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1 - Há muitos anos, era eu miúda, uma colega de turma tinha sempre muitos lápis e borrachas que o pai lhe trazia do serviço. Era funcionário público. Como o meu também era, contei-lhe e pedi-lhe que me trouxesse lá do serviço alguns para mim. Nesse dia à tarde ele veio do serviço e levou-me à Papelaria da Moda. Aí chegados disse-me para eu escolher o que quisesse de lápis e borrachas, e folhas. Perguntei-lhe porquê, e lembrou-me do meu pedido e disse-me uma coisa que ficou dentro de mim como um valor, que os lápis e borrachas que lhe distribuíam no Ministério, eram para ele trabalhar lá. Por isso não os trazia para casa e muito menos para uso da filha.
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2 - Uma amiga minha era filha de um Director Geral de Finanças que tinha um telefone oficial em casa. Ao lado estava o telefone que ele contratualizou para uso privado, como a família fazer chamadas. Este preciosismo ainda se "usa" hoje?
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3 - Conheço quem use o carro distribuído pela função que tem, com chauffeur agregado, para fazer serviços de distribuição da família. Os "utentes do carro" nem perceberam a minha adjectivação perante o que sinto ser um abuso. É que pagamos todos. Será normal?
Quando prescrevo um medicamento e o doente não o paga na farmácia porque é comparticipado a 100%, se ele me refere que "é de borla", aproveito para lhe explicar que não, que é pago por todos nós. Esta noção não é clara para a maioria das pessoas, mas a alguns não lhes interessa ver isso.
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4 - Como escrevi há dias, os pontos escritos e os exames eram respeitados por nós e tínhamos receio perante maus resultados. Hoje, sabemos que com frequência pais vão às escolas pedir contas aos professores. É assim que se transmitem os valores? Sim, que o respeito é um valor e de pequenino se torce o pepino!
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5 - Aconselho a ler o artigo do Rui Tavares no Público de hoje. "Duas Facadas na República". Muito bem escrito! Ilustra bem com dois casos recentes, como vamos de valores!.
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Nota - sou bastante irreverente, embora alguns dos meus textos não o demonstrem. Mas é preciso indignarmo-nos com certas coisas e foi o que eu quis fazer.
Pois és; muito irreverente. Portanto já somos 2 o que ainda é mt pouco. Meu pai seria parecido com o teu, mas iamos mais à Fernandes. Havia lá um amigo extraordinário,uma cortesia que até me apetece escrever com Z, como se escreveria antes de aprendermos a ler e a escrever.
ResponderEliminarQuanto ao teu assunto anterior, sempre como tudo digno de diálogo, já não é a 1ªx q qd vou a tua casa reparo no livro do João dos Santos que deve lá ter o mm conteúdo do meu (a menos que tenhas feito transformações)no qual tem um capítulo destinado aos «prémios e castigos»-( costumo distribuir aos educadores e profs qd faço formações) Trauma na língua materna do Freud quer dizer "Sonho" e mts livros para crianças têm esta palavra escrita em austríaco. De facto trauma poderia e poderá ser muita coisa, como trema e trama.
A António Arroio há muitos anos quando lá quase vivia e também o Lima de Freitas, o João Vieira e outros que se passaram para o descanço das B.A. era talvez o oposto do teu Liceu Francês. Uma liberdade à frente de todas as Escolas e um "avant-gard" invejável. Bastava ser mesmo antes dos anos 60, uma escola mista. Mista queria dizer de ambos os sexos. Ninguém deverá perceber isto hoje, caso não se explique.Misto hoje só "tostas"! Num ano em que tive de fazer o exame de Pintura, durante 8 dias, cada um tinha um painel vertical de quase 2 metros de altura e 1,5 de largura. Talvez fosse mais ordenada por um lado e menos por outro. Para me regularizar, determinei fazer o círculo gestual, à moda de Giotto, com 1,5 de diametro e daí partir até ao cerne com muitos outros; qualquer coisa que me segurasse em caso de dúvida e que me desse ordem e disponibilidade de acção sob o auto-control. Era Verão quente e já tinham despontado os girassóis. Nada mais simples dentro d'alguma ousadia que o meu querido Prof. Roberto Araújo me teria reforçado durante 2 ou 3anos em que fui uma aluna excepcional no seu atelier. A coisa estava a correr o pior que possas imaginar para todos. Os Mestres perseguiam-nos, homens usualmente com alguma liberdade e conceituadamente artistas. O Director era nessa altura o Lino António que em falhas de outros profs nos dava aulas de forma severa e impositiva. Uns Profs. havia, que por serem pintores nunca deveriam ser pedagôgos. Pois este, seguido d'outra alta comitiva chegou-se um dia perto do meu girassol que já ía bem regado de verdes e amarelos e disse afirmativamente:-Esta aqui está a fazer um "Relógio!"pensei, está doido!"
e continuei...investi como sempre em todas as disciplinas que eram na sua grande maioria mt práticas, ocupando os dias inteiros. Soube muitíssimo mais tarde que o Relógio era um artista e nunca antes tinha visto nada dele até há bem poucos, mesmo mt poucos anos. Tive uma nota rasca. Que ficou sempre a pertencer a um modo de muitas coisas que me perseguem e a outras que continuarei sempre a não entender como até a morte muito recente desse meu professor(na época) que me conhecia o trabalho durante tantas horas e dias, semanas e até anos, bem como o meu comportamento e intervenções inter-activas. E de súbito chegam desconhecidos avaliadores e inquisidores de longe para "aferir" condutas "avaliar" objectivos, friamente e longe da acção decorrida afectivamente com os nossos acolhedores mestres de tempos e memórias?! Traumas, sonhos, medos, terrores e diálogo; fui sendo capaz de ter e nem ter! Mas lá que me magoaram muito de pasmar, como ainda hoje o fazem, também o fizeram, sim senhora!!!Acredito no que diz o J. dos Santos, o Ivan Ilich, o Paulo Freire, o da "Educação pelo Trabalho":(tinha-me esquecido do nome- Freinet, Tomkievsky, Makorenko etc...mas hoje!? Talvez sejamos muitos. Muita gente, de muitos mundos e muitas culturas...uma trama traumática de muitas vozes sem uníssono.Um vazio de lugares comuns. Rouba-se a borracha, como se rouba o carro, a casa, e sobretudo a dignidade.Tenho-portanto contigo uma concordata-discordante! Não temos uma linguagem comum, apesar de todos os acordos ortográficos que possam existir
Obrigada Ester, as tuas intervenções abrem sempre outras portas, e isso é que vale a pena, ir abrindo portas mentais que nos permitam entrar em salas desconhecidas e aumentar o pensamento.
ResponderEliminarClaro que a António Arroio era diferente, eram artistas! E isso sempre significou serem diferentes, às vezes vistos como um pouco aloucados, livres e com a criatividade e o sofrimento frequentemente de mãos dadas.
Quanto à escola ser mistas, o francês tb o era.
Qualquer dia escrevo sobre isto. Lembraste-me uma história de que hoje me rio a bom rir mas na altura...