sábado, 4 de dezembro de 2010

Aconteceu...Há quem tenha os pais unidos pela raiva

.
Desde cedo que se acostumou a ver os pais discutirem. Eu disse acostumou? Disse mal, devia ter dito ouviu, porque nunca isso se tornou para ele como uma coisa normal.
Insultos, gritos dos pais, e ele a gritar, com as mãos a tapar as orelhas e a pedir que parassem, deixassem de gritar, mas sem que eles o ouvissem.
.
Alguns anos mais tarde, ainda ele era pequeno, ouviu uma nova discussão e viu o pai passar por ele, bater com a porta e não voltar nesse dia a casa. Nem no outro, nem no outro... até que a mãe lhe começou a dizer que tinha sido bom, que o pai era muito mau e assim podiam os dois viver sós e felizes.
.
E todos os dias lhe lembrava que o pai era mau. Mas ele também se lembrava de jogar à bola com ele, comer algodão doce lá na feira da aldeia, e até armar costelas para apanhar os pássaros. E tinha saudades de estar com o pai...
.
Um dia soube que o pai o queria também, para viver com ele. E nova guerra se desencadeou, aqui com Tribunal à mistura. E passou a estar em casa da mãe umas semanas e em casa do pai noutras.
.
Era um verdadeiro calvário quando tinha de trocar de casa, um interrogatório completo lhe era feito, tanto pelo pai como pela mãe. E críticas, críticas, críticas. A certa altura sentia-se confuso. Serão para mim? pensava. Como fugir disto, tão pouco crescido que era?
.
Muitas crianças vivem esta vida. A raiva que a separação e por vezes nem a constituição de uma nova família deixa de existir entre os pais. Pais unidos pela raiva.
Este ambiente cerca as crianças e destroí-as. Sofrem.
Mergulhados neste caldo raivoso, os pais nem se apercebem como estão a destruir os filhos, a inquinar-lhes a existência actual e a futura.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Aconteceu...a ilusão da fragmentação do Sol

.
.............................................Foto - Magda

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Poema - Filipa Leal

.
QUARTO MINGUANTE

Os adolescentes da cidade
deitavam-se cada vez mais cedo.

Faltava-lhes o espaço para a náusea
desse lugar diminuto,
desse tédio
que só no quarto a sós
lhes denunciava a paixão.

Os adultos da cidade
deitavam-se cada vez mais tarde.

Não suportavam a náusea
desse lugar diminuto,
desse tédio
que no quarto só
lhes denunciava a solidão.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Aconteceu...precisamos de ser mais simples e sentirmo-nos bem!

.
Vivemos rodeados de hábitos, exigências, insatisfações.
.
Conheço famílias que me contam que compreendem a insatisfação dos filhos, quando os pais não lhes podem comprar roupas e ténis de marca. Outras crianças querem e exigem, mesmo em famílias a raiar a economia medíocre, computadores e jogos electrónicos.
A insatisfação é mais manifesta quando as famílias se sentem inferiorizadas por não lhos poderem comprar, e vivem isso de forma desnarcisante.
E não há bom senso a que se apele.
.
Há tempos vi uma senhora a dar pão a pombos no jardim. Em conversa explicou-me em poucas palavras porque o fazia, "coitados, eu também já passei fome".
Eu que não gosto de pombos na quantidade que há por Lisboa, fiquei sem palavras, compreendi-a.
.
Vi um dia destes na televisão, uma aldeia quase cercada pela neve. O isolamento é quebrado pela carrinha do padeiro que com esforço para lá se dirige diariamente. E duas pessoas disseram coisas que deveriam ser ouvidas por muita gente, e cito de cor.
"Com pão e água já ficamos bem" disse uma senhora depois de comprar o pão; e "a minha senhora comprou ontem e ainda lá temos, hoje não é preciso, compro amanhã", disse um homem.
.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra, mas precisávamos de poder viver assim mais simplesmente.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Poema - Pedro Tamen

.
Ardem-me os olhos de tanto me fixar
no presente vivido. Choro
inundando o que nas mãos seguro.
E é com as lágrimas dos dias,
com este pranto reclinado,
que à obra puxo o lustro,
dou brilho à sua vida, à minha.