sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Poema - Filipa Leal

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O TEU JARDIM

O jardim não sabia ser jardim
sem a mulher que com ele falava
sozinha.

Sozinha a mulher,
sozinho o jardim quando a mulher
não chega da sua solidão.
Sozinha a rapariga que olha o jardim,
que procura a mulher,
que não fala sozinha.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Aconteceu...que às vezes não olhamos à nossa roda

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Nem sempre podemos estar atentos ao que se passa à nossa roda. Por vezes estamos tão centrados em nós que não nos damos conta dos outros.
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Aqui há uns anos, mais precisamente em 2004, um colega meu estava a preparar-se para o exame final. Fechou-se dentro de casa e ali esteve a escrever e a estudar durante o curto período que para isso dispôs. Quando voltou ao serviço, e aqui faço abro um parêntesis só para dizer que, no nosso trabalho e por via das conversas com as crianças precisamos de conhecer o mundo que lhes interessa e fecho parêntesis, todas as crianças que ele atendeu nesse dia lhe falaram em morte e futebol. Se bem se recordam, morreu em campo durante um jogo que estava a ser transmitido pela televisão, Miki Feher. Como é óbvio, muitas crianças ficaram impressionadas. O médico, saído da redoma em que tinha estado, é que não sabia.
Lembro-me dele bater à minha porta para ver se eu percebia o que se estava a passar com tanta criança a falar em morte no mesmo dia. Ainda nos rimos os dois deste período de isolamento completo que ele tinha vivido.
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Vem isto a propósito dos movimentos de revolta com tumultos que estão a acontecer em Moçambique.
Ouvi na rádio duas entrevistas, a primeira a um senhor que vive lá há 55 anos e que disse estar completamente admirado, não esperava nada, não percebia a razão.
O segundo, o escritor Mia Couto, disse quase exactamente o contrário. Que era previsível, que se sentia um mal estar com o aumento de preços e o agravamento da situação de vida de muitos moçambicanos.
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Uns numa redoma, outros a céu aberto?
Ou parafraseando Pirandello, "À chacun sa vérité"!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Aconteceu... A noite a descer sobre a praia

...........................................Foto - Magda

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Poema - Magda

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PARA TI, PARA VOCÊS............................ Pa
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Iam à minha frente, corredor fora.
Ele tinha o braço por cima dos ombros dela.
Iam calados e os movimentos eram lentos.
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Vi-os de frente.
Olheiras e ar triste.
Solidários, apoiavam-se.
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Como se tivessem levado um murro
Tinham ouvido a sentença do médico
A vossa filha está muito doente.
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Quiseram pouca comida no prato.
Sem apetite e ar cansado
Espelhavam bem a preocupação.
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Comeram pouco, levantaram-se
E apoiados um no outro
Lá partiram para ao pé dela.
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Mais uma noite, mais um dia,
O futuro hoje tem outra dimensão
Mas a esperança tem de existir!

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Aconteceu...síndrome do fim das férias- uma entidade nosológica?

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Achei mesmo graça ao ler ontem que tinha sido descrito um síndrome do qual se pode sofrer quando acabam as férias e temos de recomeçar o trabalho. O que eles inventam, para tentar organizar por sintomas, que é o que está a dar, versus compreender os fenómenos.

Para quem o trabalho é uma necessidade económica, de onde não se tira prazer, do qual nos sentimos pouco gratificados e reconhecidos, com cujos colegas não temos nenhuma relação afectiva, será esquisito gostar das férias e sentir o trabalho como um fardo que obrigatóriamente temos de carregar?

Nas situações actuais, a grande maioria das pessoas não faz o que gosta. Uns não estudaram, outros entraram para onde as notas lhes permitiu. E fora do horário de trabalho há outro, o de casa, da família, para quem às vezes já pouca disponibilidade sobra.

Luísa sobe,/sobe a calçada,/sobe e não pode,/que vai cansada.
Saiu de casa/de madrugada;/regressa a casa/é já noite fechada.
Na mão grosseira,/de pele queimada, leva a lancheira/desengonçada.
(...)
Chegou a casa/não disse nada./Pegou na filha,/deu-lhe a mamada;
/bebeu a sopa/numa golada;/lavou a loiça,/varreu a escada;/deu jeito à casa/desarranjada;/ coseu a roupa/já remendada; despiu-se à pressa,/desinteressada;/caiu na cama de uma assentada;/chegou o homem,/viu-a deitada;/serviu-se dela,/não deu por nada.
(...)
in Calçada de Carriche, de António Gedeão.

Duvido que algumas Luísas alguma vez tenham sido crianças, tido e vivido uma infância que seja digna desse nome. Duvido que alguma vez tenham tido férias, mas se as tivessem tido, seria estranho terem o tal síndrome e custar-lhe trabalhar de novo? Ah, mas que se fique descansado, parece que é de curta duração. Pudera, a pessoa habitua-se!

domingo, 29 de agosto de 2010

sábado, 28 de agosto de 2010

Poema - Sophia de Mello Breyner Andresen

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RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA

Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino