quarta-feira, 2 de setembro de 2020



173º dia de recomeço do blog

Antigamente, quando eu era pequena, em casa dos meus pais havia rádio e gira-discos. A televisão só entrou depois do 25 de Abril já eu morava na minha casa.

E de tempos em tempos compravam um disco. O meu pai chegava a casa por volta das 18 horas e ficava no seu maple (o mesmo onde estou sentada) a ler, fazer as suas esculturas ou ouvir música. Esta não era ruído de fundo, era para se ouvir. Ele fazia-o muitas vezes de olhos fechados e com a mão frequentemente os dedos marcavam o ritmo nos braços do sofá. E o disco tocava e voltava a tocar, dias e meses até entrar outro.

Julgo que os meus pais conversariam sobre a música e os compositores porque a primeira palavra difícil que eu disse terá sido Rimsky-Korsakov, certamente por a ter ouvido e dar-me gozo o exercício que a boca tinha de fazer para dizer essa palavra.

O disco em questão era a Xerazade. Esta interpretação é retirada do youtube. O disco dos meus pais, onde estará ele?

  

terça-feira, 1 de setembro de 2020



172º dia de recomeço do blog

Situação complicada ver uma pessoa de quem gostamos perder as suas capacidades, ter momentos de desorganização e de explosão. No entanto ter outras alturas em que quase consegue recuperar algumas coisas e quase ficarmos esperançadas.

Mas a vida do idoso sem a autonomia que o fazia viver é o quê?

Dei por mim a pensar na minha avó materna. Sentada num maple e embrulhada numa pashmina de lã. Hoje a imagem que tenho é da solidão. Já não lia nem escrevia como até aí que enchia agendas de acontecimentos e pensamentos.Não me lembro se tinha televisão. Nunca a ouvi queixar-se. Ficava muito contente quando tinha uma visita, o meu tio que ia tocar piano, a minha Mãe ou eu. Tinha uma senhora sempre com ela, talvez conversassem às vezes. Um dia um AVC pô-la na cama e em estado comatoso. Foi esperar a morte. Tinha mais de 80 anos.

Depois pensei na minha Mãe, a quem uma demência  tirou a companhia da memória. Nunca se esqueceu de quem eu e os meus filhos éramos. Tinha duas empregadas permanentes, ambas pessoas com formação escolar e de vivência acima do habitual que iam falando com ela. Eu todos os fins de semana. Mas a partir de certa altura obtínhamos resposta se provocada, espontaneamente ficava naquele mundo vazio. Uns anos. Tinha pouco mais de 80 anos.

Complicado responder à pergunta que me fiz no início. Tentar estar presente, relacional, dar prazer enquanto se pode. Falar/ouvir, ouvir/falar. Nem sempre é possível ...


segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Parabéns Sérgio Godinho




171º dia de recomeço do blog


Parabéns Sérgio Godinho! 75 anos!
Como tenho pena de não ter comprado atempadamente o bilhete para o espectáculo de hoje.

Etelvina


Ele fala de como algumas crianças que foram negligenciadas, maltratadas ou abandonadas  precocemente tentam sobreviver, apesar das projecções malignas que receberam. Neste caso, através de uma hipermaturidade defensiva na fase da vida a que estes versos se referem. Sem sucesso. 



Usei alguns destes versos numa parte de um capítulo sobre Promoção e Protecção das crianças que escrevi em Outubro 2014. Exemplificavam tão bem o que eu teria de teorizar, a importância de uma infância organizada e feliz verso abandono e maus tratos.

Etelvina com seis meses já se punha de pé
Foi deixada num cinema depois da matiné
Com um recado na lapela que dizia assim
"Quem tomar conta de mim,
Quem tomar conta de mim
Saiba que fui vacinada
Saiba que sou malcriada"

Etelvina com dezasseis anos já conhecia
Todos os reformatórios da terra onde vivia
Entregaram-na a uma velha que ralhava assim
"Ai menina sem juízo
Nem mereces um sorriso
Vais acabar num bueiro
Sem futuro nem dinheiro"
Eu durmo sozinha à noite
Vou dormir à beira rio à noite à noite
Acocorada com o frio à noite à noite
Etelvina era da rua como outros são do campo
Sua cama era um caixote sem paredes nem tampo
Sua janela uma ponte que dizia assim:
"Dentro das minhas cidades
Já não sei quem é ladrão
Se um que anda fora das grades
Se outro que está na prisão"
Etelvina só gostava era de andar pela cidade
A semear desacatos e a colher tempestade
A meter com os ricaços a dizer assim
"Você que passa de carro
Ferre aqui a ver se eu deixo
Venha cá que eu já o agarro
Dou-lhe um pontapé no queixo"
Eu durmo sozinha à noite
Etelvina já cansada de viver sem ninguém
A não ser de vez em quando amores de vai e vem
Pôs um anúncio no jornal que dizia assim
"Mulher desembaraçada
Quer viver com alma irmã
De quem não seja criada
De quem não seja mamã"
Etelvina já sabia que não ia encontrar
Nem um príncipe encantado nem um lobo do mar
Só alguém com quem pudesse dizer assim
"O amor já não é cego
Abre os olhinhos à gente
Faz lutar com mais apego
A quem quer vida diferente"
O seu homem encontrou-o à noite
A dormir à beira rio à noite à noite
Acocorado com o frio à noite à noite


Poema de Sérgio Godinho





domingo, 30 de agosto de 2020



170º dia de recomeço do blog

Hoje é domingo e eu preguicei.

Leitura dos jornais que assino e avanço no livro do Rubem Fonseca, duas séries francesas policiais e eu ainda na cama.

O almoço, legumes estufados com cuscuz biológico, uvas, 2 quadradinhos de chocolate e café.

Telefonemas de parabéns a aniversariantes e pouco mais.

Apesar de aposentada tenho ou não direito de um dia assim?

sábado, 29 de agosto de 2020



169º dia de recomeço do blog

Um amigo faz hoje 77 anos.
Desde há uns anos almoçamos ou jantamos com ele. Eu e mais 1 ou 2 amigas. Hoje almoçámos.

Fui eu que tive a tarefa de marcar lugar no restaurante o que foi difícil. Ou não atendiam a chamadas ou as condições que exigiam não me agradavam.

Acabei por aceitar um que guardavam se estivéssemos entre as 12h e as 12h30, não garantiam mesa na varanda nem junto às janelas frente ao Rio Tejo. Em desespero marquei.
Acabámos por não ir a esse, que hoje de manhã descobri que podia marcar pela internet um no Guincho. 

Simpático, espaçoso, mesa larga e encostada à janela com o mar ao pé, comida boa, foi uma óptima escolha.

Mas, ao contrário do que disse ontem, eu estava pouco faladora. Foi um almoço mais de risota que de conversa séria.

É que na mesa ao lado, mesa grande e redonda com oito pessoas, ainda a comida não tinha chegado e já tinham bebido cinco garrafas de vinho. Os convivas dessa mesa estavam óptimos sem sinal de álcool a mais. Até sairmos, eles ainda a comer, já iam nas nove.

Construímos histórias sobre as pessoas presentes nas outra mesa, casámos, divorciámos, arranjámos progenitores, sogras, etc.


Um pouco adolescentes mas o almoço foi muito divertido.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020




168º dia de recomeço do blog

Dizem que desde que estou mais velha falo com mais facilidade qualquer pessoa que não conheço, até chego a meto conversa. Tenho quem avalie isso positiva e simpaticamente e quem, especialmente uma grande amiga que me critica.
Estou-me mais ou menos nas tintas. 

Dois homens com máquinas fotográficas banais tiraram uma fotografia a um desgraçado de um velho (se calhar mais novo que eu), que estava sentado numa bancada. Sujo, andrajoso, sem dentes, sorria com um ar idiota na direcção dos homens. Os braços estavam esticados para a frente e os dedos indicador e polegar das mãos tocavam-se fazendo uma argola.

Sem pensar duas vezes passei por eles e disse-lhes em francês que deviam ter vergonha de tirar uma foto ao senhor, afinal eram portugueses, repeti em português e um deles zangado, perguntou-me se eu sabia quem ele era, não sabia? Claro que não e afastei-me para o lado Rossio e eles 1º de Dezembro.

E lembrei-me do Fouard, nosso guia em Marrocos, numa maravilhosa e bem organizada viagem que fiz há uns anos.
Íamos na camioneta quando vi que à frente ía uma carroça puxada por um burro, carregada de objectos, caixas, embrulhos e por cima e pelos lados, agarrados como podiam, iam imensas pessoas.
Saltei do meu banco e corri para a frente para junto ao vidro tirar uma foto àquela pobreza toda. Fouard pôs-se à minha frente e impediu-me. Não foram precisas muitas palavras para eu entender que ele estava a proteger o seu país, não deixando mostrar miséria como se fosse típico.

Julgo que foi qualquer coisa parecida que me fez interpelar os homens, desgostada que a nossa pobreza fosse fotografada.

A minha amiga, claro, criticou-me.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020



167º dia de recomeço do blog


Há muito tempo que não ia à baixa lisboeta.

Algumas pessoas, a permitir andar confortavelmente.

Artistas de rua, músicos, pintores e artesãos de bijutaria.
Pedintes com ar de estrangeiros, alguns com cães.
Em duas ruas diferentes, sentados no chão e com os cães ao lado, tinham o mesmo cartaz, em português e em inglês, "sou surdo, preciso de ajuda para mim e para os cães". 

Outro "artista", e assim o nomeio pelos diferentes letreiros que tinha onde colocar moedas. Poucas e todas escuras. Pelo humor merecia mais. Por exemplo, para o vinho, para as ganzas, por ser verdadeiro, e outros que tais.

Havia ainda os músicos. Violoncelo com flauta, saxofonista e outros. É muito agradável subir do Rossio em direcção ao Chiado com aqueles sons. Devíamos ir sempre preparados com umas moedas para estes músicos.

Comprei os livros que queria, que por serem recentes não tinham desconto na Feira do Livro que hoje abre e vim para casa. Dei-me então conta de como estava calor e vento e que uma crise alérgica estava a começar. E assim foi.