clínica pouco clara, pelo que, enquanto o doente apresentasse queixas, lhe fosse passando a baixa. Caso contrário deveria ter alta imediata.

Assim fui fazendo. .

Passou-se o outono, entramos no Inverno, um frio de rachar, a água congelada nos canos, as estradas cheias de gelo, mas religiosamente lá vinha o doente. Um dia pergunta-me se estaria de baixa até à Páscoa. Se fosse preciso....

Na consulta seguinta, vinha sorridente. Que se sentia muito bem, tinham desaparecido todas as coisas de que se vinha queixando até ali. Parecia outro, solto e bem disposto.

Perante esta nova situação dei-lhe alta.

Exaspera-se. Quase levanta a voz, que eu lhe tinha dito que ele iria ficar de baixa até à Páscoa. Se fosse preciso tinha dito eu, mas parece que agora já está bom terei respondido..

O doente levanta-se, mete a mão num bolso do casaco e retira de lá dois pares de meias de lã feitas à mão, discretamente rendadas. Pega nelas e atira-as literalmente para cima da mesa, com tanta força que quase me caíram em cima, enquanto esclama ."Assim como assim, a minha mulher fê-las para os seus filhos"..

Nunca mais o vi.

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