sábado, 26 de março de 2011

Poema - Sophia de Mello Breyner Andressen

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A HERA
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A meticulosa beleza do real
Onda após onda pétala a pétala
E através do pano branco do toldo
A sombra aérea da hera
Tecedora incessante de grinaldas.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Aconteceu...Há rotinas boas

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Fala-se muito negativamente contra as rotinas, mas todos nós vamos criando algumas. Se a nossa vida não for completamente espartilhada por elas, podem ser úteis. Podem ser uma tentativa de defesa contra alguma desorganização ou algum vazio, quando os marcos da vida são poucos. Veja-se a abertura deste blog, diário, criado numa fase de "prisão" da minha vida. Os marcos que dão sentido ao tempo da vida, antes, depois, manhã, tarde, noite...
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A minha maior rotina é trabalhar diariamente, coisa que, apesar das dificuldades existentes nos serviços, com que todos se debatem, ainda me dá prazer. Para já é uma boa rotina.
Alguém me dizia um destes dias, comentando os intervenientes de um programa da manhã na rádio, que tenta ser alegre e livre até ao disparate, que eles trabalham mas divertindo-se.
No desenvolvimento infantil, há uma altura em que o prazer do trabalho substitui o prazer do jogo, não o excluindo, portanto pode-se fazer trabalho sério (sem muitos risos) e tirar prazer.
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Nos últimos tempos arranjei maneira de, sentada no carro à porta do serviço, só sair depois de ouvir a crónica do Fernando Alves, na TSF. São tão interessantes, de uma enorme cultura, mas também de poesia, pela forma como ele as escreve, as metáforas que emprega, os jogos de palavras. Alguém ouviu a de ontem? De uma enorme inteligência, pôs-nos a seguir os passos do 1º Ministro, sem nunca o nomear, para já no fim nos fazer crer que estava a falar de Harry Houdini, o grande ilusionista que ontem faria anos. Ilusionismos!
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Esta rotina matinal, é uma que adoptei sempre que me é possível e que recomendo.

quinta-feira, 24 de março de 2011

quarta-feira, 23 de março de 2011

Poema - Luís Filipe Parrado

. ORQUÍDEAS . Foi um erro substituir por orquídeas as flores artificiais no centro da mesa. Exigem luz, cuidados, uma humidade temperada. Bem as conheço: flores venenosas donas de uma beleza gratuita. Às outras bastava passar o pano do pó às vezes, nem olhava para elas, para as suas folhas baças, para os seus ramos secos de arame; estas ensinam-me, com esplendor, a tua morte, a ferida com que o mundo vai acabar.

terça-feira, 22 de março de 2011

Aconteceu...Talvez seja da Primavera, mas fiz um projecto para o ano!

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Começou ontem a Primavera, mas estes últimos dias foram quase de verão.
E como estamos precisados deste calorzinho!
Depressão não rima com frio. Já calor rima com bom humor. Nem sempre acontece, mas apetece.
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Miradouro de Santa Catarina, na esplanada e no relvado inclinado que se debruça sobre o Tejo, eramos algumas dezenas por ali sentados, olhos postos no rio. Lata de bebida pousada ao lado, sandes na mão. Mas só esta forma de escrever aquele pão cortado ao meio e com uma fatia de qualquer coisa lá dentro é portuguesa, porque eles eram quase todos estrangeiros.
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A conversa nas esplanadas, mesa com mesa, passa sem filtro para os vizinhos. E porque havia espanhóis, que falam alto e bom som, percebeu-se que alguns teriam vindo para fazer a meia maratona. Atravessar a ponte 25 de Abril a pé, seja qual a velocidade, deve ser uma experiência emocionante.
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Para o ano conto participar...a passo!

domingo, 20 de março de 2011

Poema - Herberto Helder

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É amargo o coração do poema.
A mão esquerda em cima desencadeia uma estrela,
em baixo a outra mão
mexe num charco branco. Feridas que abrem,
reabrem, cose-as a noite, recose-as
com linha incandescente. Amargo. O sangue nunca pára
de mão a mão salgada, entre os olhos,
nos alvéolos da boca.
O sangue que se move nas vozes magnificando
o escuro atrás das coisas,
os halos nas imagens de limalha, os espaços ásperos
que escreves
entre os meteoros. Cose-te: brilhas
nas cicatrizes. Só essa mão que mexes
ao alto e a outra mão que brancamente
trabalha
nas superfícies centrífugas. Amargo, amargo. Em sangue e exercício
de elegância bárbara. Até que sentado ao meio
negro da obra morras
de luz compacta.
Numa radiação de hélio rebentes pela sombria
violência
dos núcleos loucos da alma.