segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Aconteceu...síndrome do fim das férias- uma entidade nosológica?

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Achei mesmo graça ao ler ontem que tinha sido descrito um síndrome do qual se pode sofrer quando acabam as férias e temos de recomeçar o trabalho. O que eles inventam, para tentar organizar por sintomas, que é o que está a dar, versus compreender os fenómenos.

Para quem o trabalho é uma necessidade económica, de onde não se tira prazer, do qual nos sentimos pouco gratificados e reconhecidos, com cujos colegas não temos nenhuma relação afectiva, será esquisito gostar das férias e sentir o trabalho como um fardo que obrigatóriamente temos de carregar?

Nas situações actuais, a grande maioria das pessoas não faz o que gosta. Uns não estudaram, outros entraram para onde as notas lhes permitiu. E fora do horário de trabalho há outro, o de casa, da família, para quem às vezes já pouca disponibilidade sobra.

Luísa sobe,/sobe a calçada,/sobe e não pode,/que vai cansada.
Saiu de casa/de madrugada;/regressa a casa/é já noite fechada.
Na mão grosseira,/de pele queimada, leva a lancheira/desengonçada.
(...)
Chegou a casa/não disse nada./Pegou na filha,/deu-lhe a mamada;
/bebeu a sopa/numa golada;/lavou a loiça,/varreu a escada;/deu jeito à casa/desarranjada;/ coseu a roupa/já remendada; despiu-se à pressa,/desinteressada;/caiu na cama de uma assentada;/chegou o homem,/viu-a deitada;/serviu-se dela,/não deu por nada.
(...)
in Calçada de Carriche, de António Gedeão.

Duvido que algumas Luísas alguma vez tenham sido crianças, tido e vivido uma infância que seja digna desse nome. Duvido que alguma vez tenham tido férias, mas se as tivessem tido, seria estranho terem o tal síndrome e custar-lhe trabalhar de novo? Ah, mas que se fique descansado, parece que é de curta duração. Pudera, a pessoa habitua-se!

domingo, 29 de agosto de 2010

sábado, 28 de agosto de 2010

Poema - Sophia de Mello Breyner Andresen

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RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA

Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Aconteceu...que é muito bom tirar prazer da vida!

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Ouvimos frequentemente falar de pessoas sempre insatisfeitas, que nunca tiram prazer de nada, sejam coisas simples, coisas especialmente raras, preparadas para despertar prazer, seja o que fôr, o resultado é nada. Há muitos factores para que isso aconteça.
Pode ser sinal de "depressão", ok, mas é sobretudo uma coisa muito chata, porque por mais que se tenha, nunca se está satisfeito. Aliás, aquele ditado que "a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha" é bem elucidativo disso embora seja frequentemente ligado à inveja. Pois, mas também é verdade que estas pessoas nunca tiram partido do que têm, sonhando sempre com o que está longe. Dito de forma simples, têm uma bóia ao pé mas não a vêem, só procuram ao largo desprezando o que está perto.
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Também há pessoas que destroem tudo o que têm à mão ou à sua volta. Hoje ao passear-me por uma terra algarvia, de uma casa a 200 metros da praia saía uma gritaria de voz de homem que dizia mais ou menos isto "praia, praia, praia, é de manhã, é de tarde, e ainda sais à noite, ou me engano muito ou vais dar em puta". Estes vozeirão saía de uma casa que tinha o letreiro "aluga-se para férias". Ricas férias, se esta berraria é sempre assim!
Fiquei a pensar de quem e para quem seria aquilo, de pai para filha/o adolescente? marido para mulher? haveria outras pessoas dentro de casa? crianças a assistir a isto?
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O Pedro tem 4 anos e foi ver um filme do Shrek. Desde esse dia passou a dizer, volta não volta "chiça-penico". Viu uma vez o filme mas apanhou logo aquilo. Quem é criado num caldo de gritos, palavrões, como ficará? Não, não vou falar de imitação, identificação ou alterações hormonais precoces! Não, vou ficar por aqui!
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Estou de fim-de-semana, tive ontem um óptimo fim de tarde, com um lindíssimo pôr-do-sol, hoje uma hora deliciosa de piscina, umas amêijoas de gritos, e deu-me para vir aqui falar nos que não conseguem ter prazer! Ora bolas!

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Poema - Manuel de Freitas

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SUB ROSA
................................Para o Herberto Helder
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Não somos os últimos, pois se
há coisa que o mundo sempre fez bem
foi acabar. De novo e sempre acabar
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Mas já não trabalhamos com ouro
e temos um certo pudor tardio
em falar de deus, do amor ou até do corpo.
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As metáforas arrefecem, talvez contrariadas.
São casas devolutas, mães risonhas
ou sombrias cujo grito deixámos de escutar.
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Do lixo, porém, temos um vasto
e inútil conhecimento. Possa
ele servir de rosa triste aos
que não cantam sequer, por delicadeza.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Aconteceu...carta a uma amiga "mãe" e educadora de dois gatinhos

Cara amiga,
Desculpa estar-me a rir, tu dormiste mal e dizes que tens a casa quase toda "destruída"...
Os teus dois gatos estiveram agora quase um mês fora da tua casa e fora da tua companhia.
Regressados, talvez tenham estranhado, ou se calhar de tão contentes, estão excitados e cheios de vida. Estão a reconhecer o território. Os gatos são curiosos como sabes. Os teus são gatos novos, nem seis meses têm.

Feitas as contas pelas tabelas correspondem a crianças de 2 anos, idade de autonomia motora, e muita aventura, para alguns sem cálculo de perigo.

Sabes, fizeste-me pensar naquelas mães que vêm-se queixar dos filhos e pedir um remédiozito para os acalmar.
E quando eu tento perceber se houve alguma alteração recente na vida deles, dizem que não, tudo igual. A consulta continua e a certa altura falam do marido que ficou desempregado há 15 dias, preocupado e deprimido passa metade do tempo na cama, da mudança de escola com novos colegas e professora que vai ser já daqui a uns dias, da avó que por rotatividade entre os filhos, agora lhes calhou a eles e... tinham-me dito que nada tinha mudado na vida familiar onde a criança está inserida. Ninguém me queria enganar, eles é que não tinham valorizado esses eventuais factores de stress.

No caso dos teus gatos, também eles tiveram mudanças. Conhecem-te, à tua casa, os seus cheiros, mas esqueceram algumas regras.
Com as férias lá no teu paraíso, também tu estás desabituada deles.
Todos os gatos de noite fazem caçadas, sobem paredes, saltam. Eu já me habituei com o meu e durmo que nem uma justa.

Talvez tenhas de lhes "lembrar" o que não podem subir, esgadanhar. Há quem os treine com uma esguichadela de água no focinho na altura certa, (técnica de condicionamento) ou pôr daquele papel que cola dos 2 lados nos sítios que consideras proibidos. A pouco e pouco vão aprender.

Também as crianças que precisam de afecto, precisam de organização, conhecer os limites, ouvir dizer um não. E de coerência. Só que com elas, o aprender deve ser na base da relação, do prazer de se sentir amado e de poder agradar também ao outro.

Quanto à valeriana que falaste, ah, ah, olha, toma-a tu...

Não te esqueças, de pequenino se torce o pepino...e o destino muitas vezes.
Um beijo e bom trabalho!