quarta-feira, 21 de abril de 2010

Poema - Maria Eugénia Cunhal

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Olha-me bem nos olhos,
E diz-me se acreditas
Que eu possa alguma vez
Já não gostar de folhas secas,
Das velas remendadas das fragatas,
Do Sol, do Céu, de búzios, das estrelas,
Do mar batendo a areia,
Do voo das gaivotas,
Duns olhos que se dão numa promessa,
Das lágrimas, do riso, da alegria
Da Nona Sinfonia,
Do calor que uma mão consegue dar
A outra mão, sem mesmo lhe tocar,
Dos girassóis que Van Gohg pintou...
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Olha-me bem nos olhos,
E diz-me que acreditas
Que até a morte vir,
Eu hei-de amar as coisas que tu amas
E nelas sempre te encontrar a ti.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Aconteceu...vídeo

Recebi este vídeo por mail. Gosto do ar sério que é usado. E é tudo verdade, ainda por cima!
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segunda-feira, 19 de abril de 2010

aconteceu...histórias com médicos -3

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Em situações de grande carência emocional certas pessoas são capazes apresentar comportamentos que têm vários significados, apelativo, auto e heteroagressivo, preverso, etc.
Acontece por exemplo com a ingestão de objectos estranhos, que não só não são comestíveis como não são digeríveis e que terão de sair do corpo, intactos como entraram.
O F. de 10 anos tinha perdido a mãe cedo na vida, ficando com um pai alcoólico, abandonante, desorganizador, pelo que o rapaz andava ao Deus dará. Faltava à escola, não tinha poiso, esmolava na rua, era aliciado por gangs, pelo que, avaliada a situação, confirmada a desorganização, teve de ser protegido e foi internado.
A sua integração não foi fácil e iniciou um período muito complicado em que, a par de outras alterações de comportamento, muitas das coisas que apanhava à mão iam para a boca e daí para o estômago. Por mais cuidado que se tivesse, havia sempre um objecto que era deglutido. Estas situações eram inquietantes, uma vez que alguns dos objectos podiam ficar retidos no tubo digestivo, e necessitarem de ser retirados por meios cirurgicos, para além do risco existente de uma perfuração.
Raro era o dia em que não tinha de ir ao hospital fazer uma radiografia para estudar onde estava o "alimento" e acompanhar a sua saída. Começou a ser conhecido dos radiologistas.
Um dia lá foi ele novamente à urgência para ver do trajecto das pilhas do comando da televisão que tinham ido goela abaixo. Raio X feito, estudada a situação e o relatório foi conciso "Pronto a recarregar".
Mesmo com as coisas complicadas da vida, por vezes há saídas com humor.

domingo, 18 de abril de 2010

Poema - Maria do Rosário Pedreira

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O sono retirou-se do meu corpo e as cigarras
atormentam as minhas noites. Depois de teres
partido, os lençóis da cama são como limos frios
que se agarram à pele. Porém, se me levanto,
não faço mais do que arrastar a solidão pela casa;
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talvez procure ainda um gesto teu nos braços
do silêncio, como um pombo cego a debicar
as sombras na única praça deserta da cidade -
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o amor nunca aprendeu a ler nas linhas da mão.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Aconteceu...no Serviço Médico à Periferia - 5

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Beira Alta, Terras do Demo, 1980
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A enfermeira parteira vem avisar-me que numa aldeia lá para a serra está uma mulher para dar à luz. E pede-me que vá com ela, há dificuldades em transferir a parturiente para o hospital mais perto que fica a 60 km e a estrada é cheia de curvas. Teremos de ser nós a ir lá. É que parece que a criança vai nascer antes do tempo completo, trata-se de uma urgência.

Metemo-nos a caminho. São uns quilómetros aos saltos pela estrada de pedra que faremos no táxi, carro e chauffeur habituado a estas andanças, a enfermeira também, eu era a estreante e estava inquieta com mais esta aventura.
Estrada com gelo, trajecto perigoso, frio de rachar, mas lá chegamos. Facilmente se identifica a casa, vários homens de chapéu na cabeça estão à porta, como que a esperar-nos. Aberta esta, nuvens de vapor deixam antever panelas com água a ferver, linhos preparados para quando necessário, a cama da grávida e várias mulheres à espera do momento.
A mulher gritava com dores. E de repente, no meio da gritaria há uma breve pausa seguida de um grito acusatório. Com a mão a apontar para mim grita: Foi esta que me engravidou!
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Um grande silêncio se fez... O tempo parece que parou. Todos os olhares ficaram poisados em mim...
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É que uns meses atrás, na minha consulta, os resultados das provas hepáticas desta senhora não enganavam. Deveria, entre outras coisas, interromper a pílula durante uns tempos. Perante a minha indicação, a senhora inquietou-se, não estava com vontade de engravidar. Expliquei como fazer, de outros métodos contraceptivos poderia usar, que precauções tomar e a doente pareceu compreender, aceitou e ficou de voltar para repetir as análises uns tempos depois.
Nunca mais voltou e eu nunca mais pensei no assunto.
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Pois era ela que estava agora ali, não para ter já o parto mas com uma cólica renal.
E outros métodos? Ora Dra., o meu marido não quis, era tudo muito complicado!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Poema - Mário-Henrique Leiria

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Uma garrafa de gin estava
a preocupar
o pescador
a garoupa e o rodovalho
não tinham aparecido
pró jantar
que fazer?
telefonou ao ministro
da Pesca e do Trabalho
mas o ministro
estava a trabalhar
na cama
com a mulher
foi então
que a garrafa de gin
sugeriu discretamente
porque não
telefonar ao presidente?
telefonaram
o presidente da nação
estava em acção
na cama
com a mulher
nessa altura
até que enfim
encontraram a solução
o pescador
foi para a cama
com a garrafa de gin