quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Poema - José Jorge Letria

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QUANDO EU FOR PEQUENO
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Quando eu for pequeno, mãe,
Quero ouvir de novo a tua voz
Na campânula de sons dos meus dias
Inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
Com a certeza dócil de que só o empedrado
E o cansaço da subida
Me entregarão ao sossego do sono.
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Quando eu for pequeno, mãe,
Os teus olhos voltarão a ver
Nem que seja o fio do destino
Desenhado por uma estrela cadente
No cetim azul das tardes
Sobre a baía dos veleiros imaginados.
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Quando eu for pequeno, mãe,
Nenhum de nós falará da morte,
A não ser confirmarmos
Que ela só vem quando a chamamos
E que os animais fazem um círculo
Para sabermos de antemão que vai chegar.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Aconteceu...7 de Dezembro 2009 - 7 de Dezembro 2010

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"Certos Dias Acontece" faz hoje 1 ano!
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Começou por ser um espaço a que me "obriguei" a vir escrever regularmente, na sequência de ter ficado imobilizada em casa depois de ter partido um pé.
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Se reconheço que pode ser óptimo não ter obrigações e ter o tempo à nossa disposição, também sei
que os marcadores do tempo são organizadores da vida.
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Para o crescimento e para a organização mental de uma criança, as marcas do dia com as suas actividades entre elas é fundamental. Pequeno almoço, almoço, lanche, jantar, aulas, brincar depois de estudar, dormir à noite, pode parecer rígido. Mas é muito importante. Vemos as dificuldades de crescimento harmonioso das crianças com meios familiares desorganizados e onde esta regularidade não acompanha os outros cuidados necessários.
Sabemos, como uma pessoa adulta deprimida ou desorganizada psiquicamente pode não se dar conta que anda com horas trocadas, que se esqueceu de almoçar, de compromissos às vezes importantes.

O blog apareceu assim, num período pouco movimentado da minha vida, e teve também com uma função defensiva, com a sua estrutura alternada e organizada de texto, poema, imagem. E pouco a pouco comecei a divertir-me com ele, a entusiasmar-me e ele começou a fazer parte da minha vida. A minha escrita aqui passou a ser um marco afectivo diário.
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Meses mais tarde o pé sarou, e a minha actividade habitual recomeçou. Mas o blog continuou.
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Os textos são curtos, fruto da minha experiência de vida, viagens, comentários de notícias e aqui e ali com apoio do meu conhecimento profissional.
Os poemas fazem parte de um bocadinho da minha leitura diária.
As imagens, essas tiveram alguma evolução. Diminuíram os vídeos retirados da net, que também exigem mais tempo para a pesquisa, e aumentaram as fotos que são um pouco do meu olhar.
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Pouca gente escreve comentários, embora por outras vias receba algumas opiniões. Mas um contador de visitantes mostra que passam por cá, até ao momento de publicar hoje, 8839 passaram.
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Cá continuarei... enquanto me der prazer!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Aconteceu...Foto - Núvens negras ganham terreno

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............................................Foto - Magda

domingo, 5 de dezembro de 2010

Poema - Adília Lopes

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Houve um momento
em que deixei de gostar
da minha mãe
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Houve um momento
em que deixei de gostar
do meu pai
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Houve um momento
Em que deixei de gostar
De mim
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Houve um momento
em que deixei de gostar
de ti
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Houve um momento
Em que parti
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Houve um momento
Em que voltei
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Houve um momento em que voltei a gostar de todos
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E todos estão aqui
Mortos
E ausentes

sábado, 4 de dezembro de 2010

Aconteceu...Há quem tenha os pais unidos pela raiva

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Desde cedo que se acostumou a ver os pais discutirem. Eu disse acostumou? Disse mal, devia ter dito ouviu, porque nunca isso se tornou para ele como uma coisa normal.
Insultos, gritos dos pais, e ele a gritar, com as mãos a tapar as orelhas e a pedir que parassem, deixassem de gritar, mas sem que eles o ouvissem.
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Alguns anos mais tarde, ainda ele era pequeno, ouviu uma nova discussão e viu o pai passar por ele, bater com a porta e não voltar nesse dia a casa. Nem no outro, nem no outro... até que a mãe lhe começou a dizer que tinha sido bom, que o pai era muito mau e assim podiam os dois viver sós e felizes.
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E todos os dias lhe lembrava que o pai era mau. Mas ele também se lembrava de jogar à bola com ele, comer algodão doce lá na feira da aldeia, e até armar costelas para apanhar os pássaros. E tinha saudades de estar com o pai...
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Um dia soube que o pai o queria também, para viver com ele. E nova guerra se desencadeou, aqui com Tribunal à mistura. E passou a estar em casa da mãe umas semanas e em casa do pai noutras.
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Era um verdadeiro calvário quando tinha de trocar de casa, um interrogatório completo lhe era feito, tanto pelo pai como pela mãe. E críticas, críticas, críticas. A certa altura sentia-se confuso. Serão para mim? pensava. Como fugir disto, tão pouco crescido que era?
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Muitas crianças vivem esta vida. A raiva que a separação e por vezes nem a constituição de uma nova família deixa de existir entre os pais. Pais unidos pela raiva.
Este ambiente cerca as crianças e destroí-as. Sofrem.
Mergulhados neste caldo raivoso, os pais nem se apercebem como estão a destruir os filhos, a inquinar-lhes a existência actual e a futura.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Aconteceu...a ilusão da fragmentação do Sol

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.............................................Foto - Magda

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Poema - Filipa Leal

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QUARTO MINGUANTE

Os adolescentes da cidade
deitavam-se cada vez mais cedo.

Faltava-lhes o espaço para a náusea
desse lugar diminuto,
desse tédio
que só no quarto a sós
lhes denunciava a paixão.

Os adultos da cidade
deitavam-se cada vez mais tarde.

Não suportavam a náusea
desse lugar diminuto,
desse tédio
que no quarto só
lhes denunciava a solidão.