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Passear à beira mar em Ipanema ou Copacabana é também passar por vendedores de roupa de praia, bijouterie e outras coisas, que ocupam parte desses passeios largos com calçada portuguesa (1).
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Passei por ali. Ia só e fui deitando um olho aos expositores colocados no chão. Parei várias vezes olhando com mais cuidado algum objecto que me chamou a atenção.
Foi o que aconteceu junto de um artesão de rastas castanhas e loiras que ali fazia as suas peças, colares, brincos, anéis. Sentado no chão, com um fio de metal e o alicate ia dando forma a uma espiral. Parei e olhei para o mostruário estendido sobre um pano. Do you speak english, perguntou. Português, respondi. Então esteja à vontade, pegue para ver melhor. Agradeci mas avisei que não ia comprar nada, estava só a ver por isso não ia mexer. Ele ficou um pouco irritado e perguntou porque nós, "os portugueses da Europa" éramos tão distantes, tão frios. Olhei-o surpreendido e ele continuou, que sendo ele o artista, não era só a venda que lhe interessava, mas também a apreciação do seu trabalho. Eu podia mexer, perguntar coisas como se faz, dar opinião, mas ficar só a olhar em silêncio era "muito frio dêmais". Que na verdade não nos interessava o seu trabalho.
Apanhada de surpresa, terei balbuciado duas ou três palavras, despedi-me e continuei o meu passeio sem "pegar" em nada. Mas a pensar no que ele me tinha dito.
Na volta passei outra vez junto dele, sorri-lhe e ele fez com a mão uma grande saudação e um rasgado sorriso, como se fossemos conhecidos de há longa data.
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Embu-das-Artes é uma pequena cidade do Estado de S. Paulo que todos os sábados é transformada numa grande venda de artesanato. Objectos feitos de madeira, barro, pele de peixe (!), tecido, cabaça, quadros, bijouterie e até jóias. Aqui não fui sozinha, acompanhou-me a minha prima Elisa, nascida em Portugal mas a viver no Brasil desde pequenina e a Ivone, uma amiga brasileira.
Vejo-as parar, comentar, mexer em muita coisa. Numa banca de jóias de prata com pedras brasileiras, pararam e a artesã que estava sentada levantou-se. A Elisa perguntou se era ela que fazia, qual o material usado, comentou coisas simples como "olha só este, quê bonitjinho"mas acrescentou que não ia comprar, estava só a admirar o trabalho. A senhora deu um grande sorriso, que isso não tinha importância, disse ela. Só dar umas palavrinhas já era bom, porque ali sozinha e calada durante horas era muito aborrecido. Posto que seguimos para outra.
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O ano passado expus umas peças de joalharia numa exposição realizada no meu antigo liceu, por altura do seu 60º aniversário. Praticamente não saí de perto do expositor, encostada à parede mais próxima. Muita gente passou e afastou-se sem uma palavra. Outras pararam, comentaram, algumas elogiaram. Só duas se interessaram pela eventual aquisição (nenhuma era para vender).
Esta experiência podia ter-me servido para saber como é agradável a atenção que dão ao nosso trabalho e os comentários, interessando-se pela técnica ou pelo design ou simplesmente entusiasmando-nos a continuar. Mas não, por feitio reservado ou falta de empatia para com os outros artesãos, parece que tudo esqueci. Suponho que aquele "rastas" me ensinou muito mais que a experiência que eu já tinha vivido.
(1) - http://pedracalcada.blogspot.com.br/2008/12/ave-de-arribao.html